Voltando do Aeroporto Internacional de
Guarulhos nesta semana, flagrei-me contemplando a paisagem enquanto dirigia, e
fui acometido por uma sensação de estranheza.
Moro na cidade de São Paulo, o Aeroporto Internacional fica localizado
no município vizinho, Guarulhos, e apesar de as duas localidades serem
separadas apenas por uma linha imaginária, a impressão que tive foi de estar em
outra civilização. E eu realmente estava;
o que havia na paisagem que eu contemplava eram outdoors, proibidos do lado da
linha imaginária em que moro.
No próximo dia 1º de janeiro, completam-se seis
anos que a prefeitura de São Paulo tomou a medida autoritária de
proibir "toda e qualquer forma de publicidade exterior".
Fica
proibida, no âmbito do Município de São Paulo, a colocação de anúncio
publicitário nos imóveis públicos e privados, edificados ou não.
Além
disso, proibiu todos os letreiros que não estivessem dentro dos padrões que
unilateralmente criou, forçando quase todos os comerciantes a refazer o
letreiro de seus imóveis. O primeiro
efeito desta proibição foi a destruição de milhares de empregos no ramo deste
tipo de publicidade e a criação de outros empregos na burocracia pública, com a
contratação por parte da prefeitura de funcionários responsáveis por fiscalizar
o cumprimento da proibição, coagindo os proprietários dos imóveis com a ameaça
de multas. Ou seja, ocorreu a
substituição de trabalho produtivo, que atendia à livre demanda do mercado, por
"trabalho" destrutivo, reforçando os tentáculos do aparato estatal de coerção e
compulsão.
A
proibição recebeu o inexplicável nome de Lei Cidade Limpa, como se propaganda e
letreiros de comércios fossem algum tipo de sujeira a ser
combatida. Tudo isso baseando-se em um
confuso conceito de "poluição visual", algo que supostamente deveríamos aceitar
como auto-evidente. Particularmente, não encontro um só motivo para alguém
querer coibir a propaganda feita em faixas, letreiros e outdoors que não esteja
baseado em um ranço anticapitalista.
Usar justificativas subjetivas como a de dizer que "a cidade fica mais
bonita desta forma" é apenas querer impor por meio da força um gosto estritamente
pessoal sobre a propriedade alheia.
Destaco essa justificativa porque foi uma que escutei algumas vezes,
inclusive com pessoas dizendo que isso seria "bom para o turismo" — como se o
benefício de um setor pudesse justificar o prejuízo de outros setores, além de
toda a agressão à propriedade privada.
Logicamente,
a única reação possível a uma declaração destas é gargalhar sonoramente; e,
quem sabe, caso exista o desejo de tentar mudar a opinião de quem disse isso,
mencionar que somente a Times Square em Nova York recebe três vezes mais turistas do que
toda a cidade de São Paulo. Isso para
não falar de locais que, como apontou Antony Ling em seu artigo sobre esta proibição, recebem ainda mais turistas por causa
da tal da "poluição visual", como Piccadilly Circus em Londres; ou locais como o centro de Tóquio, também repletos de outdoors, letreiros e
turistas!

Times Square, Nova York

Piccadilly Circus, Londres

Tóquio
Parece-me
óbvia a aversão que os defensores desta proibição têm pelo capitalismo e pela
configuração dada a uma cidade com livre mercado. Eles provavelmente preferem a "limpeza
visual" da antiga União Soviética, de Cuba e da Coréia do Norte.
Outra
suposta justificativa para a proibição presente no corpo da legislação seria a preservação de um "patrimônio ou
memória cultural, histórico, artístico e paisagístico" do
município. Porém, a não ser que os
estatistas estejam querendo reescrever a história, letreiros e outdoors fazem
necessariamente parte dessa história.

