Embora
todos os meses tenhamos de lidar com o monstro "retendo na fonte" uma
considerável fatia da nossa renda, é no final do mês de abril que o imposto de
renda se torna uma forma de espoliação ainda mais explícita e ainda mais
insultuosa para o cidadão, que é obrigado a entregar ao governo — tal qual um
cidadão da Alemanha Oriental perante o STASI — um relato minucioso de todas as
suas movimentações e fontes de renda.
A
declaração do imposto de renda tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica
é um exercício que mostra perfeitamente por que somos duplamente escravos do
governo: além de termos de entregar parte da nossa renda para os burocratas, o
governo ainda nos força a fazer todo o trabalho de declaração gratuitamente,
sob ameaça de encarceramento caso algum detalhe seja esquecido.
Como
disse Hans-Hermann Hoppe nesta
entrevista não-publicada concedida a uma revista francesa:
Impostos nunca são, em qualquer nível de
tributação, consistentes com a liberdade individual e com os direitos de
propriedade. Impostos são pura e simplesmente um roubo, um assalto.
Os ladrões — o estado e seus funcionários e aliados — tentam fazer o melhor
possível para esconder esse fato, é claro, mas simplesmente não há como
fazê-lo.
Obviamente, impostos não podem ser
considerados pagamentos normais e voluntários por bens e serviços, pois você
não tem a permissão de parar de pagá-los caso não esteja satisfeito com o
produto que lhe é entregue.
Você não é punido caso pare de comprar
carros da Renault ou perfumes Chanel, mas irá para a cadeia caso pare de pagar
por universidades e escolas estatais, bem como caso não esteja mais a fim de
sustentar o senhor Sarkozy e sua pompa.
[...]
Tributar é um ato de roubar e extorquir; ato
esse por meio do qual um segmento da população, a classe dominante ligada ao
estado, enriquece a si própria à custa da classe restante, os dominados.
Exatamente
por isso, é compreensível que alguns economistas pró-livre mercado defendam a
abolição de todas as formas de imposto sobre a renda, substituindo essa
modalidade de espoliação por um imposto sobre o consumo, algo supostamente
menos tirânico. Afinal, com um imposto sobre o consumo, diz o argumento,
você pelo menos pode evitar a tributação: basta não consumir determinado
produto.
Só
que a alternância de impostos é justamente um dos truques favoritos do
governo. Sendo assim, economistas que defendem esta política estão
atuando exatamente como o governo deseja.
Quando
incorre neste engodo, o governo se utiliza do prospecto de reduzir um
determinado tipo de imposto para ganhar apoio popular para elevar outro tipo de
imposto. Frequentemente, ele reduz alguns impostos sobre o consumo com o
intuito de elevar outros impostos sobre a renda do cidadão e a receita das
empresas [no Brasil, há o truque de reduzir o IPI, a CIDE e o IOF e elevar a
COFINS e a CSLL, como fez atual o governo].
Mas
há também exemplos da medida inversa: uma redução de impostos sobre a renda do
cidadão e a receita das empresas e uma subsequente elevação de impostos que
incidem sobre o valor final dos bens de consumo. [Como quando o
governo concede uma redução da contribuição para o INSS, ou uma redução das
alíquotas do imposto de renda de pessoa jurídica ou alguma outra isenção fiscal
para um determinado setor em troca de um aumento do IPI e da CIDE em outros
setores].
O
segredo para entender o real objetivo desta trapaça é saber que o governo está
sempre atrás de mais dinheiro, e ele irá conseguir este dinheiro adicional de
um jeito ou de outro. Fazer um zigue-zague entre um método e outro não
altera a realidade. Mas é indiscutivelmente um método que pode enganar os
mais tolos. E pode também arrancar uma substancial quantia de dinheiro
dos grupos afetados durante o período de transição.
