Obs: o artigo a seguir é a primeira parte de
um texto escrito especialmente para a futura revista acadêmica do IMB.
1.
Introdução
Uma
das questões mais instigantes da teoria econômica é a discussão sobre a
existência ou ausência de equilíbrio nos mercados. As diversas abordagens
alternativas são para todos os gostos: há as que negam qualquer possibilidade
de equilíbrio nos mercados, as que asseguram que os mercados sempre estão em
equilíbrio e as que se colocam como um meio termo, tratando o equilíbrio como
uma tendência para a qual tendem os mercados.
Entre
os que negam peremptoriamente qualquer possibilidade de equilíbrio nos mercados
o mais conhecido é o economista da Escola Austríaca Ludwig
Lachmann, nascido na Alemanha, com sua sociedade caleidoscópica;
entre os que tratam o equilíbrio como algo permanente — e imediato — o mais
famoso é Robert Lucas, o principal mentor da chamada Escola de
Expectativas Racionais; e entre os que enxergam os mercados como tendendo
para o equilíbrio, mas sem que esse equilíbrio seja atingido, em razão de
mudanças de circunstâncias de tempo e espaço, encontramos a maioria dos
economistas austríacos, desde Carl Menger e especialmente Mises,
Hayek e Kirzner. O objetivo deste paper é mostrar essas três
visões, passando em revista a questão do equilíbrio.
2.
Ludwig Lachmann e a negação do equilíbrio nos mercados
Ludwig
Lachmann (1906-1990) acreditava que a Escola Austríaca havia se desviado da
visão original de Menger, descurando-se de seu subjetivismo original e
defendia que ela deveria ser baseada em uma perspectiva evolucionária, ou
"genético-casual", como contraponto ao equilíbrio e às
hipóteses de conhecimento perfeito da economia neoclássica. Mudou-se para
a Inglaterra em 1933 e foi aluno e colega de Hayek na London School of
Economics, o que aumentou seu interesse pela Escola Austríaca. A LSE na época
era um centro de economia famoso, que abrigava, além de Hayek, o próprio Keynes
e outros economistas de renome, que viriam a se tornar keynesianos.
Em 1948, se mudou para Joanesburgo, onde foi aceito como professor na
Universidade de Witwatersrand e onde viveu até o fim de seus dias.
A
posição de Ludwig Lachmann difere radicalmente das demais, tanto austríacas
como neoclássicas: sua visão do processo de mercado representa
uma forte crítica, seja ao conceito neoclássico de equilíbrio, seja à
explicação alternativa de Mises, Hayek e Kirzner. Lachmann foi bastante
influenciado pelo pensamento de George Lennox Sharman Shackle (1903-1992), um
keynesiano ultra-subjetivista que descartava tanto o equilíbrio como a
existência de qualquer tendência coordenadora no mercado. Para ele, as forças
que levam os mercados a desequilíbrios merecem o mesmo tratamento que o
dispensado pelos economistas às forças que promovem o equilíbrio, pelo motivo
de que os processos de mercado são formados por ambas, o que implica que, de
acordo com circunstâncias diferentes, umas prevaleçam sobre as outras, gerando,
assim, processos com características diferentes.
A
idéia central de Lachmann é que o conceito de mercado em equilíbrio deve ser
inteiramente abandonado, uma vez que pressupõe que as forças "equilibradoras"
ou "coordenadoras" prevaleçam sempre sobre as forças "desequilibradoras" ou
"descoordenadoras". Segundo sua visão, o mercado deve ser, portanto,
interpretado como "um processo econômico, isto é, um processo em marcha,
impulsionado pela diversidade de objetivos e recursos e pela divergência das
expectativas, variando em um mundo de mudanças inesperadas". Ou, como
escreveu em outra ocasião, o mercado deve ser considerado como "um
processo sem princípio nem fim". Nisto, sem dúvida, ele não diferia da
tendência prevalecente entre a maioria dos austríacos.
