segunda-feira, 30 jul 2012
Um
mito altamente destrutivo passou a dominar a noção de capitalismo
laissez-faire: trata-se da falsa noção de que o livre mercado prejudica os
"vulneráveis" dentro da sociedade; mais especificamente, diz-se que afeta
mulheres e crianças ao cruelmente explorar sua mão-de-obra. Mas a verdade é exatamente oposta. O capitalismo laissez-faire oferece
exatamente aquele elemento de que os vulneráveis mais necessitam para
sobreviver e prosperar: a liberdade de escolha.
A escolha mais libertadora que um indivíduo pode ter é a capacidade de
se sustentar a si próprio, sem ter de depender de ninguém mais para que a
comida chegue à sua boca.
Utilizando
este mito como pressuposição inicial, os historiadores sempre se mostraram
extremamente hostis ao analisarem um dos mais libertadores fenômenos da
história ocidental: a Revolução Industrial.
Do século XVIII ao século XIX, o mundo avançou acentuadamente em termos
de tecnologia, indústria, transporte, comércio e inovações que mudaram o padrão
de vida, como roupas de algodão feitas a baixo custo. Em um período de dois séculos, estima-se que
a renda mundial per capita tenha aumentado dez vezes, e a população mundial,
seis vezes. O economista prêmio Nobel Robert
Lucas declarou
que "Pela primeira vez na história, o padrão de vida das massas formadas por
cidadãos comuns começou a apresentar um crescimento contínuo e constante....
Nada remotamente parecido com este fenômeno econômico havia acontecido até
então." O acentuado avanço da
prosperidade e do conhecimento havia sido alcançado sem nenhuma engenharia
social e sem nenhum controle centralizado.
Tudo foi possível em decorrência de se ter permitido que a criatividade
humana e o interesse próprio se manifestassem livremente.
Certamente
ocorreram abusos. Alguns podem ser imputados
às tentativas governamentais de se aproveitar da energia e dos lucros daquele
período. Outros abusos ocorreram simplesmente
porque toda sociedade possui pessoas desumanas amorais que agem de má fé,
especialmente quando querem lucro fácil; isto, obviamente, não é uma crítica à
Revolução Industrial mas sim à natureza humana.
Adicionalmente, os avanços econômicos sobrepujaram amplamente as
mudanças nas atitudes culturalmente vitorianas; no século XVIII, mulheres e
crianças eram vistas como cidadãos de segunda classe e, algumas vezes, como
bens e posses que podiam ser livremente trocados. A revolução econômica foi o motor que impeliu
a cultura e as leis a sofrerem mudanças similarmente drásticas. Quando as mulheres deixaram os campos em
busca de emprego e educação, elas se tornaram uma força social que não mais
podia ser negada. Consequentemente, os
direitos das mulheres avançaram extraordinariamente durante o final do século
XIX, algo que não teria ocorrido não fosse a Revolução Industrial.
Infelizmente,
esta ligação salutar entre capitalismo laissez-faire e direitos das mulheres se
perdeu ao longo do tempo. Durante a
segunda metade do século XX, as feministas ortodoxas começaram uma cruzada para
reverter esta força que havia contribuído tão acentuadamente para o progresso
nos direitos das mulheres; em vez de defenderem a liberdade de mercado, elas
exigiram, em nome da "igualdade", que vários privilégios para as mulheres se
tornassem leis. O livre mercado e o
laissez-faire foram demonizados como ferramentas opressoras que tinham de ser
combatidas por meio de ações afirmativas, leis contra assédio sexual, ações
judiciais contra qualquer tipo de discriminação, sistemas de quotas e uma
miríade de outras regulações sobre o mercado de trabalho.
Durante
este processo, a Revolução Industrial passou a ser retratada como o Grande Satã
que destruiu o bem-estar de mulheres e crianças. Esta descrição da Revolução Industrial, além
de ser um tolo preconceito ideológico, se baseou fortemente na deturpação dos
fatos.