Uma
maneira particularmente útil de entender esse processo é imaginando um ladrão
que promete que irá parar de arrombar a sua casa pela porta da frente se você
deixar aberta a porta dos fundos. Quando o estado promete reduzir a
tributação da sua renda em troca de um aumento da tributação do seu consumo,
ele está agindo de maneira idêntica a este assaltante. A questão não é o método
do assalto, mas sim a quantia auferida pelo roubo.
E
os resultados são semelhantes.
Suponha que eu queira contratar você para consertar meu computador.
Ter este serviço feito vale $ 200 para mim, e efetuar tal serviço vale $ 200
para você. A transação ocorre porque nós temos esta coincidência de
desejos, e porque voluntariamente concordamos que tal transação melhorará nossa
situação.
Agora, suponha que o governo imponha uma alíquota de 30% de imposto (seja
ele na forma de imposto sobre sua renda ou na forma de um imposto indireto que
incide sobre o preço final do seu serviço).
Se o imposto for sobre a renda, o que ocorrerá é que, se você consertar meu
computador, você não mais receberá $ 200 — que era o que valia para você fazer
o serviço —, mas somente $ 140 após os impostos. Se o imposto for sobre
o preço, o valor final cobrado será de $ 260, valor esse que não mais me
interessa, pois ficou caro demais. O
serviço de reparação valia $200 para mim, e não $ 260.
Sendo assim, em ambos os casos, a transação deixa de ser interessante para
as partes envolvidas. Ela só irá ocorrer
se ao menos um dos lados consentir em sofrer perdas, o que diminui enormemente
a satisfação da transação.
Este exemplo simples demonstra que um dos efeitos dos impostos é o de destruir
as transações — e, por conseguinte, os empregos e a renda. Na mais
branda das hipóteses, impostos encarecem o valor final para o consumidor e
reduzem a renda total do trabalhador.
Este exemplo, por si só, mostra que substituir um imposto sobre a renda por
um imposto sobre o consumo não altera a tirania do arranjo. Mas, ainda assim, há economistas liberais que
preferem o segundo arranjo.
O
argumento desses economistas em prol de os impostos incidirem majoritariamente
sobre o consumo em vez de sobre a renda dos indivíduos e das empresas se baseia
nestas cinco alegações:
1. O imposto sobre o consumo ao menos é
voluntário: só paga quem consome
Embora
a afirmação seja verdadeira, o fato é que um imposto sobre o consumo é tão
coercivo quanto qualquer outro imposto. Com um imposto sobre a renda, se
eu tenho uma receita e não pago o imposto sobre ela, posso ser multado e
encarcerado. Com um imposto sobre o consumo, se eu consumir um item
tributado e o comerciante não pagar o tributo, ele será multado e encarcerado.
Em ambos os casos, um cidadão está sendo punido pelo estado.
É
verdade que eu posso optar por não consumir aquele item. Mas, pelo mesmo
raciocínio, com um imposto sobre a renda, eu posso optar por não ter renda
nenhuma.
O
fato é que nada é voluntário se eu não posso me eximir de participar. Não
existe esse negócio de 'imposto voluntário'. Se existisse, seria chamado
por algum outro nome. [No Brasil, país em que o governo é mais
avançado, o termo 'contribuição' já é corriqueiro, o que mostra que a população
caiu no engodo do governo].
2. Impostos sobre o consumo não oneram a
produção.
Falso.
Oneram sim. As empresas — principalmente as pequenas, que operam em
ambiente concorrencial — não determinam seus próprios preços, o que significa
que elas não podem simplesmente repassar integralmente o imposto sobre o
consumo para o consumidor. Se elas pudessem aumentar seus preços sem que
isso afetasse seus lucros, elas já teriam feito isso; não seria necessário
utilizar a desculpa do imposto para encarecer seus produtos.
Quando
o governo impõe um novo tributo sobre os produtos de uma empresa, tudo o mais
constante, essa empresa terá de absorver em suas operações o custo deste novo
imposto. Desta forma, o imposto sobre o consumo é um imposto sobre a produção,
sobre os salários, sobre o investimento, sobre a pesquisa e sobre todos os
outros aspectos da vida econômica.
