quarta-feira, 19 out 2011
Imagine
que você está no comando do estado, o qual é definido como uma instituição que
possui o monopólio da jurisdição de seu território, sendo o tomador supremo de
decisões judiciais para todos os casos de conflito, inclusive os conflitos
envolvendo o estado e seus próprios funcionários. Adicionalmente, e em consequência desta
característica citada, você possui também o direito de tributar, isto é, de
determinar de maneira unilateral o preço que seus súditos têm de lhe pagar para
que você efetue essa tarefa de tomar decisões supremas.
Agir
sob estas restrições — ou melhor, sob esta falta de restrições — é o que
constitui a política e as ações políticas.
Consequentemente, já deveria estar claro desde o início que a política,
por sua própria natureza, sempre significará transgressões, fraudes e delitos. Não do seu ponto de vista, é claro, uma vez
que você está no comando do estado; mas sim do ponto de vista daqueles que
estão sujeitos ao seu jugo de juiz supremo.
Previsivelmente, você irá utilizar sua posição para se enriquecer à
custa de todas as outras pessoas.
Mais
especificamente, é perfeitamente possível prever quais serão suas atitudes e
políticas específicas em relação à questão da moeda e do sistema bancário.
Suponha
que você governe um território cuja economia já se desenvolveu além do estágio
primitivo do escambo. Ou seja, onde um
meio comum de troca — isto é, o dinheiro — já está sendo utilizado. De início, é fácil ver por que você estaria
particularmente interessado no dinheiro utilizado e em questões monetárias em geral.
Como administrador do estado, você pode em princípio
confiscar o que você desejar e proporcionar a si próprio uma renda imerecida, a
qual foi obtida com o trabalho alheio.
Porém, em vez de confiscar vários bens de consumo ou bens de capital,
você irá naturalmente preferir confiscar diretamente o dinheiro. Pois o dinheiro, sendo o bem mais facilmente
comercializável e mais amplamente aceito de todos, permite a você a maior
liberdade possível para gastar sua renda como quiser, com a maior variedade
possível de bens. Por conseguinte, os
tributos que você impuser sobre a sociedade serão tributos pagáveis em
dinheiro, sejam eles impostos sobre a propriedade ou sobre a renda. Seu desejo é maximizar suas receitas
tributárias.
No
entanto, ao tentar fazer isso você irá rapidamente encontrar algumas
dificuldades bem espinhosas. Com o
tempo, suas tentativas de aumentar ainda mais sua renda tributária irão
encontrar problemas: as maiores alíquotas de impostos não resultam em maiores
receitas, mas sim em
menores. Sua renda — seu
dinheiro para ser gasto — começa a declinar, pois os produtores,
sobrecarregados com impostos cada vez mais altos, simplesmente passam a
produzir menos.
Nesta
situação, você tem apenas uma opção para aumentar ou pelo menos manter seu
atual nível de gastos: pedir dinheiro emprestado. E para isso você tem de ir aos bancos — daí
o seu interesse especial também nos bancos e no setor bancário. Se você pegar dinheiro emprestado dos bancos,
estes bancos irão automaticamente ter um genuíno interesse no seu bem-estar
futuro. Eles farão de tudo para que você
continue operante, isto é, eles irão querer que o estado dê continuidade às
suas atividades espoliativas. E dado que
os bancos tendem a ser participantes essenciais de uma sociedade, tal apoio
certamente é algo benéfico para você.
Por outro lado, e agora um lado negativo, se você pegar dinheiro
emprestado dos bancos, eles não apenas irão querer que você quite o empréstimo,
como também irão querer que você pague juros sobre o total emprestado.
Portanto,
a questão que surge para você, o soberano, é: Como posso me livrar destas duas
restrições, a saber, da resistência tributária que se manifesta na forma de
receitas em queda e da necessidade de pegar dinheiro emprestado junto aos
bancos e pagar juros para eles?
Não
é muito difícil ver qual é a solução derradeira para o seu problema.
Você
pode conquistar a sua desejada independência em relação aos pagadores de
impostos e aos bancos apenas se você se estabelecer como o detentor do
monopólio territorial da produção de dinheiro.
No seu território, somente você pode produzir dinheiro. Mas isso ainda não é suficiente. Pois enquanto o dinheiro for um bem cuja produção
é dispendiosa (como no caso do ouro, por exemplo), você terá apenas despesas
adicionais caso decida assumir sua produção.
De maior importância, portanto, é você se fazer valer de sua posição
monopolista para reduzir os custos de produção e a qualidade do dinheiro para o
mais próximo possível de zero. Em vez de
dinheiro de qualidade dispendiosa, como ouro ou prata, você deve procurar fazer
com que pedaços de papel sem nenhum valor, e que podem ser produzidos a custo
praticamente zero, se transformem em dinheiro.