Deturpando fatos sobre as crianças
Sempre
que os termos "crianças" e "Revolução Industrial" são citados na mesma frase,
imagens horrendas imediatamente vêm à mente: uma criança de cinco anos sendo
baixada, por meio de uma corda, em uma mina de carvão; crianças esqueléticas
trabalhando precariamente em fábricas têxteis; o Oliver Twist, de Charles
Dickens, oferecendo uma jarra de madeira em troca de uma colher de mingau. Estas imagens são utilizadas para condenar o
livre mercado e a Revolução Industrial; algumas vezes elas são utilizadas para
glorificar políticos "humanitários" que criam leis proibindo qualquer tipo de
trabalho infantil. Tais imagens são
extremamente eficazes em incitar um compreensível horror naquelas pessoas
decentes que condenam qualquer exploração de qualquer criança. O problema é que este procedimento sofre de
graves distorções.
Uma
das distorções: ela ignora uma distinção essencial. No início do século XIX, a Grã-Bretanha
apresentava duas formas de trabalho infantil: crianças livres e crianças
"pobres" ou dos reformatórios, que eram entregues aos cuidados do governo. Os historiadores J.L. e Barbara Hammond, cuja obra sobre
a Revolução Industrial Britânica e o trabalho infantil é considerada
definitiva, reconheceram esta distinção.
O economista Lawrence Reed, em seu ensaio "Child
Labor and the British Industrial Revolution", foi ainda mais
adiante e enfatizou a importância desta distinção. Escreveu ele: "Crianças livres moravam com
seus pais ou guardiões e trabalhavam durante o dia em troca de salários
propícios para aqueles adultos. Mas os
pais frequentemente se recusavam a enviar seus filhos para situações de
trabalho excepcionalmente severas ou perigosas". Observa Reed: "Os proprietários das fábricas
não podiam subjugar violentamente as crianças livres; eles não podiam
obrigá-las a trabalhar em condições que seus pais julgassem inaceitáveis".
Em
contraste, as crianças dos reformatórios estavam sob a autoridade direta de
funcionários do governo. Reformatórios
já existiam há séculos, mas a empatia pelos oprimidos já havia sido arrefecida
pelo fato de que os impostos criados exclusivamente para aliviar a situação dos
pobres já estavam, em 1832, cinco vezes mais altos do em 1760, quando foram
criados. (O livro de Gertrude
Himmelfarb, The
Idea of Poverty, faz uma narração cronológica desta mudança de atitude em
relação aos pobres, da compaixão à condenação).
Em
1832, em parte a pedido de industriais ávidos por mão-de-obra, a Comissão Real
Para a Lei dos Pobres começou uma pesquisa sobre o "funcionamento prático das
leis para o alívio da pobreza". Seu
relatório dividiu os pobres em duas categorias básicas: pobres preguiçosos que
recebiam ajuda do governo, e pobres trabalhadores que se sustentavam a si
próprios. O resultado foi a Lei dos Pobres de 1834, em
nome da qual o estadista Benjamin Disraeli fez anúncios dizendo que "a pobreza
é um crime".
A
Lei dos Pobres substituiu a ajuda externa (subsídios e esmolas) por "abrigos
para pobres", nos quais as crianças pobres ficavam virtualmente
aprisionadas. Lá, as condições eram
propositalmente severas, justamente para desincentivar as pessoas a irem buscar
auxílio. Praticamente todas as
comunidades da Grã-Bretanha apresentavam um "grande estoque" de crianças
abandonadas em reformatórios, as quais passaram a ser virtualmente compradas e
vendidas para as fábricas; estas sim vivenciaram os maiores horrores do
trabalho infantil.
Considere
a desprezível função de "carniceiro" nas fábricas têxteis. Tipicamente, "carniceiros" eram crianças
novas — de aproximadamente 6 anos de idade — que recuperavam de sob as
máquinas algodão que havia se desprendido durante os processos de produção. Como as máquinas estavam em funcionamento,
este trabalho era extremamente perigoso e, como consequência, terríveis
ferimentos eram totalmente comuns.
"Felizmente" para aqueles donos de fábricas dispostos a usar o aparato
do estado em benefício próprio, o governo não tinha problema algum em enviar as
crianças dos reformatórios para trabalhar embaixo de máquinas funcionando. A maioria das crianças das comunidades tinha como
alternativa a este trabalho morrer de fome ou viver na criminalidade.
