quinta-feira, 13 ago 2020
Como
seria possível você combinar sua vida profissional com a defesa e a promoção da
liberdade?
É
claro que seria demasiado presunçoso oferecer uma resposta definitiva a essa pergunta,
uma vez que todos os empregos e carreiras na economia de mercado estão sujeitos
às forças da divisão do trabalho.
Mas só
porque uma pessoa se concentra em uma determinada tarefa não significa que ela
não seja boa em várias outras atividades; significa apenas que os ganhos mais
produtivos para todos são gerados ao se dividir as tarefas entre várias pessoas
de variados talentos.
O
mesmo ocorre com o movimento em prol da liberdade.
Quanto maior for o número de pessoas
interessadas em promover a liberdade, melhores serão os resultados caso haja
especialização, caso todos cooperem por meio das trocas. Quanto maior a divisão do trabalho, maior
será o impacto alcançado.
Não há como saber antecipadamente o que será melhor para cada pessoa específica fazer; há vários caminhos formidáveis a serem seguidos (os quais discutirei mais abaixo).
O que não fazer
Mas há algo que podemos saber
com certeza: a resposta mais comum — entrar no governo e tentar modificá-lo —
é a mais errada.
Várias mentes
brilhantes já foram corrompidas e arruinadas ao decidirem seguir este caminho
fatídico.
É
bastante comum vermos um movimento ideológico fazer grandes esforços por meio
da educação, da organização e da influência cultural, mas terminar efetuando
aquele salto ideológico de acreditar que a política e a influência política —
o que normalmente significa arrumar empregos dentro da máquina burocrática —
são os próximos degraus na escada do sucesso.
Tornar-se um burocrata para combater a burocracia, juntar-se ao estado
com o intuito de reduzir seu poder, faz tanto sentido quanto tentar combater um
incêndio com fósforos e gasolina. Foi
exatamente isso o que ocorreu com a direita cristã nos EUA da década de
1980. Eles se envolveram na política com
o intuito de acabar com a opressão do estado.
Hoje, trinta anos depois, várias destas pessoas estão trabalhando no
Ministério da Educação e em várias agências reguladoras, imaginando novas leis,
novas regulamentações, novas imposições de costumes e novos impostos. Isso representa um desastroso e irreversível
desperdício de capital intelectual.
É
de essencial importância que os defensores da liberdade não incorram neste
caminho. Trabalhar para o governo sempre
foi a carreira escolhida por socialistas, reformistas sociais e keynesianos,
pessoas sem nenhuma propensão a prestar bons serviços na iniciativa privada e
no livre mercado. O governo é o lar
natural deles porque, além de ser o lar natural dos tiranos e dos
incompetentes, é no governo que eles podem satisfazer sua ambição de controlar
a sociedade.
Trata-se de um instinto
natural querer controlar aquilo em que não se consegue ser bem-sucedido. Trabalhar para o governo é algo que funciona
para eles mas que não funciona para nós.
Na
primeira metade do século XX, os libertários sabiam realmente como se opor ao
estatismo. Eles se tornavam
empreendedores ou iam trabalhar em jornais influentes. Eles escreviam livros. Eles agitavam a arena cultural. Eles acumulavam fortunas para ajudar a
financiar jornais, escolas, fundações, institutos e organizações voltadas para
a educação econômica do público. Eles
ampliavam seus empreendimentos comerciais para servirem de baluarte contra o
planejamento central. Eles se tornavam
professores e, sempre que possível, educadores. Eles cultivavam belas famílias e se concentravam na educação de seus
filhos.
É
uma batalha longa e difícil, mas a batalha pela liberdade sempre foi assim.
Porém, em algum ponto da batalha, algumas
pessoas, seduzidas pela perspectiva de um caminho mais rápido para as reformas,
repensaram esta ideia. "Talvez
devêssemos tentar a mesma técnica da esquerda", matutaram alguns. Talvez devêssemos infiltrar nossa gente no
poder e desalojar os inimigos. Assim
poderemos produzir mais rapidamente a mudança em prol da liberdade. Aliás, não seria este o objetivo mais importante
de todos? Enquanto a esquerda estiver
controlando o estado, este irá se expandir de maneiras incompatíveis com a
liberdade. Por isso, temos de tomar de
volta o controle do estado.