(Normalmente, ninguém aceitaria pedaços de papel sem nenhum valor como
forma de pagamento. Pedaços de papel são
aceitáveis como pagamento somente quando representam títulos de reivindicação
sobre outra coisa — por exemplo, títulos de propriedade. Em outras palavras, você terá de substituir
pedaços de papel que representam títulos de propriedade sobre dinheiro genuíno
por pedaços de papel que não representam titularidade sobre absolutamente
nada.)
Sob
condições concorrenciais, isto é, se todo mundo fosse livre para produzir
dinheiro, uma moeda que pudesse ser produzida a custo praticamente zero seria
produzida até uma quantidade em que a receita marginal se igualasse ao custo
marginal; e dado que o custo marginal é zero, a receita marginal — isto é, o
poder de compra deste dinheiro — também seria zero. Daí a necessidade de se monopolizar a
produção do dinheiro de papel: para restringir sua oferta e, com isso, evitar
condições hiperinflacionárias e o consequente abandono total do dinheiro em
troca de "ativos reais" — o que faria com que todo o experimento não trouxesse
vantagem alguma para você.
Uma
vez monopolizada a produção de dinheiro de papel, você terá alcançado uma
façanha que todos os alquimistas e seus patronos sempre sonharam alcançar: extrair
algo valioso (dinheiro com poder de compra) de algo praticamente sem nenhum
valor. Que façanha! É algo que não lhe custa praticamente nada
para ser fabricado, mas que você pode utilizar para adquirir coisas
genuinamente valiosas, como uma casa ou uma Mercedes. E você pode realizar essas maravilhas não
apenas para você próprio, mas também para seus amigos e conhecidos, os quais
você repentinamente descobrirá serem muito mais numerosos do que você imaginava
(dentre eles vários economistas, os quais diligentemente irão explicar ao
público por que o seu monopólio é na verdade algo fabuloso para todos.)
Quais
serão os efeitos? Primeiramente, uma
maior quantidade de dinheiro de papel não afeta de maneira alguma a quantidade
ou a qualidade de todos os outros bens não-monetários que existem na
economia. Existem tantos bens agora
quanto existiam antes da sua façanha.
Isto imediatamente refuta a noção — aparentemente abraçada pela maioria
dos economistas convencionais, se não por todos — de que "mais" dinheiro pode
de alguma forma aumentar a "riqueza social".
Acreditar nisso, como o fazem todos aqueles que propõem uma política de
crédito fácil como forma eficiente e "socialmente responsável" de acabar com os
problemas econômicos, é acreditar em mágica; é acreditar que pedras — ou
melhor, tiras de papel — podem ser transformadas em pães.
Ao
contrário, esse dinheiro adicional que você imprimiu irá afetar a economia de duas
maneiras. De um lado, os preços dos bens
e serviços serão maiores do que seriam sem essa sua mágica, e consequentemente
o poder de compra por unidade de dinheiro será menor. Em uma só palavra, o resultado será inflação. E ainda mais importante: ao passo que essa
maior quantidade de dinheiro não aumenta (ou não diminui) a quantidade total da
riqueza social que existe atualmente (a quantidade total de todos os bens na
sociedade), ela gera uma redistribuição da riqueza existente em favor de si
próprio e de seus amigos e conhecidos — isto é, daqueles que recebem esse seu
dinheiro antes de todo o resto da sociedade.
Você e seus amigos tornaram-se relativamente mais ricos (detêm agora uma
fatia maior da riqueza social total) à custa do empobrecimento de todos os
outros (os quais, consequentemente, agora têm menos).
O
problema, para você e seus amigos, em relação a este arranjo institucional não
é que ele não funciona. Ele funciona
perfeitamente, sempre em benefício seu (e de seus amigos) e sempre em detrimento
de todo o resto. Tudo o que você precisa
fazer é evitar a hiperinflação. Pois,
neste caso, as pessoas abandonariam o seu dinheiro e passariam a utilizar
ativos reais, desta forma privando você de utilizar sua varinha mágica. O problema com o seu monopólio do dinheiro de
papel, se é que há algum, é apenas o fato de que tal esquema será imediatamente
percebido por terceiros e denunciado como a grande e criminosa extorsão que ele
de fato é.
Mas
este problema também pode ser superado se, além de monopolizar a produção do
dinheiro, você também se tornar um banqueiro e entrar no ramo bancário criando
um banco central.
