segunda-feira, 2 set 2013
Este artigo é a parte final deste artigo
5. Empreendedorismo, capital e juros
Adam Smith excluiu do pensamento econômico a
importante figura do empreendedor, mas Say , por estar sempre preocupado com o
mundo real e não com situações de equilíbrio de longo prazo, trouxe-a de volta
ao palco. Não tão fortemente quanto Cantillon e Turgot, mas o suficiente para
que continuasse, embora de modo irregular, no pensamento econômico continental,
porém ainda ausente do mainstream dominante do classicismo britânico.
O que esses empresários fazem, na visão de Say? A
resposta é que usam sua
"indústria", ou, em linguagem moderna, "trabalho", para
organizar e dirigir os fatores de produção, de modo a alcançar a satisfação de
necessidades dos consumidores. Mas não
são meros gerentes, são previsores, avaliadores de projetos e que se arriscam
voluntariamente. Say usa a palavra "capital" um tanto confusamente, com duplo sentido, para
significar, segundo o contexto exige : (a) de bens de capital, que são
parte integrante da produção de novos bens finais, tal como na abordagem
austríaca, ou (b) o capital financeiro, visto como o funding da empresa.
Os primeiros são o resultado de algum
processo de produção mais indireto e, quando combinados com a indústria do
empreendedor, geram lucros ou prejuízos, ou seja, na linguagem austríaca, a "estrutura de capital" da
economia. O segundo é o resultado de poupar
uma parte da renda da atividade produtiva ganha no passado e gerar recebimentos
de juros.
Say era favorável ao empreendedorismo como força
motriz das alocações e ajustamentos da economia de mercado. Ele resumiu suas
ideias sobre o mercado afirmando que os desejos dos consumidores determinam o
que será produzido:
O produto mais procurado é de maior demanda, e o
que tem maior demanda gera o maior lucro para a indústria, capital e terra, que
portanto, são empregados na obtenção deste produto em particular, de
preferência, e vice-versa, quando um produto experimenta queda em sua demanda,
há uma queda no lucro para a indústria, capital e terra e isso pode levar o produto
a deixar de ser fabricado.
A partir de sua análise do capital,
empreendedorismo e mercado, Say concluiu ser o laissez faire o melhor
sistema econômico:
Os
próprios produtores são os únicos juízes competentes da transformação,
exportação e importação desses vários produtos e matérias-primas e cada governo
que interfere, cada sistema calculado para influenciar a produção, só pode
fazer o mal.
A análise de Say
das taxas de juros é, em muitos aspectos, notoriamente austríaca. Primeiro, porque ele percebe que a taxa de juros
não é o preço do dinheiro, mas o preço do crédito, ou "capital
emprestado", o que torna falso
afirmar que a abundância ou escassez de dinheiro regulam a taxa de juros. Naturalmente, ele pensava na taxa de juros
real e não na taxa nominal ou de mercado. Ele também viu claramente que as
taxas de juros devem incluir algum prêmio de risco, como uma espécie de seguro
para proteger de perdas devidas a defaults. Esse prêmio de risco será
muito grande quando, por exemplo, são impostas leis para que os credores não
tenham nenhum recurso legal contra devedore caloteiros. Além disso, Say
identifica o fato de que há diferenças de risco político entre as nações, que
levam a uma ordem internacional de taxas juros nominais. Em termos de política
pública, Say adota a mesma postura no que diz respeito aos mercados de crédito, ou seja : o Estado não deve se intrometer. A taxa de juros não deveria ser
controlada pelo Estado, ou determinada por lei, tais como os preços do vinho, do
linho, ou de qualquer outro produto.
6. Valor e
utilidade
Para Say, o valor é fundamentado na utilidade, que
é a propriedade que um bem ou serviço possui para satisfazer algum desejo
humano. Esses desejos e as preferências, expectativas e costumes que estão por
trás deles devem ser tomados como dados
pelo analista. A tarefa do economista é raciocinar sobre tais dados. Say
é mais enfático em negar as alegações de Adam Smith, David Ricardo, Malthus e
outros de que a base de valor é o trabalho. Outro componente austríaco de sua obra!