Observemos
que os agentes econômicos, na concepção lachmaniana, agem em um
mundo de características muito diferentes das que são normalmente consideradas:
o subjetivismo radical está em um polo diametralmente oposto ao do equilíbrio
geral, caracterizando-se por considerar que as variáveis são extremamente
voláteis e as mudanças contínuas e incessantes. Shackle descreveu essa ordem
econômica como um "processo caleidoscópico", marcado por
avalanches sucessivas de reajustes em busca de novos, precários e efêmeros
"pseudoequilíbrios".
A
figura 1 ilustra a evolução desse mercado caleidoscópico para
um determinado bem ao longo de vários momentos do tempo, que é representado no
eixo diagonal. No gráfico, p é o preço, q a quantidade, S a oferta e D a
demanda pelo bem. O tempo atual é tj e tm; ts e
tu representam instantes futuros ao longo do tempo. Não
há como conhecer o futuro, daí os pontos de interrogação nas curvas de demanda
e oferta futuras, isto é, em tm, ts e tu.

Temos,
assim, duas tendências na Escola Austríaca, que refletem duas abordagens
diferentes do mercado: a de Lachmann e Shackle (embora este último não possa
ser considerado, a rigor, um austríaco), que encara os mercados
como processos simplesmente ordenados e que não vê necessidade em se postular
uma tendência ao equilíbrio para que os processos de mercado sejam inteligíveis
e a de Mises, Hayek, Kirzner e a maioria dos austríacos, que enxerga os
mercados como processos de coordenação, que tendem ao equilíbrio, embora não o
alcancem, rechaçando tanto o extremo do equilíbrio geral quanto o do
subjetivismo extremado, com base no argumento — bastante plausível — de que
os indivíduos, ao atuarem nos mercados, se defrontam com circunstâncias que nem
são fixas nem, tampouco, mudam incessantemente, o que lhes permite descobrir
gradualmente quais as alternativas que tendem a aumentar sua utilidade,
superando assim paulatinamente a limitação de seu conhecimento.
Esse
às vezes denominado "fundamentalismo austríaco" (no
sentido do subjetivismo levado às últimas consequências) de Lachmann era raro.
Ele ressaltou a distinção de sua visão em alguns temas como o subjetivismo
inerente à economia, o conhecimento imperfeito, a heterogeneidade do capital
(foi um estudioso da obra de Böhm-Baverk e escreveu bastante sobre a teoria do
capital), os ciclos econômicos, o individualismo metodológico e o processo de
mercado, que via, tal como Shackle, como um caleidoscópio. Seu
pensamento serve hoje como base de uma vertente de "subjetivismo
radical" da Escola Austríaca de Economia.
Não
é difícil intuir que toda a nossa discussão deverá necessariamente enfatizar a
maneira como o fator tempo é incluído ou considerado em cada teoria. Para
Lachmann, introduzir o tempo na análise econômica é o mesmo que introduzir sua
proposição fundamental, a do desconhecimento (unknowability).
Ora, ao fazer isso, ele coloca imediatamente dúvidas quanto à existência, ou
pelo menos a eficácia de forças que operam ao longo do tempo para efetuar um
equilíbrio intertemporal. Não podemos saber o futuro, e não temos razão para
acreditar que o mercado vai se comportar como se o futuro fosse conhecido. Nós
não temos nenhuma razão para acreditar que o mercado, por exemplo, de pneus de
hoje é coordenado com o mercado de automóveis de amanhã.
Notemos
que o conceito relevante de tempo aqui não é o de tempo newtoniano ou
estático, associado a um eixo que correlaciona espaço e tempo, mas o de
tempo subjetivo ou dinâmico, que significa um
fluxo contínuo de novas experiências, as quais não estão no tempo,
mas são o próprio tempo.
A
incognoscibilidade fundamental associada com o elemento tempo fica mais fácil
de ser entendida se olharmos para as expectativas dos participantes do mercado
e como estes afetam o desenrolar do processo de mercado e são afetados por ele.
Na microeconomia e na macroeconomia, as expectativas representam um
problema sempre que acontece uma mudança em alguma condição de mercado, seja na
oferta ou na demanda. Podemos deduzir que mudanças de preço e quantidades
acontecerão sob as novas condições de mercado apenas apelando para a famosa
suposição ceteris paribus. Mas o estado de expectativas não pode
ser apreendido desta suposição. A mudança de uma condição de mercado pode
causar expectativas sobre as condições futuras do mercado — e, portanto, sobre
os preços futuros, que a levem a mudar novamente. Nós não podemos prever,
no entanto, como estas expectativas serão formadas e reformuladas. Mudanças nas
expectativas, então, não são nem uma variável exógena nem uma variável
endógena.
