quarta-feira, 12 jul 2017
John
Kenneth Galbraith, aquele insuportável moralista, escreveu em 1958 um bizarro livro
intitulado A
Sociedade Afluente, o qual exerceu uma enorme influência sobre várias
gerações de ativistas anti-mercado.
A
ideia do livro era a de descaradamente alterar os termos do debate sobre
socialismo e capitalismo. Se antes os
socialistas argumentavam que o capitalismo produzia muito pouco, agora eles
haviam mudado de ideia. Utilizando a nova retórica de Galbraith, passaram a
dizer que o capitalismo na verdade produz de forma excessiva as coisas erradas
(coisas para serem consumidas) e muito pouco das coisas certas (bens públicos,
igualdade etc.).
Um
dos vários alvos do livro era a chamada "obsolescência programada" — a prática
dos fabricantes de criar e desenvolver seus produtos de modo que eles se
desgastem rapidamente e estraguem em um determinado momento no futuro, o que
obrigaria os consumidores a terem de sair para comprar um novo e similar
produto.
Segundo esta teoria, para
disfarçar esta obsolescência programada, estes espertos fabricantes fazem algumas
mudanças cosméticas no produto para dar a impressão de que houve algum
aprimoramento, mas tudo não passa de um mero truque para enganar o consumidor e
fazê-lo crer que vale a pena pagar por este item remodelado, quando na verdade
ele estaria apenas sendo espoliado, pois estaria pagando duas vezes por aquilo
que deveria ser comprado apenas uma vez.
O
problema é que há várias pressuposições artificiais e insustentáveis nesta
premissa.
Primeiro, o modelo presume que
os fabricantes são muito mais espertos do que os consumidores, que são tratados
como vítimas passivas e inanimadas dos poderosos interesses dos
capitalistas. Com efeito, no mundo real,
são os fabricantes que estão sempre implorando para que os consumidores sejam
mais fieis às marcas e menos instáveis, imprevisíveis, minuciosos,
discriminadores e exigentes. Tudo que um
fabricante quer é que seu consumidor não abandone seu produto em prol de outros
sem nenhum motivo racional ou aparente.
Segundo,
o modelo pressupõe, de forma excêntrica e normativa, que os produtos devem
durar o máximo de tempo possível. Mas a
realidade é que não existe nenhuma preferência de mercado predefinida acerca de
quanto tempo os bens devem durar. Esta é
uma característica de fabricação que é determinada totalmente pela demanda dos
consumidores.
E
sempre vale lembrar que, na medida em que os fabricantes possuem algum poder de
impor seus gostos aos consumidores, isso ocorre apenas em economias fechadas
(cujas importações são dificultadas pelo governo) e em economias excessivamente
reguladas e burocratizadas, em que não há livre entrada de concorrentes no
mercado.
Estes
"argumentos" galbraithianos voltaram com força total recentemente, pois vários
comentaristas da mídia observaram que utensílios de cozinha e outros aparelhos
elétricos, bem como vários outros produtos, simplesmente parecem não durar
tanto quanto duravam antigamente. Naqueles bons e velhos tempos, você ganhava um liquidificador de
presente de casamento e, dali a vários anos, a sua filha ainda o utilizaria
sempre que chegasse da faculdade. Nos
dias de hoje, temos sorte se um liquidificador ou uma batedeira durarem alguns
poucos anos.
O mesmo parece ser válido
para máquinas de lavar e secadoras, roupas e equipamentos eletrônicos,
amoladores e cortadores de grama, e até mesmo imóveis. Nada dura o mesmo tanto ou possui a mesma
robustez que antigamente.
Mas
seria isso um argumento contra o mercado ou seria meramente um reflexo da
preferência dos consumidores por valores (preços baixos, tecnologia de última
geração, e várias outras amenidades) em detrimento da longevidade? Sugiro que seja esta última.
Com a acentuada inovação tecnológica que
vivenciamos, vários processos de produção se tornaram mais eficientes e, logo,
mais baratos. Consequentemente, faz mais
sentido substituir continuamente um produto do que criar um que dure para
sempre. Você prefere um liquidificador
de $200 que dure 30 anos ou um liquidificador de $10 que dure cinco anos? Aquilo que os consumidores preferem no longo
prazo será aquilo que irá dominar o mercado.
Como
podemos estar certos disso? Concorrência. Digamos que todos
os fabricantes produzam liquidificadores que durem apenas 5 anos, e que este
fato seja amplamente desprezado pelos consumidores. Um fabricante poderia roubar vários clientes
da concorrência ao ofertar um produto que enfatize a longevidade em detrimento
de outros aspectos. Se os consumidores
realmente valorizam a longevidade, eles estarão dispostos a pagar a
diferença.
A mesma lógica se aplica a
automóveis, computadores, apetrechos eletrônicos, imóveis e tudo mais. Podemos saber qual é a preferência dominante
(em um livre mercado) ao simplesmente olharmos qual prática é a mais comum no
mercado.
Imagine
que um fabricante de computadores produzisse uma máquina que fosse
comercializada como sendo um computador de duração vitalícia, o último
computador que você necessitaria ter enquanto vivesse, completo com softwares
que irão similarmente durar para sempre. Qualquer pessoa com algum conhecimento seria cética quanto a essa
proposta, pois é fácil perceber que este arranjo é a última coisa que você
realmente quer. Idealmente, o seu
computador deve durar o tempo que você quiser que ele dure até você estar
pronto para adquirir um modelo superior.