Dado
que você pode criar dinheiro de papel do nada, você também pode criar crédito
do nada. Com efeito, como você pode
criar crédito do nada (sem a necessidade de ter antes de poupar), você pode
oferecer empréstimos a taxas mais baixas que as oferecidas por quaisquer outras
pessoas, até mesmo a juros zero (ou até mesmo a uma taxa negativa). Com esta capacidade, não somente a sua
dependência em relação aos bancos e ao sistema bancário é eliminada, como
também você poderá tornar os bancos dependentes do seu arranjo e, por
conseguinte, poderá formar uma aliança e uma cumplicidade permanente entre
bancos e estado. Você nem mesmo precisa
se envolver no ramo da concessão de crédito.
Tal tarefa, e o risco que ela traz, pode perfeitamente ser deixada para
os bancos.
O
que você — o seu banco central — terá de fazer é simplesmente o seguinte:
você vai criar crédito do nada e vai emprestar esse dinheiro, a juros abaixo de
mercado, aos bancos. Ao invés de você
pagar juros aos bancos, agora são os bancos que irão pagar juros a você. E os bancos, por sua vez, irão emprestar seu
dinheiro recém-criado para seus amigos favoritos a juros um pouco maiores,
porém ainda abaixo dos de mercado (lucrando sobre este diferencial). Adicionalmente, para fazer com que os bancos
fiquem especialmente entusiasmados para trabalhar com você, você poderá
permitir que eles criem uma quantidade de crédito (na forma de depósitos em
conta-corrente) maior do que o total que você já havia criado para eles (sistema
bancário de reservas fracionárias).
Quais
as consequências desta política monetária?
Em grande parte, são as mesmas que as de uma política de crédito fácil e
barato: primeiro, uma política de crédito fácil também é inflacionária. Mais dinheiro é colocado em circulação, os
preços aumentam e o poder de compra do dinheiro se torna menor do que seria
caso não tivesse ocorrido tal expansão creditícia. Segundo, a expansão do crédito também não tem
efeito algum sobre a quantidade ou a qualidade de todos os bens atualmente
existentes na economia. Ela não aumenta
nem diminui a quantidade deles. Mais
dinheiro é apenas isso: mais papel. Mais
dinheiro não pode e nem vai aumentar a riqueza social. Terceiro, crédito fácil também gera uma
sistemática redistribuição de riqueza social em favor de si próprio — o banco
central — e dos bancos que participam do seu cartel. Você recebe juros sobre um dinheiro que você
criou do nada a custo praticamente zero (em vez de um dinheiro que foi
arduamente poupado). Os bancos fazem o
mesmo: cobram juros adicionais sobre o dinheiro que você emprestou para eles a
um custo negligente. Desta forma, tanto
você quanto seus amigos banqueiros adquirem uma "renda imerecida". Você e os bancos enriquecem à custa de todos
os "genuínos" poupadores (os quais recebem juros menores do que receberiam caso
não tivesse havido essa injeção de crédito barato sua e dos bancos no mercado
de crédito).
Por
outro lado, também existe uma diferença fundamental entre uma política de "imprimir
e gastar" e uma política de "imprimir e emprestar".
Pra
começar, uma política de crédito fácil altera a estrutura de produção — o que
é produzido e por quem — de uma maneira extremamente significativa.
Você,
o chefe do banco central, pode criar crédito do nada. Você não precisa primeiro poupar dinheiro
— isto é, reduzir seus próprios gastos se abstendo de comprar determinados
bens não-monetários (como toda pessoa normal tem de fazer caso ela conceda
empréstimos a alguém). Você pode apenas
ligar a impressora e, consequentemente, sobrepujar qualquer taxa de juros que
esteja sendo cobrada pelos poupadores (fornecedores de crédito) em qualquer
lugar do mercado. Conceder crédito não
exige nenhum sacrifício de sua parte (e é por isso que essa instituição é tão "legal"). Se as coisas derem certo, você receberá juros
positivos sobre o seu investimento de papel; e se elas não derem certo — bem,
na condição de produtor monopolista de dinheiro, você sempre poderá compensar suas
perdas muito mais facilmente do que qualquer outra pessoa: basta cobrir os
prejuízos imprimindo ainda mais dinheiro de papel.
Sem
custos e sem nenhum genuíno risco pessoal de prejuízos, você pode conceder
crédito de maneira essencialmente indiscriminada para qualquer pessoa e para
qualquer propósito, sem se preocupar com a capacidade creditícia do devedor ou
com a racionalidade de seu plano empreendedorial. Por causa desta sua política de crédito
"fácil", certas pessoas (em particular, bancos de investimento) que de outra
forma não seriam consideradas suficientemente dignas de crédito, e certos
projetos (em particular, de bancos e seus principais clientes) que não seriam
considerados lucrativos mas sim imprevidentes ou excessivamente arriscados,
acabam conseguindo crédito e sendo financiados.
