segunda-feira, 2 jul 2012
Por
pura sorte, na semana passada, em uma viagem aérea, calhei de sentar-me ao lado
de um homem que havia sido meu benfeitor durante toda a minha vida e durante
boa parte da vida dele; e, no entanto, jamais havíamos nos conhecido. Com efeito, embora ele já venha me servindo
cordial e lealmente há três décadas, cuidando do meu bem-estar e sempre
tentando aprimorar meu padrão de vida, ele nem sequer sabia meu nome. Na realidade, ele ainda não sabe, pois é um
tanto quanto excêntrico tornar-se muito intimo de alguém que se senta ao seu
lado em um avião. Todos sabemos
disso. Ainda assim, fiz questão de
deixá-lo saber de toda a minha gratidão por tudo o que ele já fez.
Este
homem trabalha para uma das seis fábricas dos EUA que produzem polipropileno
orientado para uso em embalagens, e sua função é vender o produto. Esta substância, o polipropileno orientado, é
chamada de PPO. A função deste homem é
ir atrás de empresas que fabricam coisas como bebidas, doces e outros produtos
e explicar a elas as vantagens do PPO — sobre as quais falarei mais abaixo.
Este
homem está sempre viajando e possui uma pilha de cartões de benefícios aéreos para comprovar isso. Ele é como o
personagem de George Clooney no filme Amor Sem Escalas — um viajante
experiente casado com sua profissão. Seu
trabalho é ser os olhos e os ouvidos da empresa, pois é ele quem lida
diretamente com os compradores de seus produtos. Sua vida é vivida exclusivamente para lidar
com as transações entre empresas, as quais são invisíveis para o público
consumidor.
Seu
vocabulário é específico para o setor industrial, repleto de neologismos que
ninguém de fora do mundo das embalagens consegue entender. Ele é capaz de dizer quais as propriedades
químicas de qualquer embalagem que esteja a um metro e meio de distância. Ele é capaz de explicar por que uma embalagem
é fácil de abrir quando rasgada em uma direção mas extremamente difícil quando
rasgada em outra direção. Ele conhece a
história, o processo, a concorrência e o nome de todas as empresas que compram
embalagens em larga escala, e ele adora falar sobre isso.
Qual
é sua função? Ele é o sujeito que faz
com que as invenções se tornem parte de nossas vidas. Sem uma pessoa na linha de frente para vender
o produto inventado, tudo o que fosse inventado e produzido seria inútil. Ele é a interface entre a matéria-prima e o
produto final, o homem que tem de ter todas as respostas capazes de unir a
grande cadeia produtiva, fazendo com que o primeiro estágio de produção possa
se conectar ao estágio final.
Quanto
ao seu produto, você e eu conhecemos o PPO muito bem, embora provavelmente nem
soubéssemos como ele era chamado. O PPO é
o produto utilizado para fazer aquelas embalagens de batatas "chips". Ele é a razão por que o conteúdo destas
embalagens permanece crocante não importa qual seja a temperatura externa. Você pode mergulhar a embalagem na água e
absolutamente nada será alterado. O ar
pode estar quente ou frio, e ainda assim o conteúdo dentro da embalagem
permanecerá inalterado. Este mesmo
material é utilizado para embrulhar doces como o Snickers e o Kit Kat, e o
efeito é o mesmo.
O
PPO é também o motivo de estas embalagens conseguirem ser tão bonitas e
chamativas. O PPO se dá muito bem
tipografias e estampagens. Ele é um molde
perfeito para designers gráficos. O
resultado jamais se desmancha em seus dedos, jamais gera borrões. Tampouco as imagens somem com a luz do sol. Estas embalagens aceitam até mesmo as mais
sutis gradações de cores. Você pode
estampar uma obra de Michelangelo em
um PPO e exibi-la em um museu por milênios.
Acontece
que batatas fritadas em óleo são extremamente vulneráveis e se tornam rançosas
com muita facilidade. Talvez você tenha
pensado que eram os conservantes (glórias também a esta invenção!) que impediam
isso. Isso é parte da resposta, mas não
é toda a resposta. O real motivo é o
PPO. É ele quem impede o processo
degenerativo. Outros itens fritos, como torresmos,
não sofrem deste problema, e é por isso que frequentemente os vemos serem
vendidos em sacos plásticos transparentes.
