A análise de Joseph A.
Schumpeter marca claramente uma cisão com a Escola Neoclássica e com a Escola
Austríaca. Durante sua formação
acadêmica na Universidade de Viena no início do século XX, onde cursou direito,
ele participou de seminários promovidos por Eugen von Böhm-Bawerk, além de ser
contemporâneo de Ludwig von Mises. Contudo,
Walras e a sua teoria do equilíbrio geral influenciaram significativamente
Schumpeter, deixando fortes marcas neoclássicas em sua teoria.
Schumpeter
compartilhava das ideias de equilíbrio geral, porém, como o autor considerava a
realidade dinâmica — com incertezas, perdas, comportamento do empreendedor etc
—, ele formulou uma explicação teórica para a mudança do sistema walrasiano. Contudo, o problema básico continuava
inalterado: Schumpeter
acreditava no equilíbrio de longo prazo. "Para Schumpeter, o equilíbrio geral
tinha de ser a realidade prioritária: tanto o ponto de partida realista quanto
o ponto final de sua tentativa de explicar as mudanças econômicas."[1].
Alguns
autores sustentam que Schumpeter foi mais influenciado por autores da Escola
Austríaca do que por neoclássicos; porém, em seu primeiro livro[2], o autor faz uma apologia dos
métodos matemáticos e do equilíbrio geral walrasiano, retratando os eventos
econômicos como resultado de interações mecanicistas quantificada em unidades
físicas, e não como consequência da ação humana, abordagem da EA.
Schumpeter, assim como os
autores da EA, em
especial Kirzner, tem uma visão diferenciada da competição
tratada pela teoria dominante. A
competição não se dá somente por preços em um sistema atomizado, sem poder de
mercado. Porém, para Schumpeter, a
competição que importa no mercado é a competição pela inovação, pela
descoberta, seja de mercadoria, de tecnologia, de fonte de oferta ou do tipo
organizacional. Já para a Escola Austríaca, tanto a competição por preços
quanto pela inovação constituem parte do processo dinâmico e empresarial do
mercado.
Em ambos os autores, o
protagonista do mercado é o empreendedor, o qual foi excluído da análise pelos
Neoclássicos. No conceito
schumpeteriano:
[...] a
função do empreendedor é reformar ou revolucionar o sistema de produção através
do uso de uma invenção ou, de maneira mais geral, de uma nova possibilidade
tecnológica para a produção de uma nova mercadoria ou para a fabricação de uma
antiga em forma moderna, por meio da abertura de novas fontes de suprimento de
materiais, novos canais de distribuição, reorganização da indústria, e assim
por diante. (SCHUMPETER, 1961, p. 166).
Este conceito é o mesmo
utilizado por Kirzner. Percebe-se, desta
forma, a identificação da função empresarial com o processo competitivo. Porém, a função empresarial tratada pelos
autores remete a processos de mercado completamente distintos:
Em ambos os
conceitos, é o estado de alerta do empreendedor para oportunidades até então
despercebidas que lhe possibilita afastar-se da rotina; é somente sob condições
de desequilíbrio que seu papel emerge. Mas, para Schumpeter, a essência da
atividade empresarial é a capacidade de afastar-se da rotina, de destruir
estruturas existentes, de afastar o sistema do fluxo regular e circular do
equilíbrio. Para nós, por outro lado, o elemento crucial na atividade
empresarial é a capacidade de ver oportunidades inexploradas cuja existência
prévia significava que a regularidade inicial do fluxo circular era ilusória —
que, longe de estar em estado de equilíbrio, ela representava uma situação de
desequilíbrio inevitavelmente destinada a ser perturbada. (KIRZNER, 1986, p.
93).
Schumpeter considera o mercado
em um estado de equilíbrio, no qual a ação do empreendedor perturba o fluxo
circular, gerando um desequilíbrio. Esta
ação "[...] revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro,
destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos."[3]. Este é o processo de
destruição criadora que, para Schumpeter, é o problema fundamental para se compreender
o capitalismo.
Para
Schumpeter, o empreendedor é a força perturbadora e desequilibradora que tira o
mercado da sonolência do equilíbrio; para nós, o empreendedor é a força
equilibradora cuja atividade reage às tensões existentes e fornece as correções
pelas quais as oportunidades inexploradas estão clamando. (KIRZNER, 1986, p.
93).