Não
é nenhuma coincidência que o primeiro romance sobre a Revolução Industrial
publicado na Grã-Bretanha tenha sido Michael
Armstrong: Factory Boy. Michael era um
aprendiz de uma agência para crianças pobres que foi mandado para as fábricas. Também não é coincidência que Oliver Twist
não era abusado por seus pais ou por agentes privados, mas sim por brutais
funcionários públicos dos reformatórios, em comparação aos quais o antagonista
Fagin era praticamente um humanitário.
Lembre-se de que, aos 12 anos de idades, com sua família na prisão,
Dickens havia sido ele próprio uma criança pobre que trabalhava em uma
fábrica. O economista Lawrence Reed
observa que "a primeira lei na Grã-Bretanha voltada para crianças de fábricas
foi criada para proteger justamente estas crianças de reformatórios, e não as
crianças 'livres'". A lei mencionava
isso de maneira explícita.
Logo,
ao defender a regulamentação da mão-de-obra infantil, os reformistas sociais pediram
ao governo para remediar abusos pelos quais o próprio governo era o
responsável. Mais uma vez, o governo era
a doença que se fingia de cura.
Ideologia equivocada em relação às mulheres
A
distorcida apresentação dos fatos no que diz respeito ao trabalho infantil e à
Revolução Industrial só encontra paralelos na distorcida ideologia pela qual se
analisa o status da mulher. É
perfeitamente possível argumentar que as mulheres foram as principais
beneficiárias econômicas da Revolução Industrial. Isto se deveu majoritariamente à sua baixa
condição econômica no período anterior à Revolução. Elas simplesmente tinham mais a ganhar do que
os homens.
Quando
as mulheres tiveram a oportunidade de abandonar a vida rural em busca dos
salários das fábricas e de trabalho doméstico, elas invadiram as cidades em
quantias sem precedentes. Para a nossa
vida moderna, as condições de vida e de trabalho eram obviamente terríveis, com
várias mulheres recorrendo à prostituição como ocupação secundária, tudo para
manter um teto sob suas cabeças. No
entanto, por mais terríveis que as condições possam ter sido, um fato
fundamental não pode ser ignorado: as próprias mulheres acreditavam que ir para
as cidades era algo vantajoso — caso contrário, elas jamais teriam feito a
jornada ou simplesmente retornariam à vida rural desencantadas. Dizer que o trabalho industrial "prejudicou"
as mulheres dos séculos XVIII e XIX é ignorar a preferência que elas próprias
demonstraram e expressaram; é ignorar a voz de suas escolhas. Claramente, as mulheres da época acreditavam
que tal situação era um aprimoramento de suas atuais condições.
Uma
fatia substancial do historicismo feminista nada mais é do que uma tentativa de
ignorar as vozes de mulheres que de fato fizeram suas escolhas à época. Um método comum de se fazer isso é
reinterpretar a realidade que cercava as escolhas e, então, impor esta
reinterpretação de modo a fazer com que as "escolhas" não mais aparentem ter
sido voluntárias, mas sim coagidas.[1]
Uma
obra essencial para se compreender a análise histórica da Revolução Industrial
feita à luz do feminismo é a imensamente influente The
Origin of the Family, Private Property and the State, de
Friedrich Engels, lançada em 1884.
Engels argumenta que a opressão à mulher originou-se com o formato
tradicional da família, mas ele próprio desdenha a noção de que a família por
si só havia subordinado as mulheres ao longo da história. Em vez disso, ele firmemente coloca toda a
culpa no capitalismo, o qual ele acreditava ter destruído o prestígio que as
mulheres outrora usufruíam dentro da família.
Escreveu
Engels,
Que a mulher era escrava do homem nos primórdios da
sociedade é uma das idéias mais absurdas transmitidas pela filosofia do século XVIII.... As mulheres não apenas eram livres como
também usufruíam uma posição altamente respeitada nos estágios iniciais da
civilização, e representavam o grande poder entre as tribos.
Portanto,
as épocas anteriores à Revolução Industrial foram romantizadas como sendo um
período em que as mulheres tinham grandes poderes. Engels alegava que a industrialização
provocou uma separação entre o trabalho doméstico e o trabalho produtivo,
separação esta que fez com que a injustiça que era o formato da família tradicional
se ampliasse. Sendo assim, o trabalho
feminino se tornou um aspecto importante, porém subordinado ao uso maciço do
trabalho masculino para alimentar a máquina capitalista. Presumivelmente, os inegáveis avanços gerados
pela Revolução Industrial para as mulheres — incluindo-se um aumento na
expectativa de vida e vários direitos políticos — foram adquiridos a um custo
extremamente elevado.
