quarta-feira, 12 dez 2012
Uma
grande fatia da população genuinamente acredita que o governo é seu benfeitor,
que ele visa aos melhores interesses dela, que ele existe para protegê-la das
iniquidades e da tirania dos homens maus.
Já a outra fatia o vê como seu inimigo declarado. O problema é que, dependendo das
circunstâncias e das políticas, ambas podem trocar de lado.
Esta
espécie de mecanismo hidráulico pode ser observada no interminável debate sobre
impostos (quem paga mais impostos em relação à sua renda), sobre salário
mínimo, sobre saúde pública, sobre educação pública, sobre segurança, sobre o
combate às drogas, sobre as regulamentações etc. — você escolhe. É desta forma que o governo consegue
continuamente jogar um grupo contra o outro em um concurso de pilhagem mútua, fazendo
com que as pessoas ajam como tribos primitivas que ainda não descobriram como produzir,
comercializar e prosperar.
Este
conflito açulado pelo governo está esfacelando a civilização, criando uma batalha
épica que nenhum dos dois lados pode vencer.
O único real vitorioso nesta batalha é o próprio governo.
"Não
é que governos comecem virtuosos e terminem em pecado", disse um astuto
observador. "Qualquer governo sempre começa protegendo alguns poucos e termina
se protegendo contra todos".
Essas
são as palavras de Robert LeFevre, um brilhante escritor que viveu de 1911 a
1986. Ele exerceu uma enorme influência
em sua época, muito antes de estas ideias se tornaram comuns entre os mais
sábios. Ele foi capaz de enxergar as
reais intenções dos governos que recorriam a esta tática de dividir e
conquistar. Ele explicou que assistencialismo,
regulamentações e políticas monetárias inflacionistas são tão perigosos para o
desenvolvimento humano quanto guerras e imperialismo. Ele conseguiu explicar a real natureza do
estado como poucos outros conseguiram.
Seu
magistral livro The Nature of Man and His
Government foi
publicado em 1959. Vejo essa obra como a
parte dois de A Lei, de
Frédéric Bastiat.
É
absolutamente surpreendente que algo tão claro, tão profético, tão
perspicaz e ao mesmo tempo tão calmamente racional possa ter sido escrito meio
século atrás, em uma época em que a maioria das pessoas julgava o tamanho
do governo e de suas atividades como sendo bem enxuto (e de fato era, comparado
aos dias de hoje). Robert LeFevre
antecipou nossa era como poucos livros de sua época conseguiram.
LeFevre
dizia que o governo é apenas uma ferramenta e nada mais. Governos são criados por pessoas que têm medo
de alguma coisa (invasões estrangeiras, velhice, violência, doenças, segurança
de produtos etc.). Essas pessoas criam
governos na esperança de que eles irão arrefecer seus medos. Mas ocorre justamente o contrário: governos
intensificam os medos.
E
é assim porque o governo pode fazer uma coisa, e uma coisa apenas: coagir pessoas. Toda a atividade estatal, no final, se resume
a isso. O governo exerce sua coerção
criando e impingindo um número cada vez maior de leis e de regulamentações que
visam apenas a espoliar a propriedade dos cidadãos e controlar suas vidas. Quanto mais o governo age, menos dinheiro e
liberdade as pessoas têm para gerir suas próprias vidas.
No
entanto, várias pessoas negam que é isso o que ocorre. Elas imaginam o governo como sendo um meio
para se alcançar a justiça social, a paz global, a igualdade para todos, a
moralidade, a virtude, a saúde, o bem-estar, a pureza racial, a harmonia e a
prosperidade eterna. E tudo isso sem
recessões.
Claro,
nada disso jamais ocorreu na história do mundo, não importa o tanto de poder e
dinheiro que tenha sido entregue aos governos.
Mas esse fracasso é incapaz de abalar a fé das pessoas. Por quê?
Porque elas ainda não conseguiram aceitar a verdade que LeFevre explicou
neste seu pequeno livro.
E
essa verdade é a raiz da vasta quantidade de problemas econômicos e sociais que
temos hoje. Não importa quem está no poder, escreveu LeFevre, assim como não importa quem está operando a
guilhotina. O governo, a qualquer
momento e sob qualquer partido político, está fazendo justamente aquilo que
governos fazem: dividindo e conquistando a sociedade, e tolhendo os direitos e
as liberdades dos indivíduos.
O
erro primário, disse LeFevre, foi exatamente o de criar um governo.
Mas
então por que não criar um governo e colocar várias restrições às suas
ações? Ora, isso foi exatamente o que a
geração dos fundadores dos EUA fizeram ao criar a Constituição americana. Eles criaram um aparato que deliberadamente
incapacitava o governo de fazer o que quisesse.
