Outro
dia, no balcão da padaria, paguei pelos pães que havia comprado. A moça que estava no caixa pegou meu dinheiro
e me entregou os pães dentro da sacola.
"Obrigado",
eu disse.
"De
nada", ela respondeu.
Saí
do estabelecimento com a sensação de que havia algo de errado. É comum as pessoas do caixa apenas dizerem
"de nada"? Não, não é. Normalmente elas
também dizem "Obrigado!", assim como o cliente.
E
eu fiquei com aquela sensação incompleta de: "Ei, eu fiz algo por você também."
Em
que ocasião dizemos "de nada"? Dizemos
isso quando fazemos algo (ofertamos um bem ou um serviço) para uma pessoa sem
receber nada em
troca. Por exemplo, eu
posso abrir e segurar a porta para uma pessoa.
Ela irá dizer "obrigado" e eu direi "de nada". Outra ocasião pode ser em uma festa de
aniversário quando o aniversariante recebe seu presente e expressa seu
agradecimento.
Estes
são exemplos de benfeitorias unilaterais.
Estamos fazendo ou ofertando algo, mas não necessariamente esperamos
receber nada de tangível em
troca. Logo, o que
torna o exemplo da troca comercial diferente de todos os outros? Por que ambos os lados da transação dizem
"obrigado"? É porque cada um dos lados
dá um presente para o outro.
Quando
comprei estes pães, isto foi exatamente o que ocorreu. Eu vi os pães disponíveis e decidi que eles
valiam mais para mim do que os $2 que tinha no bolso. Já do ponto de vista da loja, os $2 valiam
mais para eles do que os pães que estavam à venda. Ambos os lados saíram da transação com a
sensação de estarem melhor do que antes da ocorrência da troca.
A
pessoa do caixa está lá para facilitar esta troca e para servir de representante
dos interesses da loja. A loja estava
recebendo um presente na forma de dinheiro (mais apreciado do que os pães) e eu
estava recebendo os pães (mais apreciados do meu ponto de vista do que os $2
dos quais abdiquei em troca deles).
Esta
é a essência das trocas comerciais e o cerne da magia que ocorre milhões,
bilhões, trilhões de vezes todos os dias ao redor do mundo. Ela ocorre em toda e qualquer transação
econômica voluntária que é empreendida em virtude da escolha humana. Ambos os lados se beneficiam.
Cada
lado é um benfeitor do outro lado. Este
sistema de benfeitoria mútua, incessante e universal, leva à melhoria de todos
ao redor. Ele aumenta a sensação de
bem-estar individual, que é o mesmo que dizer que ele eleva o bem-estar social
quando todo o mundo está envolvido na atividade.
Apenas
para constar, é claro que um indivíduo pode mudar de ideia mais tarde. Eu posso chegar à minha casa com meus pães e
descobrir que estou sem manteiga e que, portanto, eu estaria melhor se houvesse
comprado menos pães e utilizado o resto do dinheiro para comprar manteiga. Ou eu posso repentinamente decidir abolir
todo o pão da minha dieta. Posso também
concluir que pães não são realmente algo saboroso. Todas estas coisas podem acontecer. Eis a natureza do universo: o futuro é
incerto e os seres humanos são volúveis.
Porém, ao menos no momento da troca, minha crença era a de que eu havia
melhorado minha situação, caso contrário eu sequer teria empreendido a
transação. Saí da padaria com a sensação
de ganho. Os proprietários da padaria
também tiveram a mesma sensação. Ambos
esperávamos ganhar com a transação, o que já é o bastante para se recomendar o
sistema de trocas, uma vez que nenhum sistema social pode garantir um final
feliz para toda ação.
Agora,
se tudo isso parece muito óbvio e até mesmo indigno de ser comentado, considere
que a maioria dos filósofos, durante toda a história do mundo, não conseguiu captar
este ponto. Aristóteles, por exemplo,
fez longas reflexões em sua obra Ética a Nicômaco
a respeito da questão das trocas econômicas, mas partiu da pressuposição de que
as trocas só ocorrem quando a valorização dos bens é igual ou mensurável. Mas o que dizer para os casos em que ela
parece obviamente incomensurável, como quando serviços médicos altamente
valiosos e raros são pagos com algo amplamente disponível, como milho? Aristóteles acreditava que a existência do
dinheiro servia para, de alguma forma, equalizar a troca e permitir que ela
ocorresse, quando na realidade já deveria estar claro que o dinheiro em si é apenas
um bem criado para tornar a troca mais fácil e conveniente.
O
problema enfrentado por ele foi a sua premissa inicial, segundo a qual as
trocas econômicas baseiam-se na igual valoração dos itens envolvidos na
troca. Mas tal raciocínio está simplesmente
errado. Se duas pessoas valoram dois
bens de maneira idêntica, então uma troca jamais ocorreria, dado que nenhum
indivíduo poderia melhorar sua situação após a troca. Se uma troca comercial fosse baseada na igual
valoração dos bens envolvidos, as pessoas estariam simplesmente perdendo seu
tempo caso empreendessem tal transação.