As duas categorias de valor para Say são
"valor de troca" e "valor de uso". O valor de troca encontra-se no domínio da
economia, porque é uma medida do que é preciso dar-se a fim de adquirir um bem
no mercado. Em termos econômicos, o único critério justo do valor de um objeto
é a quantidade de outras commodities em geral, que podem ser facilmente
obtidas por ele em troca. Tais
bens que possuem "valor de troca" hoje seriam chamados de "bens
econômicos", mas Say os denomina de "riqueza social". Em
contraste, algumas coisas, como o ar, a água e a luz do sol possuem apenas "valor
de uso", pois eles estão presentes em abundância, de maneira que não podem possuir um preço. Estes bens são
modernamente conhecidos como "bens livres", mas Say os denominava de
"riqueza natural".
Infelizmente, aderindo a essa taxonomia de valores,
Say incorre em um erro, ao concluir que, como a medida do valor econômico de um
bem é, literalmente e precisamente, o seu preço de mercado, então todas as
transações de mercado devem envolver a troca de valores iguais e isso, é claro,
implicar que nem compradores nem vendedores ganhem. Ou, em outras palavras,
todas as transações de mercado são um "jogo de soma zero". "Quando o vinho espanhol é comprado em
Paris, igual valor é realmente dado para igual valor: a prata paga, e o vinho
recebido, são dignos um do outro. Os austríacos são inflexíveis em
sustentar que os intercâmbios, enquanto são voluntários, devem ser mutuamente
benéficos em termos de utilidades esperadas por cada um, o comprador e o
vendedor. Se não for esse o caso, então por que o comprador e o vendedor
concordariam em negociar?
7. Tributação
Em
nenhum outro ponto o radicalismo de Say é mais evidente do que em sua crítica
da intervenção do governo na economia. Sucintamente, ele declara que o
auto-interesse e a busca de lucros é que empurram os empresários em relação à
satisfação da demanda do consumidor. "A
natureza dos produtos é sempre regulada pelas necessidades da sociedade",
portanto, "a interferência
legislativa é completamente supérflua". Que economista austríaco pode
discordar dessas afirmações?
Seus
comentários sobre uma série especial de atos legislativos são muito
instrutivos. O primeiro dos atos de navegação britânicos foi aprovado em 1581 e
foram reforçados em 1651 e 1660 e o último não foi revogado até 1849. Seu
propósito era reservar o comércio internacional exclusivamente para os
proprietários de navios da marinha mercante britânica. Say argumenta então que
tal monopolização do transporte comercial diminui a riqueza nacional (da
própria Grã-Bretanha), porque muitas vezes reduz os lucros dos mercadores que
transportam seus produtos ao mercado.
Hoje,
há muitos escritores que insistem em que as altas taxas de impostos e os altos
níveis concomitantes de gastos do governo, de alguma forma fazem com que uma
sociedade seja mais próspera. Naturalmente, Say sabia que isso é falso, apesar
do fato de que, do ponto de vista estatístico, a prosperidade e a tributação
podem ser correlacionados positivamente, já que os governos arrecadam mais
quando os negócios privados vão bem. Ele, porém, com lógica irretocável,
explica que tais afirmações cometem o erro de inverter causa e efeito. Ou
seja, o homem não é rico porque ele paga
muitos tributos, mas sim ele é capaz de pagá-los, em grande parte, porque ele é
rico.
Say não
hesita em identificar os gastos do governo como consumo improdutivo e a excessiva
tributação como uma espécie de suicídio. Outro
elemento austríaco.