Havia três poderes, os sistemas de elaboração de novas leis eram
extremamente complexos, e havia uma enormidade de pesos e contrapesos para
conter qualquer ímpeto autoritário e centralizador.
À
época, observadores do velho mundo riram da ideia e disseram se tratar do mais
convoluto sistema de governo que já haviam visto, um sistema que garantiria que
o governo jamais funcionasse perfeitamente.
O que eles não entenderam era que este era exatamente o objetivo.
Porém,
o que aconteceu no decorrer do tempo? O
governo americano se livrou de seus limites e restrições. E isso era totalmente previsível.
Como
disse LeFevre, o governo "é um instrumento de força e de coerção. E jamais pode haver um instrumento de força e
coerção que irá voluntária e conscientemente se restringir a si próprio. Logo, ele deve ser contido de fora. No entanto, não há nenhuma ferramenta capaz
de fazer isso. Pois qualquer tipo de
ferramenta, qualquer que seja a sua natureza — a qual foi supostamente criada
para restringir e conter o governo — irá, por sua própria natureza,
simplesmente se tornar um governo do governo."
As
pessoas dizem que os governos atuais enlouqueceram com sua insanidade de
regulamentações e seu indecifrável arcabouço tributário. LeFevre discordaria. "Um governo que cria e impõe à força uma
infinidade de regras e códigos não está fora de sua natureza", escreveu
ele. "Esta é exatamente a sua
natureza. É assim que governos
operam. E quanto mais tempo um governo
durar, maior será a quantidade de leis que ele irá criar. É a função de um governo criar leis e
impingi-las. Não há por que estranhar
tal comportamento."
Tenha
em mente que isso que você lerá agora foi escrito em 1959:
Atualmente, os governos se preocupam majoritariamente não
com criminosos, mas sim com os cidadãos honestos. Cada cidadão é uma vítima das táticas
agressivas do governo . . . o cidadão médio de hoje, cercado e ofuscado pelo
governo por todos os lados, descobre que está infringindo várias leis durante o
decorrer de um só dia. E este fato faz com
que ele deixe de ser um cidadão honesto e se transforme em um cidadão
transgressor, o que o iguala a qualquer criminoso de rua que, com efeito,
transgride a lei com objetivos agressivos.
Sim,
mas e o que dizer a respeito da agressividade dos reguladores, da sanha da
Receita Federal, da perversidade dos burocratas e do total desrespeito à
privacidade pessoal e financeira dos cidadãos?
LeFevre
responde: "O governo possui um único padrão de comportamento: exigir
obediência. Seus decretos, bons, maus ou
indiferentes, são obrigatórios e impingidos à força. E os homens dentro do governo não reconhecem
nenhuma lei que não necessite ser impingida.
Se o governo adotou uma determinada política, tal política tem
necessariamente de ser aplicada, mesmo que uma determinada medida almeje a
estabilidade social e a outra, a injustiça social."
Um
bom exemplo deste comportamento paradoxal pode ser observado na regulamentação
do setor automotivo. Um grupo de
reguladores exige que os carros sejam mais seguros. Outro grupo quer que eles consumam
menos. Os objetivos estão em conflito,
sendo até mesmo contraditórios (para o carro ser mais econômico, ele tem de ser
mais leve, o que aumenta a probabilidade de mortes em caso de acidentes). Ambos os grupos conseguiram impor suas
vontades, e os resultados foram absurdos.
Eles criaram
uma bagunça e, ao fazerem isso, destruíram as forças criativas do mercado
capazes de inventar coisas novas e melhores.
Este
é apenas um exemplo. Há milhões de
outros. Estamos cercados pelas
distorções criadas por decretos governamentais.
Em consequência, somos mais pobres, mais doentes e menos civilizados do
que seríamos sem estas distorções. E o
que é particularmente lamentável é que não há como quantificar toda esta perda,
pois o governo faz com que invenções e criações sejam ilegais em qualquer setor
que ele controle por completo.
Como
LeFevre repetidamente afirma, o governo foi criado pelas pessoas para ser uma
ferramenta. Esta ferramenta não alcançou
seu objetivo.
O governo, quando devidamente examinado, revela ser apenas
um grupo de homens falíveis, mas com o poder político para agir como se fossem
infalíveis.
E
então ele diz com otimismo: assim como ele foi criado, ele pode ser desfeito. Ele pode ser desmantelado. Ele pode ser abolido. Em vez de uma sociedade baseada na coerção,
podemos ter uma sociedade baseada no comércio e na ação voluntária. Para alcançarmos isso, precisamos apenas
fazer essa escolha.