3. O imposto sobre o consumo é mais
simples e menos oneroso para ser coletado
Supondo
que isso seja verdade, por que isso seria algo bom? Um imposto difícil de
ser coletado significa que a tentação para se elevá-lo é menor.
No
que mais, um imposto sobre o consumo pode ser fácil de ser coletado a uma
alíquota de 1%. No entanto, substituir o imposto de renda por um imposto
nacional sobre o consumo exigiria uma alíquota acima de 20%. Isso jogaria
os mercados no caos e criaria da noite para o dia um mercado paralelo em
absolutamente todos os bens e serviços, o que daria ao governo uma perfeita
desculpa para aumentar maciçamente seu despotismo e seus controles, o que
certamente levaria à imposição de um registro compulsório de informações de
transações.
4. Um imposto sobre o consumo não
tributa a poupança
No
geral, isso é verdade. Mas o governo não tem de assumir para si o papel
de incitar a população a um determinado padrão de consumo e de poupança.
Isso cabe a cada indivíduo decidir para si próprio. Poupar é ótimo quando
tal ato reflete uma preferência individual. O mesmo pode ser dito para o
consumo. Mas não há como saber a priori qual deve ser a proporção correta
entre poupança e consumo.
E
vale a pena refletir o seguinte: o grau em que um imposto sobre o consumo
desestimula o consumo é o mesmo em que ele reduz as receitas do governo.
Como é que um governo ávido por arrecadação vai lidar com esse paradoxo?
5. O imposto sobre o consumo, quaisquer
que sejam seus problemas, ao menos não é progressivo.
Muito
barulho é feito com essa questão das alíquotas progressivas do imposto de
renda, de modo que vários economistas liberais se dizem a favor de uma alíquota
única para o imposto de renda. Mas pense desta forma: você preferiria
pagar um imposto de renda com uma alíquota única de 40% ou preferiria tentar
encontrar brechas em um sistema que possuísse 20 alíquotas diferentes indo de
1% a 39% (tudo o mais constante)? Se você soubesse que pagaria menos sob
um sistema progressivo, é este que você iria preferir.
Conclusão
Os
defensores do imposto sobre o consumo, principalmente aqueles que alegam
defender o livre mercado, devem urgentemente redirecionar suas energias:
esqueçam o
método da tributação e
concentrem-se no
nível da
tributação. Adotem aquele princípio geral e universal que diz que,
quaisquer que sejam os impostos existentes, eles têm de ser reduzidos.
Voltando àquela analogia do assaltante de residências, o sistema ideal é
aquele que deixaria todas as portas e janelas completamente lacradas. E, voltando ao exemplo do computador, fica
então uma pergunta: você e eu, bem como todo o país, estaríamos em melhor
situação se você consertasse meu computador e eu lhe pagasse $ 200 em dinheiro
vivo e nós dois concordássemos em não declarar a transação para a Receita
Federal?
A resposta é sim e não. Sim, pois haveria mais transações, mais
empregos e mais riqueza. Não, pois seríamos tratados como criminosos caso
os burocratas descobrissem nossa transação voluntária, e poderíamos ir para a
cadeia.
Impostos são sagrados para políticos. É com impostos que eles mantêm
suas mordomias e é com impostos que eles distribuem agrados para a sua base
eleitoral. Os efeitos econômicos dos impostos sobre os reais
trabalhadores são um fenômeno pra lá de secundário nos cálculos desta gente.
Defensores
da liberdade e do livre mercado não devem querer reformar impostos. Nossa
batalha deve se concentrar na redução — e posterior eliminação — de todos
eles, começando pelo imposto de renda. Isso não é nada irrealista.
Uma abolição do imposto de renda de pessoa física e jurídica deixaria o governo
[do Brasil]
com a mesma arrecadação total de 2006. Por acaso o governo era tão
intoleravelmente pequeno naquela época?
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