Embora não
possamos afirmar com segurança que as expectativas sejam consistentes com os
preços concorrentes, podemos imaginar que sejam: o futuro não apenas é
desconhecido, ele é desconhecível mas nada impede que possa ser
imaginado. Se as expectativas podem ser assim consideradas, a análise
usual de oferta e demanda á aplicável. Mas também podemos imaginar que as
expectativas sobre um determinado preço, por exemplo, mudem e podemos supor que
a mudança seja em qualquer sentido. Suponha que um aumento na oferta de pneus
provoque uma queda no preço dos pneus. As expectativas de que o preço médio do
pneu voltará logo a seu nível anterior fará com que a demanda de pneus aumente,
pois os compradores tentarão tirar vantagem de uma oportunidade que é percebida
como temporária.
Por
outro lado, se as expectativas forem de que o preço dos pneus vai continuar a
cair, a demanda vai diminuir, porque os compradores assim esperam para tirar
proveito de uma oportunidade ainda melhor no futuro. Como Lachmann reconhece
várias vezes, é possível classificar as expectativas como sendo
"elásticas" ou "inelásticas" com respeito às alterações de
preços, mas prever qual será o caso em uma situação particular é outro
problema. Aqui devemos notar que a recomendação de Keynes de que preços e
salários não podem cair em resposta ao desemprego generalizado foi baseada na
suposição de que as expectativas seriam perversamente elásticas, ou seja, em um
caso particular.
Sobre
a questão do mercado de bens de capital de longo prazo, a visão de Lachmann
está em perfeito acordo com a discussão de Keynes de expectativas de longo
prazo. O preço atual de um iPhone reflete as expectativas sobre o preço
do iPhone, tanto agora como no futuro. Mas o fato de que o objeto das
expectativas está, em parte, no futuro distante é que é o problema, uma vez que
os preços no futuro distante são inerentemente mais difíceis de serem previstos
pelos participantes do mercado. Os preços atuais e as mudanças nos preços
atuais podem — e muitas vezes isso acontece — proporcionar pouca ou nenhuma
base para tais previsões. E, ainda, mais tempo terá que passar antes que as previsões
atuais, formadas em qualquer base, posam ser demonstradas como corretas ou
incorretas. Em que base alguém pode alegar que essas expectativas tendem a ser
corretas e que a ação humana nos mercados ao longo do tempo com base nessas
expectativas tendem a conduzir o mercado ao equilíbrio? Este é o ponto de
Lachmann.
O
problema das expectativas pode ser reformulado em um contexto macroeconômico
simplesmente pela extrapolação dos pneus para os bens de consumo e de
automóveis para bens de investimento ou de capital. Os investidores devem
investir hoje, com base em suas expectativas atuais sobre os gastos de consumo
em futuro relativamente distante. Essas expectativas podem ser baseadas em
parte no nível atual (ou em mudanças neste) das despesas de consumo. Mas não é
possível especificar como as despesas correntes são transplantadas em
expectativas sobre as despesas futuras.
Podemos
imaginar que uma redução nos gastos de consumo corrente seja considerada como
uma indicação de que os consumidores estão poupando agora, a fim de poderem
consumir mais no futuro. Tais expectativas, é claro, estimulariam os gastos de
investimento atual, de modo a se produzir uma quantidade maior de bens de
consumo disponíveis exatamente no tempo que os consumidores estarão dispostos a
consumir mais. [Notemos que este caso é um exemplo claro da famosa Quarta Proposição de John
Stuart Mill: "demanda por bens de consumo não é o mesmo que demanda por
trabalho"].