As trocas no mundo real são baseadas em valorações desiguais dos bens, e também na expectativa de que se estará melhor
após a troca. Tudo se resume a duas
pessoas, movidas pelo interesse próprio, trocando dois bens entre si na
expectativa de que, após adquirirem o bem almejado, estarão em melhor situação.
A
descoberta desta correta teoria das trocas só viria a ocorrer no período final
da Idade Média, quando os seguidores de Santo Tomás de Aquino constataram a
lógica pela primeira vez. Eles viram que
uma transação econômica voluntária era mutuamente benéfica, com cada lado da troca
vivenciando um aumento de seu bem-estar pessoal, percebido de maneira subjetiva. Logo, uma ação de troca, por si só, se torna
um meio de se aumentar o bem-estar de todas as pessoas. Mesmo que não haja nenhuma nova propriedade
física disponível, nenhuma nova invenção, nenhuma nova produtividade, a riqueza
pode ser elevada pela simples existência de associações humanas baseadas na
troca.
Assim
como ocorre com vários postulados econômicos, este também parece ser muito
óbvio assim que você o constata; porém, ele evidentemente não é nada
óbvio. Com efeito, já percebi que o fato
de várias pessoas não apreciarem como deveriam o livre mercado decorre da
arraigada ideia de que o ato de comprar e vender coisas não possui
absolutamente nada de fantástico. Para
elas, tal ato equivale a um redemoinho de fumaça e fogo, que não gera
absolutamente nada de positivo. Logo, a
sociedade poderia perfeitamente abolir tal prática e não piorar em nada sua
situação em decorrência disso.
É
extremamente difícil tentar entender o que há na cabeça de pessoas que pensam
assim. Imagine que eu proponha abolir
toda a prática de dar presentes às pessoas.
Não seria óbvio que a sociedade pioraria caso minha proposta fosse
implantada? Não mais vivenciaríamos
nenhuma manifestação material de apreço vinda de terceiros, e não mais teríamos
a chance de mostrar a terceiros nosso apreço por eles.
Se
é verdade, como argumentei, que uma troca econômica equivale a um ato benéfico
bilateral, que é um exemplo de benfeitoria mútua difundido por toda a
sociedade, então se torna claro que a sociedade iria soçobrar completamente
caso não mais houvesse o máximo possível de oportunidades para a ocorrência de transações
econômicas. Qualquer um que defenda o
bem-estar da sociedade deveria celebrar de maneira especial os centros
comerciais, as bolsas de valores, o comércio internacional, e todo e qualquer
setor no qual o dinheiro muda de mãos em troca de ativos ou bens. Tal ato significa apenas que as pessoas estão
descobrindo maneiras de ajudar umas às outras a sobreviver e a prosperar.
Como
escreveu o teólogo espanhol do século XVI Bartolomé de Albornoz, conhecido principalmente por sua oposição
à escravidão,
O ato de comprar e vender é o nervo da vida humana que
sustenta o universo. Em decorrência
deste ato, o mundo se torna unificado, as distâncias entre terras e nações
são enormemente encurtadas e pessoas de diferentes idiomas,
leis, culturas e modo de vida são aproximadas. Não fossem estes contratos, alguns povos
sofreriam escassez de bens que outros povos possuem em abundância, e não
poderiam também compartilhar os bens que possuem em excesso com aqueles países
que sofrem de sua escassez.
No
entanto, se não formos capazes de ver a lógica por trás de todo ato de troca e entender
como ele atua para ajudar a todos, torna-se fácil não valorizar o que o mercado
e o comércio significam para a sociedade.
Isto, aliás, é uma constante nos círculos que discutem questões de
'justiça social'. Raramente se dá ao
mercado o crédito que ele merece por ajudar a humanidade a melhorar sua
situação econômica. Com efeito, o
mercado nada mais é do que a interação voluntária da humanidade com o intuito
de aprimorar o bem-estar público.
A
falácia da equivalência de valores em uma troca comercial foi refutada há uns
500 anos, e ainda assim continua reaparecendo.
A economia é uma daquelas ciências que requer um pensamento profundo e
cuidadoso. Ela não pode ser rapidamente
intuída tendo como base apenas alguns postulados morais. Ela deve ser estudada e compreendida por meio
de ferramentas dedutivas e de uma paciente e ponderada delineação de uma ampla
gama de conceitos. É por isso que a
economia como ciência demorou tanto para se desenvolver. Mas não é tarde demais para que nós possamos
entendê-la.
O
entendimento da economia leva inevitavelmente a um apreço pela contribuição que
o livre mercado traz para o bem-estar de todos.
Se você ler algo que parece desmerecer, menosprezar ou desacreditar a
economia de mercado, é mais do que certo que há na raiz deste pensamento uma
falácia como a apresentada acima.
Em
algum momento do dia de hoje, você certamente irá incorrer em alguma
transação
econômica. Utilize esta oportunidade
para refletir sobre a gloriosa dinâmica subjacente a este ato. Você
pode dizer "obrigado" ao receber o bem adquirido. A pessoa que irá receber seu dinheiro muito
provavelmente também irá dizer "obrigado". Tais
momentos explicam boa parte da paz e de prosperidade que desfrutamos
deste lado
do paraíso.