Longe de ser uma espoliação, portanto, a obsolescência é um sinal de
crescente prosperidade.
Em
uma época de maciços e frequentes aprimoramentos tecnológicos, seria um enorme
desperdício se os fabricantes direcionassem recursos caros e escassos para a
manufatura de produtos que durassem muito além de sua utilidade. No caso de computadores, por exemplo, fazer
com que todos eles durassem mais de 6 anos seria um grande erro no ambiente de
hoje. Ele seria caro e rapidamente já
estaria obsoleto.
O mesmo, inclusive,
pode ser dito sobre casas. Casas antigas podem ser charmosas, mas também são extremamente difíceis de
serem manuseadas em termos de aquecimento, refrigeração, encanamento, fiação e
todas as outras amenidades. Em
determinados casos, a solução mais eficiente pode ser simplesmente a de derrubar
a casa antiga e construir uma nova em vez de tentar implantar várias
melhorias na antiga.
Existe desperdício apenas quando você força o quesito longevidade em
detrimento do aperfeiçoamento tecnológico. Um indivíduo consumidor é livre para querer isso e buscar produtos que
tenham essa configuração, mas não há nenhuma base para se declarar que tal
preferência é a melhor e, por isso, deveria ser fixa e imutável para todos. Não vivemos, e nem queremos viver, em um
mundo estático, no qual o desenvolvimento jamais ocorre, onde o que existe
sempre existiu e sempre irá existir.
Pense
em termos de vestuário, mobílias e outros bens. À medida que a renda disponível das pessoas vai aumentando, elas querem
ser capazes de substituir o que usam de acordo com sua mudança de gostos. Uma sociedade em que as roupas fossem sempre
remendadas, os aparelhos eletrônicos fossem sempre consertados, e todos os
produtos sofressem a famosa "gambiarra" para que pudessem se arrastar o máximo
de tempo possível não seria uma sociedade rica. Poder descartar o que está desgastado e quebrado é um sinal de crescente
riqueza e prosperidade.
É
comum as pessoas olharem para uma porta oca ou para uma mesa simples de madeira
compensada e dizer: "Que coisa barata e fajuta!
Antigamente, os marceneiros e artesãos se preocupavam com a qualidade do
que faziam! Já hoje ninguém se importa com nada, e acabamos rodeados por coisas
baixa qualidade!" Bem, a verdade é que
aquilo que chamamos de 'alta qualidade do passado' não estava disponível para
as massas com a mesma facilidade que está hoje. Automóveis, casas e alguns outros utensílios podiam até ser mais
duráveis no passado, mas eram muito poucas as pessoas capazes de adquirir
aqueles produtos, pois eles eram muito mais caros (em termos reais).
Hoje, um mesmo produto está disponível para
todas as classes sociais, sua qualidade variando exatamente de acordo com seu
preço. Nada é mais inclusivo do que
isso.
Em
uma economia de mercado, aquilo que é chamado de 'qualidade' é algo que está
sempre sujeito a mudanças de acordo com as preferências do público
consumidor. Se os produtos devem ser
vitalícios (como alianças de casamento) ou devem durar apenas um dia (pão
fresco) é algo que não pode ser determinado fora do arcabouço de uma economia
de mercado. Nenhum planejador central
pode dizer com certeza e exatidão. É
algo constantemente sujeito a mudanças.
Se
o seu livro se despedaça, se suas roupas se rasgam com facilidade ou se a sua
máquina de lavar repentinamente pára de funcionar, resista à tentação de
denunciar o declínio da civilização. Lembre-se de que você pode substituir todos estes itens a uma fração do
preço que sua mãe ou sua avó tiveram de pagar por eles. E você pode fazer isso rapidamente, com o
mínimo de aborrecimento e transtorno. Você pode até comprar pela internet, sem ter de sair de casa. E é bastante provável que as novas versões do
produto que você comprar tenham mais apetrechos e amenidades do que as antigas.
Pode
chamar isso de obsolescência programada caso queira. Ela é programada pelos fabricantes porque os
consumidores preferem o aperfeiçoamento à continuidade, a disponibilidade à
longevidade, a substitutibilidade à reparabilidade, o progresso e a mudança à
durabilidade. Não se trata de
desperdício justamente porque estão sendo utilizados os processos de produção
de menor custo possível.
Ademais, não há
um padrão eterno e imutável por meio do qual podemos mensurar e avaliar a
racionalidade econômica por trás do uso de recursos na sociedade. Isso é algo que pode ser determinado e
julgado somente por indivíduos utilizando recursos escassos em um arranjo de
mercado.
É
claro que uma pessoa deve ser livre para morar em uma gélida casa de pedra,
para ouvir música em uma vitrola, para lavar roupas sobre uma tábua com um
esfregão, para marcar as horas com um relógio de sol ou com uma ampulheta, e
para fazer as próprias roupas com sacos de farinha. Hoje, tudo isso ainda é possível. Uma pessoa deve ser livre para ser
completamente obsoleta.
Mas, por favor,
não igualemos este comportamento à riqueza, e não aspiremos a viver em uma
sociedade na qual todos são obrigados a preferir coisas permanentes em
detrimento de coisas aperfeiçoadas.