segunda-feira, 29 ago 2011
1.
Introdução
Este artigo
tem o objetivo de evidenciar como se encaixa a teoria austríaca dos ciclos econômicos
(TACE) nos fatos econômicos da história pós-revolução industrial. Trata-se de saber se a análise teórica
proporciona ou não um esquema interpretativo adequado aos fenômenos de expansão
econômica e recessão que a civilização experimentou depois desse marco histórico.
É preciso,
no entanto, ressaltar a cautela frente a esse objetivo. Isso porque, ao contrário do que afirma a
escola positivista, a evidência empírica não é suficiente para confirmar ou
refutar uma teoria econômica válida. Como
afirma Mises, a praxeologia busca conhecimento que
seja válido sempre que as condições correspondam exatamente àquelas
consideradas na hipótese teórica. Sua
afirmação e sua proposição não decorrem da experiência; antecedem qualquer
compreensão dos fatos históricos. Tendo clara essa relação, podemos seguir
adiante.
2. A Teoria
Uma forma de intervencionismo se dá através de
controle monetário. A moeda é um
poderoso indutor econômico, uma ferramenta poderosa e, por isso, a detenção do
monopólio sobre ela proporciona uma vantagem aos governos em relação à moeda
livre: a moeda estatal, fiduciária e de curso legal forçado, traz consigo o aumento
de possibilidades de financiamento dos gastos dos governos, bem como o estímulo
ou desestímulo de setores que atendam aos seus interesses.
Como instrumento, os governos necessitam do
sistema bancário para fluir o dinheiro aonde lhe interessa e, por isso, é de
seu interesse que ele seja saudável. Tem-se,
assim, a origem da relação entre o aspecto político e o aspecto financeiro
indutor da atividade econômica:
A causa se
encontra (...) no privilégio concedido aos banqueiros para que, em violação dos
princípios tradicionais do direito[1]
(...) exerçam, portanto, seu negócio com coeficiente de reserva fracionária.
Privilégio este de que também se aproveitam os governos para obter
financiamento fácil em momentos de apuros e, depois, por meio dos bancos
centrais, para garantir facilidade creditícia e liquidez inflacionária que até
agora se considerava serem muito necessárias e favoráveis como estímulo para o
desenvolvimento econômico. (HUERTA DE SOTO, 2009, p.392). Tradução livre.
Porém, essa relação traz consigo efeitos
colaterais sobre a economia real. A expansão monetária e creditícia não
sustentada por uma poupança real causa graves distorções na estrutura produtiva
da economia. O conflito entre as etapas
de produção torna-se inevitável, bem como o aparecimento das
recessões. Como resultado, tem-se a concentração forçada de renda devido ao
processo de inflação monetária e à dilapidação de capital devido aos
investimentos errôneos e insustentáveis.
Tal situação
econômica gera desemprego e descontentamento da população. Ela, por desconhecer
a teoria econômica, advoga em favor da expansão monetária e creditícia como
saída da crise, devido aos benefícios aparentes que ela proporciona na fase de expansão
econômica. Nas próprias palavras de
Mises:
Quanto
maior tiver sido o seu otimismo nos dias do boom, maior será a sua
resistência ao ajuste. Chegam a deixar
passar boas oportunidades por terem perdido momentaneamente a autoconfiança e a
capacidade de iniciativa. Mas o pior é que as pessoas são incorrigíveis. Depois
de alguns anos redescobrirão a expansão do crédito e a velha história, uma vez
mais, se repetirá. (MISES, 1990, p. 803).
3. A História
Com o início da Revolução Industrial, os ciclos
econômicos começaram a se reproduzir com uma grande regularidade, adquirindo os
traços típicos expostos pela teoria. No entanto, enquanto Marx culpava a
economia de mercado capitalista por esses ciclos, Hume e Ricardo viram o
desenvolvimento de outra instituição junto com o sistema industrial e que era a
legítima responsável pelos ciclos econômicos: o sistema bancário comercial com
reserva fracionária.