Essencialmente,
a mesma relação ocorre entre os bancos comerciais que fazem parte do cartel
bancário. Por causa do relacionamento
especial entre você e eles, na condição de primeiros recebedores de seu crédito
barato, os bancos também podem oferecer empréstimos a outros emprestadores a
juros abaixo dos de mercado — e se as coisas derem certo, todos se dão bem; se
as coisas derem errado, eles podem contar com a sua prestimosa ajuda — na
condição de produtor monopolista de dinheiro — para socorrê-los, da mesma
maneira que você socorre a si próprio sempre que há problemas financeiros:
imprimindo dinheiro.
Correspondentemente, os bancos também serão menos discriminadores na seleção
de seus clientes e de seus planos empreendedoriais, e serão mais tendentes a
financiar pessoas "erradas" e projetos "errados".
E
há uma segunda e significativa diferença entre uma política de "imprimir e
gastar" e uma política de "imprimir e emprestar", e essa diferença explica por
que a distribuição de renda e de riqueza em favor de si próprio e de seus
amigos banqueiros, a qual é desencadeada por políticas de crédito fácil, assume
a forma específica de um ciclo econômico temporal — isto é, de uma fase
inicial de aparente prosperidade geral (na qual se espera aumentos na renda e
na riqueza futuras) seguida por uma fase de amplo empobrecimento (quando a
prosperidade do período do boom revela-se uma ampla e dispersa ilusão).
Este
ciclo econômico é a consequência lógica — e fisicamente necessária — do
crédito criado do nada, do crédito sem nenhum lastro em poupança, do crédito
fiduciário (ou seja lá como você queira rotulá-lo) e do fato de que todo
investimento demora a maturar — sendo que, somente mais tarde, em algum ponto
futuro, é que ele irá se comprovar bem sucedido ou não.
A
razão de haver ciclos econômicos é tão elementar quanto é fundamental. Robinson Crusoé pode emprestar um peixe (o
qual ele não consumiu) para Sexta-Feira.
Sexta-Feira pode converter essa poupança em uma rede de pesca (ele pode
comer o peixe enquanto constrói a rede), e então, com a ajuda da rede,
Sexta-Feira, em princípio, torna-se capaz de pagar seu empréstimo junto a
Robinson, mais juros, e ainda obter lucro na forma de um peixe adicional para
ele próprio. Porém, isso seria
fisicamente impossível caso o empréstimo de Robinson fosse apenas um pedaço de
papel, denominado em peixes, mas não lastreado por uma genuína poupança de
peixes — isto é, caso Robinson não possua nenhum peixe porque ele já consumiu
todos.
Consequentemente,
e necessariamente, Sexta-Feira irá fracassar em seu esforço
empreendedorial. É claro que, em uma
simples economia de escambo, tal trapaça se torna imediatamente aparente. Pra começar, Sexta-Feira não aceitará o
crédito de papel fornecido por Robinson (ele aceitará somente o crédito real,
uma mercadoria); e, justamente por causa disso, o ciclo econômico nem sequer
começará. Mas em uma complexa economia
monetária, o fato de o crédito ter sido criado do nada, sem lastro algum, não é
algo perceptível: cada nota de crédito se parece com todas as outras, e, por
causa disso, as notas são normalmente aceitas pelos tomadores de crédito.
Isso
não altera a fundamental realidade de que nada pode ser produzido do nada e que
investimentos empreendidos sem um financiamento real (poupança) irão
necessariamente falir; mas explica como um período de boom econômico — um
aumento no nível de investimento acompanhado de uma expectativa de maiores
renda e riqueza futuras — pode ser iniciado (Sexta-Feira aceita a nota em vez
de imediatamente recusá-la). E explica
por que demora algum tempo para que a realidade física se reafirme e revele que
todas essas expectativas eram ilusórias.
Mas
qual o problema de uma pequena crise para você?
Mesmo que o seu caminho seja permeado por repetidas crises, todas elas
criadas pelo seu regime baseado em dinheiro de papel e políticas do banco
central, do seu ponto de vista — do ponto de vista do chefe de estado e
presidente do banco central — essa forma de redistribuição de riqueza (via
políticas de "imprimir e emprestar") em favor de si próprio e de seus amigos
banqueiros, embora traga resultados menos imediatos do que aqueles conseguidos
com uma simples política de "imprimir e gastar", ainda é muito mais preferível,
pois é bem mais difícil de ser percebida e de ser reconhecida por aquilo que
realmente é. Ao invés de ser visto como
uma fraude e um parasita, você, nessa incessante busca por novas políticas de
crédito fácil, pode até mesmo fingir que está engajado na altruísta tarefa de "investir
no futuro" (e não de gastar em frivolidades) e de "curar" crises econômicas (e
não de gerá-las).
Que
mundo esse em que vivemos!