São Paulo, 1916

São Paulo, 1960's

São Paulo, 1975

São Paulo, 1990's
Logo,
se fosse para "preservar alguma cultura", esta proibição jamais poderia ser
imposta. Sua imposição resultou
exatamente no contrário de "preservação", como mostra o que ocorreu com o tradicional letreiro do Itaú
no Conjunto Nacional, que estava ali desde 1962. Fica claro que tudo não passa de desculpa
esfarrapada. O real motivo para este
ataque à propriedade privada por parte do estado é o mesmo de sempre: dinheiro
e poder. O mercado de publicidade nas ruas
movimentava centenas de milhões de reais mensais em São Paulo, quase tudo
extinto com uma canetada do prefeito. Eu
disse 'quase'. Existem algumas exceções
na lei. Estranhamente, certas
publicidades não foram consideradas "poluição visual", e, por pura coincidência
do destino, são publicidades de locais "pertencentes" à prefeitura! A reportagem do Estadão destaca:
Em
contrapartida, algumas exceções à Lei Cidade Limpa estão sendo estabelecidas
pela gestão Kassab. Uma delas ....... será a publicidade em 650 relógios de rua
e 2 mil abrigos de ônibus. Um decreto publicado em janeiro regulamenta como
deverá ser a propaganda que renderá R$ 42 milhões mensais aos cofres da
capital.
Então,
o que ocorreu foi a criação de mais um lucrativo monopólio estatal, que veio
acompanhado de mais controle do estado sobre a propriedade de seus
súditos. Logicamente, socialistas não se
importam nem um pouco com a violação da propriedade individual — seu objetivo
é controlá-la por completo. Inclusive há
quem diga que a propriedade vale apenas para o lado de dentro, com o lado de
fora sendo "público".
Curiosamente,
além dos socialistas, existe outro grupo que pensa exatamente desta maneira: os
pichadores. Vejam a declaração abaixo (minuto 14:25):
— Você chega a pensar sobre as pessoas que moram ali, ou isso não importa?
— A
partir do momento que tá na rua é público, entendeu? Então sua casa é sua do
portão pra dentro; do portão pra fora já é público, entendeu? E a nossa cara é
interagir aí; jogar tinta na parede.
Os
pichadores agem exatamente igual aos apoiadores e executores da "Lei Cidade
Limpa", impondo seu gosto pessoal à força sobre a propriedade alheia, que
sequer é considerada propriedade por eles.
E o estado, que supostamente e de forma contraditória deveria ser o
responsável pela proteção da propriedade privada, também viola até a sua
aparência externa. Não é a toa que o
estado já apoiou e incentivou a ação de pichadores. Alguns anos atrás, a
Pinacoteca do Estado de São Paulo, com o apoio do Ministério da Cultura,
promoveu a exposição "Pixo, logo existo!", na qual depredações da propriedade alheia
ganharam o status de arte, inseridas nos pensamentos de grandes pensadores e
artistas como Adoniran Barbosa, Clarice Lispector e Nietzsche. Estou ciente da subjetividade da arte, e
qualquer pessoa pode considerar arte o que ela quiser. Mas órgãos estatais fazerem isso é o
cúmulo. Logicamente eles não podem achar
ruim a pichação no totem da Pinacoteca ou no muro da Estação da Luz, ao lado da
Pinacoteca.

Exposição "PIXO, LOGO
EXISTO!" da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo

Calma, não depredaram nada não. Isto
É a exposição.

Joseph Campbell deve estar pensando:
"Queria que o muro de minha casa fosse assim"

Cristiano Chiocca se indigna com o
lema de vida "Pixo para viver, Vivo para pixar"

Adoniran compondo mais uma linda
música

Clarice Lispector e a entrada da
Pinacoteca do Estado

Obviamente não podemos achar ruim a
pichação no totem da Pinacoteca.

E nem a pichação no muro da Estação
da Luz. Doação de um artista anônimo
E para
acabar com qualquer dúvida que alguém ainda poderia ter sobre o caráter
anticapitalista desta lei, e de como ela nada tem a ver com a tal "poluição
visual", uma nova brecha foi estipulada para permitir que espaços
antes ocupados por anúncios publicitários gigantes sejam ocupados por
grafites. Alguém seria capaz de explicar
qual a diferença no conceito de "poluição visual" entre um grafite e um
anúncio?
Se a
prefeitura estivesse realmente preocupada com algum tipo de "poluição visual",
poderia fazer algo que não atentasse contra a propriedade alheia, como retirar
todos os postes da cidade e soterrar a fiação, algo que ainda por cima
desobstruiria as calçadas. Mas como o
objetivo de todo governo é poder e dinheiro, eles preferem fazer outras
coisas. O resto do Brasil pode se
preparar para medidas iguais.