A seguir, será exposta uma síntese dos
principais ciclos econômicos pós-revolução industrial até a atualidade, assim
como suas características:
a) O pânico de 1819 —
Afetou essencialmente os EUA. O pânico
foi precedido por uma expansão da oferta monetária e do crédito sem respaldo de
poupança real. Neste processo, o recém
criado Banco dos Estados Unidos teve atuação protagonista. A expansão foi bruscamente
interrompida em 1819, quando o banco deixou de expandir o crédito e reclamou o
pagamento das notas emitidas por outros bancos e que estavam em seu poder;
b) A crise de 1836 — Ocorreu
em consequência da crise essencialmente inglesa de 1825. Novamente, os bancos
iniciam uma expansão creditícia, gerando um boom
em que se multiplicam as sociedades por ações. Os créditos financiam vários setores e aquecem
demasiadamente a economia, refletindo uma subida vertiginosa nos preços. A
crise começa quando os bancos decidem deixar de aumentar os créditos por
estarem cada vez mais perdendo suas reservas em ouro, as quais fluíam
principalmente para os EUA. A partir de
1836, os bancos quebram ou suspendem pagamentos, iniciando uma profunda
depressão até 1840;
c) A crise de 1847 — Em
1840, reinicia-se a expansão creditícia artificial no Reino Unido, estendendo-se
pela França e pelos EUA. A bolsa de
valores inicia um enorme movimento especulativo puxada pelas empresas de trem,
até seu fim em 1846, com a crise na Grã Bretanha. Vale ressaltar que, em 1844,
a Inglaterra havia adotado a proibição da emissão de notas bancárias que não
tivessem o respaldo de 100% em ouro (Peel's
Bank Act). No entanto, tal medida não se estabeleceu em relação aos
depósitos e créditos, cujo volume se multiplicou por cinco em 2 anos. A
depressão se estendeu à França, especialmente às empresas de bens de capital,
agravando o desemprego. É nesse contexto histórico que se insere a revolução de
caráter tipicamente socialista que se produziu nesse país em 1848;
d) A crise de 1866 —
Etapa expansiva se inicia em 1861. Têm papel protagonista o desenvolvimento dos
bancos na Inglaterra e a expansão creditícia pelo Credit
Foncier na França. A influência da expansão é maior sobretudo na
indústria do algodão. Em 1866, quebras
generalizadas acontecem e se suspende a lei (Peel's Bank Act) que exigia
reservas de 100% em ouro para todas as notas bancárias emitidas. A finalidade de tal suspensão é defender as
reservas de ouro do Banco
da Inglaterra;
e) A crise de 1907 — Desta
vez, as companhias de energia elétrica são as protagonistas e beneficiárias dos
novos créditos artificialmente expandidos. A indústria química também participa
dessa expansão creditícia. A crise ocorre em 1907, após a qual inicia-se um
novo período de expansão econômica artificial, o qual dura até 1913 e a
Primeira Guerra Mundial;
f) A grande depressão de
1929 — A causa dessa crise em nada se difere das anteriores: a expansão
creditícia artificial ocorrida na década de 1920 (sob batuta de uma nova
entidade chamada Federal Reserve). No
entanto, o que a caracteriza é a sua duração e gravidade, que só pode ser
entendida pelos erros de política econômica e monetária. Hoover e Roosevelt tomaram
medidas contraproducentes para a recuperação, forçando uma manutenção
artificial de salários, aumentos de gasto público (aumentando o déficit e
decidindo-se equilibrar o orçamento via impostos), aumento de imposto de renda
para os mais ricos, entre outros. O
financiamento das obras públicas, sobretudo, se deu via emissão de dívida, o
que absorveu a escassa oferta de capital disponível, afetando gravemente o
setor privado;
g) A recessão do final dos
anos 1970 — A característica mais típica dos ciclos econômicos posteriores à
Segunda Guerra Mundial é que tiveram sua origem em políticas deliberadamente
inflacionistas dirigidas e coordenadas por Bancos Centrais. Assim, sob inspiração keynesiana, durante as
décadas seguintes considerava-se que. mediante uma política fiscal e monetária
expansionista, seria possível evitar qualquer crise. Não foi o que ocorreu, sendo a crise
manifestada em finais de 1970;
h) A recessão do início dos
anos 1990 — A experiência da década de 1970 poderia ter trazido aos
responsáveis econômicos e financeiros do ocidente lições para evitar uma nova
crise. Desafortunadamente, uma nova expansão creditícia se iniciou nos EUA em
meados dos anos 1980, alimentando um importante boom da bolsa de valores.