Poderíamos
também supor que a abstinência de gastos de consumo está servindo apenas para
atingir um nível mais elevado permanentemente de saldos monetários. Se isso for
corretamente refletido nas expectativas, este aumento na demanda de moeda teria
apenas um efeito transitório no produto real e no consumo real. Ou poderíamos
imaginar que uma redução nos gastos do consumidor é tomada como uma indicação
de que os consumidores pretendem usufruir mais tempo de lazer. Se esse for o
caso, as expectativas retardariam os investimentos até o ponto em que a
disponibilidade de bens de consumo caísse para um nível compatível e
consistente com o nível mais baixo de gastos de consumo.
Se
imaginarmos que as expectativas dos investidores coincidem com as intenções dos
consumidores, estaremos descartando o importante problema da coordenação
intertemporal. Se considerarmos, como Keynes, que os gastos de consumo corrente
são sempre o melhor indicador dos gastos de consumo futuro, estaremos assumindo
a inevitabilidade da descoordenação intertemporal. Quando os consumidores
consomem menos agora, a fim de poderem consumir mais no futuro, eles
encontrarão, nesse futuro, uma disponibilidade menor, em vez de maior, de bens
de consumo
Lachmann
se abstém de afirmar alguma perversidade inerente ao processo de mercado: ele
simplesmente deixa a questão sobre se podemos ou não contar com forças de
equilíbrio para atingir a coordenação intertemporal em aberto, para ser
considerada em algum momento futuro. Então, mesmo a afirmação de uma tendência
para o equilíbrio intertemporal tem que ser qualificada e este é para Lachmann
um entre outros problemas subjacentes à noção de equilíbrio.
3.
Robert Lucas e a existência permanente de equilíbrio nos mercados
Lachmann
faz uma distinção categórica entre o presente, em que os participantes do
mercado sabem o suficiente para encontrar o equilíbrio em cada mercado, e o
futuro, que é incognoscível. Já Robert Lucas nega essa distinção, pela maneira
particular de tratar o problema das expectativas. O futuro, tanto o próximo
como o distante, é considerado como se fosse analiticamente equivalente ao
presente. Para Lucas, o problema da coordenação intertemporal, então, não
é diferente do problema da, por exemplo, coordenação interespacial. Tempo e o
espaço podem ser dimensionalmente diferentes para o físico, mas não para o
economista, na visão de Lucas. Essas visões polares da distinção entre o
presente e o futuro e do significado da passagem do tempo são os elementos que
colocam Lachmann e Lucas em polos opostos em relação à questão das tendências
ao equilíbrio nos mercados.
Na
chamada "revolução das expectativas racionais", os modelos
econômicos trabalham com três hipóteses fundamentais: a primeira é que todos os
agentes econômicos estão permanentemente em seus pontos "ótimos", ou seja, os
consumidores maximizando sua satisfação, os empresários os seus lucros, os poupadores
o seu retorno, etc.; o segundo é que todos os preços são inteiramente
flexíveis, tanto para cima como para baixo (daí os economistas da Escola de
Expectativas Racionais serem conhecidos também como "novos clássicos"; e a
terceira é a hipótese de que as expectativas dos agentes econômicos são
racionais, o que pode ser traduzido como a suposição de que, na média, eles
formulam expectativas para o período t+1 para uma variável
qualquer, no final do período precedente, t, com base nas informações
disponíveis neste período e, quando chega o período t+1, a esperança matemática
(média) dessas expectativas se revela como correta.
Isto
revolucionou a teoria econômica, especialmente a macroeconomia, a partir dos
anos 70 e foi um duro golpe contra o keynesianismo, porque,
com a hipótese de expectativas racionais, as políticas keynesianas de
sintonia fina não produzem nenhum efeito sobre as variáveis reais, nem mesmo no
curto prazo (os monetaristas acreditavam e ainda creem que no curto prazo essas
políticas tinham e têm algum êxito, embora temporário e os neokeynesianos acreditam
piamente que seus efeitos podem ser permanentes).
Esta
conclusão de Lucas de que as políticas de expansão da demanda são ineficazes
mesmo no curto prazo ficou conhecida como a proposição da invariância.
Além disso, expansões na taxa de crescimento monetário também não produziriam
nenhum efeito sobre a taxa de crescimento da economia, resultado conhecido como
a superneutralidade da
moeda.