A
análise de Engels, no entanto, apresentava um problema para as feministas. Ele pressupôs que os homens não tinham nada a
ganhar ao exercer poder sobre as mulheres, pois Engels analisava os seres
humanos em termos de suas afiliações de classes
— isto é, sua relação com os meios de produção. Feministas queriam uma abordagem que
incluísse tanto uma opressão de sexos
quanto uma opressão de classes. Para explicar por que as mulheres (ao
contrário dos homens) possuem interesses que estão em conflito com o
capitalismo, as feministas tiveram de ir além de Engels em suas análises. Elas desenvolveram uma 'teoria do patriarcado'
— do capitalismo masculino —,
segundo a qual as mulheres eram oprimidas pela cultura masculina por meio dos
mecanismos criados pelo capitalismo laissez-faire. Tal teoria está em nítido contraste com as
análises anteriores que diziam que as oportunidades geradas pelo livre mercado
eram o remédio social para as mulheres culturalmente oprimidas pelo preconceito
ou pelo privilégio masculino.
Em
termos mais explícitos, como funciona este remédio? Um empregador quer maximizar seus lucros
sobre cada $ gasto. Isto cria um forte
incentivo para que ele leve em conta apenas o mérito de um empregado,
desconsiderando por completo sua cor, etnia, religião ou sexo. Tudo o que importa é a produtividade do
empregado. Uma mulher capacitada, que
aceitar trabalhar por, digamos, um salário $100 menor que o de um homem
similarmente capacitado, irá conseguir o emprego. Se ela não conseguir, então aquele
concorrente isento de preconceitos, que possui um estabelecimento logo ali na
esquina, irá contratá-la, e o empregador preconceituoso irá perder sua vantagem
competitiva. Quando esta dinâmica
ocorrer em escala maciça, as mulheres trabalhadoras serão crescentemente
capazes de exigir salários continuamente maiores, reduzindo esta diferença de
$100. Este fator "equalizador" não se
manifesta de imediato, e não ocorre perfeitamente. Porém, com o tempo, movidos pelo interesse
próprio, os empregadores tenderão a se tornar indiferentes a raça e gênero,
pois é do interesse deles. Eles farão
isso em busca do lucro, e todos se beneficiarão.
Feministas
que se opõem a este processo de equalização não estão defendendo a igualdade
por si só; elas estão defendendo uma igualdade que existe somente de acordo com
os termos que elas consideram "justos" e "corretos". Suas objeções à Revolução Industrial não são
empíricas, mas ideológicas. Assim como
elas não gostam das vozes das mulheres dos séculos XVIII e XIX que correram
para as fábricas, elas também rejeitam tudo que livre mercado está dizendo
sobre seu desejo de igualdade.
Conclusão
Não
importa se a "difamação" se deve a uma distorção dos fatos ou à imposição de
uma ideologia; o fato é que a Revolução Industrial deveria processar a história
por calúnia. Ou, mais especificamente,
deveria processar a maioria dos historiadores.
Jocosidades
à parte, e sem desconsiderar as injustiças que inevitavelmente ocorrem durante
qualquer período, a Revolução Industrial estabeleceu a liberdade com a qual as
pessoas se tornaram tão acostumadas, que até passaram a tratar a liberdade com
desrespeito. Talvez o redentor da
reputação da Revolução Industrial venha a ser a inegável prosperidade que ela
criou. Atualmente, a prosperidade parece
ser algo mais respeitado do que a liberdade, muito embora ambas sejam
inextricavelmente relacionadas.
Leia
também:
Fatos e mitos sobre a
"Revolução Industrial"
Capitalismo
Individualismo, marxismo e
a Revolução Industrial
Sobre a diferença salarial
entre homens e mulheres
[1] Dizer
que as escolhas foram "coagidas" não é o mesmo que dizer que as mulheres dos
séculos XVIII e XIX tinham escolhas severamente limitadas e podiam apenas
escolher a melhor opção entre várias ruins.
Significa dizer que o trabalho industrial representava um retrocesso,
uma coerção pior do que a vida rural.