Assim
rezava a lógica. Qual o problema com
ela? Simples.
As consequências deste erro
A única função do estado é ser um aparato de
coerção e compulsão. Esta é a sua marca
distintiva. É isso que torna o estado o
que ele realmente é. Da mesma maneira
que o estado responde bem a argumentos de que ele deveria ser maior e mais
poderoso, ele é institucionalmente hostil a qualquer um que diga que ele
deveria ser menos poderoso e menos coercivo.
Isso não quer dizer que algum trabalho feito "de dentro" não possa gerar
algo de bom, em algum momento. Porém, é
muito mais provável o estado converter o libertário do que o libertário
converter o estado.
Todos
nós já vimos isso milhares de vezes. Dificilmente são necessários mais do que alguns poucos meses para que um
intelectual libertário que tenha ido para o governo "amadureça" e se dê conta
de que seus ideais eram 'muito pueris' e 'insuficientemente realistas'.
Um político prometendo tornar o governo mais
manso e mais submisso rapidamente se torna um proeminente especialista em criar
novas maneiras de tornar o estado mais eficiente no confisco da riqueza
alheia. Tão logo este fatídico passo é
tomado, não há mais limites. Conheço
pessoalmente um burocrata americano que havia jurado fidelidade à filosofia
libertária e, mais tarde, ajudou a implantar lei marcial no Iraque.
A
razão de tudo está ligada à ambição, algo que normalmente não é um impulso
ruim. A cultura do estado, no entanto,
requer que a ambição funcione apenas de maneira a prestar a máxima deferência
possível ao poder consolidado. A
princípio, essa postura é fácil de ser justificada pelo libertário infiltrado
no estado: 'qual outra maneira de o estado ser convertido senão pela nossa demonstração
de simpatia por ele? Sim, o estado é
nosso inimigo, mas, por ora, temos de fingir sermos seu amigo.'
No entanto, com o tempo, os sonhos de mudança
vão sendo substituídos por essa necessidade diária de bajular. No final, o indivíduo acaba se tornando
exatamente aquele tipo de pessoa que ele mais desprezava. (Para os fãs de O Senhor dos Anéis, é como ser pedido para carregar o anel por
algum tempo; você não vai querer largá-lo mais).
Ao
longo de minha vida, conheci várias pessoas que tomaram esse caminho e, um belo
dia, se olharam no espelho, fizeram um julgamento honesto sobre si próprias e
não gostaram nada do que viram. Elas me
disseram que se enganaram completamente ao pensar que tal estratégia poderia
funcionar. Elas não perceberam a tempo
as maneiras sutis como o poder as estava seduzindo, envolvendo e arrastando
para seus esquemas sórdidos. Elas
reconheceram a futilidade de se pedir educadamente ao estado, dia após dia,
para que ele permitisse um pouco mais de liberdade aqui e ali.
No final, o que sempre acontece é que você acaba
tendo de estruturar seus argumentos em termos daquilo que é bom apenas para o
estado. E a realidade é que a liberdade
não é boa para o estado. Assim, sua
retórica começa a mudar sem você perceber. Finalmente, todo o seu objetivo se altera e você nem se dá conta.
E, quando percebe, já é tarde demais. Os mais mentalmente sãos abandonam o aparato
estatal e qualquer tentativa ulterior de persuasão. Já os corruptíveis incorporam de vez o modus operandi do estado e nele se
encastelam.
As estratégias
O
estado está aberto à persuasão, sem dúvida, mas ele normalmente age por temor,
e não por amizade. Se os burocratas e
políticos temerem uma revolta e uma reação adversa, eles não irão aumentar
impostos ou regulamentações. Se eles
sentirem que há um grau demasiado alto de indignação pública, eles irão até
mesmo revogar controles e programas.
Um
bom exemplo foi o fim da Lei Seca. Ela
foi abolida porque os políticos e burocratas sentiram que continuar a
impingi-la traria um custo alto demais.