Na
figura 2, podemos comparar os resultados de uma política keynesiana de
expansão da demanda nos modelos de Milton Friedman e dos monetaristas (com
expectativas adaptativas) com os dos modelos de expectativas racionais de
Bob Lucas e dos novos clássicos. No gráfico, P representa o "nível
de preços", y o "PIB", S a oferta "agregada" e D a demanda "agregada"; yn,
por sua vez, é o nível normal ou natural do produto e admite-se que a economia
esteja no ponto A, com as expectativas ajustadas e que o nível de preços seja P0. Suponhamos
que o governo expanda a demanda agregada (por exemplo, emitindo moeda) de D0 para
D1.
No
modelo monetarista, a economia iria de A para A', o PIB subiria de yn para
y' e os preços também subiriam de P0 para P'. O governo, transitoriamente,
conseguiria aumentar o PIB. Mas, com o decorrer do tempo os agentes econômicos
perceberiam que o nível de preços observado, P', já era maior do que o esperado
inicialmente, P0. Isso provocaria reajustes de custos, deslocando
paulatinamente, por um processo de revisão das expectativas de preços
(adaptativas, ou seja, mediante consertos nos erros do passado), a oferta
agregada para a esquerda e para cima, de S0 para S1,
eliminando assim o efeito positivo inicial da expansão monetária. A linha vertical
que passa por yn representa, para os monetaristas a "curva
de oferta agregada de longo prazo", definida como o lugar geométrico dos
pares (y, P) em que as expectativas de preços estão corretas.
Já
com expectativas racionais a expansão monetária levaria imediatamente a
economia do ponto A para o ponto B, porque os agentes antecipariam o resultado
final da política expansionista do governo. É a proposição da invariância a que
aludimos, ou seja, o produto real (y) não varia em resposta a políticas anti-cíclicas.

Esses
modelos — tanto o de Friedman como o de Lucas — pecam essencialmente, para
não nos alongarmos muito, em cinco pontos: o primeiro é que trabalham com
"agregados", algo inexistente no mundo real; o segundo é que em ambos a moeda
nova "entra" na economia de maneira uniforme, como se em cada m2 do
país um helicóptero do Banco Central despejasse, digamos, uma cédula de 50
reais; o terceiro é que se baseiam em uma metodologia positivista,
completamente inadequada para uma ciência como a economia; o quarto é que ambos
carecem de uma teoria do capital (qualquer que esta viesse a ser) e isto é
fatal para sua invalidação como ferramenta que possa descrever o mundo dos
negócios; e o quinto é que mudanças na oferta monetária (bem como nos gastos do
governo) não afetam os preços relativos, o que é um verdadeiro absurdo em se
tratando da economia real, já que a moeda nova "cai" em pontos específicos da
estrutura de capital da economia e daí vai se espalhando como os círculos que
se formam quando jogamos uma pedrinha em um lago.
Adotando
o termo expectativas racionais, cunhado por John Muth em 1961
e o aprofundando, Robert Lucas conseguiu a mágica de trazer todo o futuro
para o presente. Racionalidade, para Muth, Lucas e os que o seguiram,
como Thomas Sargent e Neil Wallace, não significa a usual "transitividade
das funções de preferência", nem a ideia de comportamento intencional de
estirpe austríaca (ação humana), mas ao resultado estatístico
de que as expectativas são ditas racionais quando a
probabilidades subjetivas na percepção dos participantes do mercado coincidem
com as verdadeiras probabilidades de ocorrência dos eventos em estudo.
A
figura 3 mostra como, sob a hipótese de expectativas racionais, o futuro é
trazido imediatamente para o presente: tu, ts e tm,
que são instantes de tempo no futuro, são trazidos para tj, que é o
período atual. Assim, todas as decisões podem ser tomadas agora,
sem necessidade de esperar pelo futuro. Pode-se, por exemplo, resolver comprar
hoje um imóvel, porque você já sabe com certeza que seu valor
em, digamos, quinze anos, será fantástico. É evidente que modelos desse tipo
podem ser elegantes sob o ponto de vista matemático e estatístico, mas, em
termos de explicar o mundo real, são uma brincadeira de faz-de-conta.