O processo de mercado, para
Schumpeter, é iniciado pela atividade empresarial, ou seja, pela ação dos
líderes, os inovadores, pioneiros. Estes
geram lucros, desequilibrando o mercado. Esta perturbação temporária do equilíbrio leva
a sociedade a um nível mais elevado do desenvolvimento, aumentando o bem-estar
econômico. O novo equilíbrio dá-se pela
ação dos imitadores, que levam a economia ao estado de repouso. "Sua atividade, a de restaurar o fluxo circular
e regular, não é empresarial; eles [os imitadores] são os prosaicos que, uma
vez que aprenderam a imitar os líderes, caem numa nova rotina de lucro zero."[4]:
[...] na visão austríaca, o empreendedor é quem lida com as
incertezas do mundo real, e empreendedores de sucesso colhem lucros ao terem
êxito em levar recursos, custos e preços mais para perto do equilíbrio. Porém, Schumpeter começa sua teoria não no
mundo real, mas sim na terra fictícia do equilíbrio geral, o qual ele insiste
ser a realidade fundamental. Só que no
mundo do equilíbrio, no mundo da imutabilidade e da certeza, não existem
empreendedores e não existem lucros.
Neste mundo, a única função do empreendedorismo, por dedução lógica, é
inovar, perturbar um equilíbrio pré-existente.
O empreendedor não pode fazer ajustes, pois tudo já está ajustado
[...]. Sua única função prescrita,
portanto, é ser perturbador e inovador. (ROTHBARD, 1987, p. 102).
Schumpeter considerava a
atividade empresarial o motor do desenvolvimento econômico. Para Kirzner, a atividade empresarial é
importante ao possibilitar o funcionamento do mercado, sendo o desenvolvimento
econômico uma possibilidade consequente desse processo. A ação empresarial não se dá apenas pelos
inovadores.; os imitadores também participam da ação, e esta só cessa quando
todas as oportunidades de lucro são exauridas, inclusive pelos imitadores.
Outro ponto de destaque
consiste na incompatibilidade que, para Schumpeter, há entre progresso
econômico e competição perfeita:
A condição de
acesso perfeitamente livre a uma nova esfera de atividade, no entanto,
pode, na realidade, tornar impossível qualquer acesso. É dificilmente
concebível a introdução, desde o início, de novos métodos de produção e novas
mercadorias em condições de perfeita e imediata concorrência. Significa isso
também que o que chamamos de progresso econômico é incompatível com a
concorrência perfeita. (SCHUMPETER, 1961, p. 134).
Para Kirzner, a questão de
incompatibilidade entre progresso econômico e competição perfeita é uma questão
inócua. "Na medida em que uma economia
tem um potencial para o progresso [...], nenhum equilíbrio pode ser imaginado até
que esse potencial tenha sido explorado."[5].
A teoria da competição perfeita não
considera o mercado como um processo; portanto, não há como pensar esta
estrutura de mercado com a ocorrência de progresso. Se assim o fizer, ou nega-se
o equilíbrio ou assume-se que este equilíbrio é um estado de repouso qualquer,
no qual existem desajustes:
Concordamos
com o ponto de vista de Schumpeter de que as condições de concorrência perfeita
devem estar ausentes para que o progresso tecnológico ocorra. Mas, para nós,
essa verdade é, simplesmente, um caso especial (mesmo que importantíssimo) da
proposição mais geral, que afirma que a ausência de condições de concorrência
perfeita (ou, quanto a isso, qualquer conjunto de condições de
equilíbrio) é necessária para que ocorra ajuste de mercado de qualquer tipo
que seja (mesmo o mais simples ajuste de preços). (KIRZNER, 1986, p. 95).
Para Kirzner e para a EA,
Schumpeter estava equivocado na sua concepção sobre o empreendedor. Este é, em realidade, o agente coordenador
inerente ao processo de mercado, atuando com serendipidade e criatividade no
intuito de ganhar o seu benefício empresarial, o lucro. Esse movimento natural do empreendedor é, por
conseguinte, o motor natural da economia de mercado e o cerne do crescimento
econômico.
Este trabalho constitui o Apêndice C da
monografia de graduação "Metodologia
brasileira de análise de atos de concentração horizontal: a perspectiva da
Escola Austríaca vs. o mainstream".
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS
HUERTA DE SOTO, J. Socialismo, cálculo
econômico y función empresarial. 4 ed. Madrid: Unión Editorial, S.A., 2010.
KIRZNER, I. Competição
e atividade empresarial. Tradução de Ana Maria Sarda. Rio de Janeiro:
Instituto Liberal, 1986.
ROTHBARD, M. N. Man, Economy, and State with Power and Market. 2. ed. Auburn: Ludwig von Mises Institute, Scholar's Edition, 2009
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e
Democracia. Editado por George Allen e Unwin Ltd..
Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura S.A., 1961.
[1] ROTHBARD, 1987, p. 97.
[2] "Wesen und
der Hauptinhalt der Theoretischen Nationalekonomie" de 1908, com tradução livre
para o português de "A essência e conteúdo principal da Teoria
Econômica".
[3]
SCHUMPETER, 1961, p. 110.
[4]
KIRZNER, 1986, p. 93.
[5]
KIRZNER, 1986, p. 95.