O
problema da estratégia foi algo que sempre fascinou Murray Rothbard, que
escreveu vários e importantes artigos sobre a necessidade de jamais
contemporizar e fazer concessões; de jamais, por meio do processo político,
trocar o objetivo de longo prazo por um ganho de curto prazo. Isso não significa que não deveríamos saudar
e acolher positivamente um corte de 1 ponto percentual nos impostos ou a
revogação de uma seção de alguma lei.
Mas jamais devemos nos deixar ser tragados pela trapaça da
condescendência: por exemplo, 'vamos abolir este imposto ruim para colocar em
seu lugar este imposto melhor.' Isto
seria utilizar um meio (um imposto) que contradiz o objetivo final (a eliminação
da tributação).
A
abordagem rothbardiana para uma estratégia pró-liberdade pode ser resumida
pelas quatro afirmações a seguir:
- A vitória da liberdade é o mais elevado objetivo
político
- O fundamento adequado para este objetivo é um ardor moral
e inflexível pela justiça e pela ética;
- O objetivo deve ser alcançado pelos meios mais rápidos e
eficazes possíveis; nada de gradualismos;
- O meio escolhido jamais deve contradizer o objetivo —
"seja a defesa do gradualismo, o uso ou a defesa de qualquer agressão contra a
liberdade, a defesa de programas de planejamento central, o não aproveitamento
de qualquer oportunidade de reduzir o poder do estado, ou a defesa de algum
programa que implique seu agigantamento em alguma área da economia ou da vida
privada."
Libertários
sempre devem ter isso em
mente. A questão da
estratégia não é simples. E o poder
sempre será tentador.
A esmagadora maioria das pessoas que entram
para o governo é formada por gente que está ali ou porque quer uma vida fácil,
ou porque quer controlar a vida dos outros, ou porque quer uma vida fácil que ao
mesmo tempo permite controlar a vida dos outros.
Sempre
foi e sempre será assim. O estado
mastiga as pessoas e, no final, ou ele engole ou ele cospe aquelas que entraram
ali com o nobre intuito de promover a liberdade.
A real mudança só pode vir de fora
Esta
é a lição. Os milhares de jovens que
hoje estão pela primeira vez descobrindo as ideias da liberdade devem ficar de
fora da máquina estatal e de todo o seu encantamento e fascinação letais. Em vez de tentar se infiltrar no estado, eles
devem perseguir seus ideais por meio do comércio, da educação, do
empreendimento, das artes, da divulgação de ideias, do debate etc. Liderem e exerçam influência por meio do
respeito alcançado por suas realizações. Estas são áreas que oferecem genuínas promessas e altos retornos.
Quando
um libertário me diz que está fazendo coisas boas em algum ministério ou em
alguma agência reguladora, não tenho motivos para duvidar de suas palavras. Porém, quão melhor seria caso ele renunciasse
a este emprego e escrevesse um livro expondo toda a mamata, charlatanice e
roubalheira da burocracia?
Um golpe bem
colocado contra um órgão do governo pode produzir mais reformas, e gerar mais
benefícios para a sociedade, do que décadas de tentativas de infiltração e
subversão.
Existem
políticos que fazem coisas boas? Em toda
a minha vida, conheci apenas um: Ron Paul. Mas todo o bem que ele faz não adveio exclusivamente de seu trabalho
como legislador, mas sim de seu trabalho como um educador que possuía uma proeminente
plataforma da qual emitir suas opiniões. Cada voto negativo seu a uma nova lei ou nova regulamentação é uma lição
para as multidões. Precisamos de mais
Ron Pauls ao redor do mundo.
Mas
Ron Paul é o primeiro a afirmar que, ainda mais importante do que legisladores
expressando ideias libertárias, são necessários mais educadores,
empreendedores, pais e mães, líderes religiosos e empresariais divulgando as
ideias da liberdade. Defensores da
genuína liberdade amam o comércio e a cultura, e não o estado. Comércio e cultura são o nosso lar e nossa
plataforma de lançamento para as reformas em prol da liberdade.
Apenas a divulgação de ideias sólidas pode
nos libertar em definitivo do jugo opressor do estado. Fingir amizade com um inimigo mais poderoso é
uma postura que beneficiará exclusivamente a ele.