Para
Lucas, a hipótese de expectativas racionais se aplica a todos os campos da
teoria econômica. Sob condições de incerteza genuína, nmhum participante do
mercado tem uma base para a formação de probabilidades subjetivas, Mas,
sob tais condições, nenhum economista tem qualquer sustentação para a aplicação
de qualquer argumento econômico. Em todas as outras condições, o raciocínio
econômico é aplicável e as expectativas são consideradas como racionais. Sendo
assim, as hipóteses seriam capazes de incorporar tanto os preços reais como as
expectativas de preços, em perfeita igualdade.
Para
Lachmann, naturalmente, essa visão está absolutamente equivocada.. Na ausência
de incerteza genuína, a análise econômica reduz-se a um conjunto de exercícios
de maximização de funções que estão mais para a engenharia do que para a
economia. O processo de mercado — contrariamente aos seus resultados finais
sob a condição assumida de ausência de incerteza, ou seja, de expectativas
racionais — está sempre se modificando com a passagem do tempo e,
portanto, sempre existem incertezas genuínas. No mundo real, os participantes
do mercado são obrigados a tomar decisões sem saberem quais dentre as
probabilidades relevantes são verdadeiras e também sem conhecerem todo o
espectro de resultados possíveis. Roger Garrison afirma que, se Lachmann
tivesse que adotar a terminologia de Lucas, ele provavelmente diria que as
expectativas, em seu próprio ponto de vista, são desprovidas de
racionalidade ("arrational").
Observemos
que a noção de expectativas racionais não fornece uma base
útil para a identificação de teorias alternativas que se baseiem em algum
comportamento explícita ou implicitamente tido como irracional por parte dos
agentes. Resultados teóricos que dependem de trabalhadores sistematicamente
sobrestimando o seu salário real ou investidores sobrestimando seus ganhos
perdem credibilidade, a não ser que tais erros sistemáticos possam ser
explicados em termos de conhecimento e restrições enfrentadas pelos participantes
do mercado. A visão crítica das expectativas racionais, para efeito
de compará-las com as visões de Lachmann e a de Mises, Hayek e Kirzner não
pretende discutir comportamentos irracionais desses vários tipos, mas sim
enfatizar o aspecto de ausência de racionalidade ("arrationality") exigidos
pela hipótese de incerteza genuína, que é fundamental para o subjetivismo
da Escola Austríaca.
Lachmann
é completamente cético sobre a existência de efetivas tendências equilibrantes,
ao passo que Lucas toma como certos os resultados finais dessas tendências. Em
suas construções teóricas, mesmo as voltadas para explicar os ciclos
econômicos, ele admite que preços e quantidades sempre estão em equilíbrio. Dessa
forma, Lucas não deixa qualquer possibilidade para a ausência de coordenação
intertemporal, que é justamente o que, na formulação austríaca, o
que caracteriza os ciclos. Para irmos além, em Lucas e nos novos
clássicos não há qualquer possibilidade de ausência de coordenação de
qualquer espécie..
Lucas
não deixa claro se os "modelos de equilíbrio dos ciclos de
negócios" ("equilibrium models of business cycles")consideram
os ciclos econômicos como sendo um "problema" em algum sentido. Mas o
fato de Lucas tratar os ciclos como um fenômeno de equilíbrio constitui mais um
motivo para localizá-lo no polo oposto ao de Lachmann. Para este, quando o
passar do tempo é levado em conta, as tendências de equilíbrio são postas em
xeque, enquanto para Lucas nem mesmo o decorrer do tempo atravessando um ciclo
completo e até mesmo além deste nos obriga a relaxarmos o pressuposto de
equilíbrio. Entre o caleidoscópio de Lachman e a economia
do faz-de-conta das expectativas racionais há visões
intermediárias sobre as perspectivas de possibilidade de se alcançar a
coordenação intertemporal. As visões de Mises, Hayek e Kirzner são bastante
interessantes, exatamente por causa da importância que esses autores — bem
como a maioria dos austríacos — devotam ao problema da coordenação
intertemporal.
Elas
serão analisadas na parte final deste artigo. (Clique aqui para ir para a parte final)
________________________________________________________
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