i) A crise de fins da
década de 2000 — essa crise, conhecida como bolha imobiliária, foi
caracterizada pelo boom no mercado
imobiliário americano. Assim como todas
as crises anteriores, foi precedida de expansão creditícia artificial, dessa
vez possibilitando a expansão e a criação de diversos produtos
financeiros. A subida dos juros e o
risco de inadimplência dos financiamentos subprime
detonaram a crise em 2008, evidenciada com a quebra do banco Lehman Brothers.
Essa crise ainda está vigente.
4. Conclusão: A teoria e a
história conjuntamente
O esquema das crises parece apresentar um padrão
claro em sequência: expansão creditícia artificial; boom no mercado financeiro, o qual elege algum setor em destaque no
mercado de capitais; elevação de riscos no setor bancário devido, justamente,
ao esquema Ponzi praticado pelas instituições financeiras devido às reservas
fracionárias; crise financeira e quebras bancárias, seguidas de crise econômica
com a quebra de empresas, sobretudo de bens de capital (por tornarem inviáveis
seus investimentos sustentados por crédito até então artificialmente barato);
demissões em massa, já que as etapas produtivas intermediárias
são as maiores empregadoras na economia; recessão.
Um novo ciclo se inicia com uma nova expansão
creditícia, justamente para tentar sair da recessão que até então atingia a
economia.
Nota-se, assim, uma grande coerência na
interpretação da história econômica quando submetida a uma teoria prévia. Sob luz da TACE, os fatos históricos nesse
período se "encaixam" nas conclusões teóricas. Não enquadremos por isso os eventos históricos
em algum padrão quantitativo a fim de predizer algo sobre a economia, até
porque, segundo Mises, não é possível saber até quando as pessoas terão fé em
alguma ideia errada. Tomemos, sim, essa associação consistente entre a teoria e
a história para diagnosticar os erros e não cometê-los novamente. Se as coisas tornarem-se recorrentes, então no
futuro só poderemos tirar duas conclusões sobre os (ir)responsáveis financeiros
dos governos: ou são ignorantes ou são mal intencionados.
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GARRISON, R. Tiempo
y dinero. 2.ed Madrid. Unión Editorial, 2005.
HAYEK,
F. Desestatização do dinheiro.
Disponível em: http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=57
HUERTA DE SOTO, J.
Dinero, crédito bancário y ciclos económicos. 4.ed. Madrid: Unión
Editorial, 2009.
MISES, L.; Ação Humana: um tratado de
economia; 3.ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990.
________;Teoría e História. Madrid: Unión
Editorial, 2003.
ROTHBARD, M. Depressões econômicas: causa e cura.
Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=228
[1] Há uma
diferença jurídica entre os contratos de depósito, em que o dinheiro fica em
custódia e à disposição imediata do depositante, não havendo transferência de
propriedade; e o de empréstimo, em que há a transferência da propriedade do
dinheiro e prazos definidos para a devolução. O sistema de reserva fracionária
naturalmente provoca o descompasso de prazos entre entradas e saídas de caixa
dos bancos em decorrência disso, o que gera um esquema Ponzi que tende a uma grave
crise financeira. Devido a essa natureza fraudulenta do sistema bancário
baseado na reserva fracionária, o sistema bancário é o único setor da economia
que vai á bancarrota de forma sistêmica.