Já o PPO não é transparente, e isso é bom. O produto que está ali dentro não gosta de
luz. O PPO impede completamente a
entrada de luz.
O
PPO possui outras características interessantes. Ele possui uma baixa capacidade de
'deformidade', e é por isso que, quando você dobra ou amassa uma destas
embalagens, ela rapidamente retorna ao seu formato original. Isso é para proteger o conteúdo que está lá
dentro. É por isso que, nos anos 1960,
as batatas chips vinham totalmente amassadas e quebradas, ao passo que hoje
elas vêm praticamente intactas e perfeitas.
Você pensava que era porque as embalagens vinham preenchidas com
ar? Então pergunte a si mesmo por que o
ar não escapa. A resposta, de novo:
PPO. Ele veda perfeitamente. Essa coisa é impenetrável.
E
veja só: este é um produto feito à base de petróleo. É isso mesmo, é feito de um material derivado
do petróleo. Sendo assim, o preço deste
bem flutua de acordo com o preço do petróleo.
Quando o preço do petróleo sobe, suas batatas chips se tornam mais caras
em decorrência principalmente das embalagens.
É por isso também que a indústria de PPO defende firmemente a ideia de
se liberalizar as regulamentações sobre a prospecção e o refino de
petróleo. Meu benfeitor é extremamente
interessado neste assunto.
Agora,
tudo isso é muito legal e interessante.
Mas vamos ao que interessa. Por
que estou fazendo todo esse estardalhaço?
Por que o PPO foi inventado, por que ele é comercializado e por que ele
é utilizado abundantemente ao redor do mundo?
Por que este homem passa sua vida viajando e está sempre se informando a
respeito de todas as notícias do mundo industrial? Qual o objetivo de tudo isso?
Um
só motivo: o meu bem-estar. O seu
também. É para nos agradar e tornar
nossas vidas muito mais aproveitáveis. É
para o consumidor que o produtor produz, e é para o consumidor que todos, em
todos os estágios da produção, se esforçam para produzir produtos cada vez
melhores. Tudo se resume àquela
embalagem utilizada para empacotar e conservar vários alimentos, desde batatas
chips até sanduíches de presunto, tomate e vegetais. É por isso que milhões de pessoas que trabalham
na indústria de PPO ao redor do mundo têm de estar sempre seguindo as demandas
do mercado. É por isso que batatas são
cultivadas, cortadas, fritadas, empacotadas e transportadas para milhões e
milhões de destinos.
A
grande injustiça de tudo isso é que estas pessoas não recebem nenhum crédito
pelo que fazem. Em nenhuma embalagem
você verá escrito: esta embalagem foi feita pela fábrica de PPO do João. Essas pessoas são benfeitoras anônimas da
sociedade. Dificilmente alguém já parou
para pensar nelas. No entanto, se você
comprasse um pacote repleto de batatas esmigalhadas e rançosas, você certamente
notaria a diferença. Você se irritaria
enormemente com a loja que lhe vendeu o produto, com a empresa que o produziu,
e talvez até mesmo com o sistema econômico que permite que pessoas lucrem com a
venda de coisas ruins. São os produtores
privados de PPO que impedem que isso aconteça, milhões e milhões de vezes por
dia.
Você
e eu estamos no controle deste mercado e nem sequer sabíamos disso. Os produtores destas embalagens estão nos
servindo diariamente, de maneira servil, e nem sequer sabemos disso ou nos
importamos. E, de alguma forma, tudo
isso acontece sem nenhum planejador central, sem decretos governamentais, sem fábricas
estatais e sem burocratas no topo da cadeia produtiva dirigindo o processo do
início ao fim. Para se criar este
complexo e brilhante sistema é necessário apenas que tenhamos um só desejo: uma
boa batata chips. O resto acontece por
conta própria — um sistema autogerenciável que responde aos mais ínfimos
sinais.
Portanto,
eu gostaria de enviar uma mensagem para meu benfeitor que dedicou toda a sua
vida a explicar aos produtores de alimentos os méritos do PPO. Minha mensagem é 'muito obrigado'. Ouso crer que devo ter sido o primeiro
consumidor a dizer isso, mas, em meu mundo ideal, bilhões de pessoas ao redor do
mundo estariam dizendo obrigado a você e a todos como você. Vocês são todos servos de uma nobre causa:
tornar o mundo um lugar melhor para se viver.