É
verdade que Say ou negligenciou ou interpretou mal determinados pontos da
teoria dos economistas austríacos: ele não acredita que as trocas de mercado
representam ganhos de utilidade para o comprador e o vendedor, ele não vê a
relação entre taxas de juros e preferência temporal, ele não oferece nenhuma teoria
dos ciclos de negócios. Mas, por outro lado, ele está ciente das limitações de
investigações estatísticas, é muito favorável à moeda-commodity e ao free
banking, sabe que os empresários e a acumulação de capital são essenciais
para o avanço econômico, identifica corretamente tanto regulamentação
governamental e tributação como ameaças à prosperidade e, na verdade, até mesmo
como uma ameaça à própria sociedade civil.
Rothbard
[pág. 40] observa que, ao contrário de quase todos os outros economistas, Say
tinha uma visão espantosamente perspicaz sobre a verdadeira natureza do Estado
e de sua tributação. Em sua obra não há busca mística para algum estado
verdadeiramente voluntário, nem qualquer ponto de vista de que o Estado pode
ser como uma organização semiempresarial e prestadora benigna de serviços a um
público grato por seus inúmeros "benefícios". Pelo contrário, Say viu
claramente que os serviços governamentais são usados indubitavelmente para si
mesmo e para os seus favoritos e que todos os gastos do governo são, portanto,
gastos de consumo pelos políticos e pela burocracia. Ele também viu que os
recursos fiscais para os gastos públicos são extraídos por meio da coerção, em
detrimento do público pagador de impostos. Nisto,
além de antecipar o insight austríaco,
ele também antecipou as análises de James Buchanan e dos demais teóricos da
Public Choice!
Say tem
muito a oferecer a qualquer leitor, seja austríaco
ou não, seja economista ou não. Ele viu muitos imporem verdades importantes com
clareza e escreveu a respeito deles com paixão e lucidez. Certa vez referiu-se
à economia como "esta bela e, acima de tudo, útil ciência". E sem dúvida deixou a economia mais bela e
mais útil do que aquela que tinha encontrado.
8. Direitos de propriedade
Sobre
este tema, Say foi extremamente austríaco :
Não há segurança de
propriedade onde uma autoridade despótica pode apropriar-se da propriedade do
objeto contra o seu consentimento. Também não há tal segurança onde o
consentimento é meramente nominal e ilusório.
E mais :
A propriedade que um
homem tem sobre sua própria indústria (trabalho) é violada sempre que é proibido
o livre exercício de suas faculdades ou talentos, exceto até um ponto em que eles
iriam interferir nos direitos de terceiros.
Para
Say, resumindo, a propriedade privada e as liberdades individuais são fatos
reconhecidos, irrefutáveis e dados, que a ciência da economia política deve
supor e sem a qual a economia do mundo real não pode funcionar. Essa posição do
economista francês é que deve ter irritado profundamente Marx, a ponto deste,
para contestá-la, substituir a lógica dos argumentos pela ilógica dos
xingamentos, no intuito de desmoralizá-la. Tal como muitos de seus adoradores
nossos contemporâneos, o que Marx fez, ao invés de procurar refutar a Lei de Say cientificamente, foi apelar
para recursos em tudo similares às palavras de ordem que se tornaram tão comuns
em manifestações públicas e até em universidades.
9. As controvérsias: Sismondi, Ricardo,
Malthus e o contexto histórico da época
Em
interessante artigo,
intitulado Say, Sismondi e o debate continental sobre os mercados, o Professor Rogério Arthmar, da
Universidade Federal do Espírito Santo, relata o debate travado entre Say e Jean Charles
Léonard de Sismondi (1773-1842), um economista suíço e crítico severo da
revolução industrial e do capitalismo (embora não chegasse a ser um socialista
rígido), a respeito da possibilidade de saturação geral dos mercados, no
contexto histórico da Europa continental no início do século XIX,
destacando as particularidades da
experiência francesa de industrialização.
O
debate entre Say e Sismondi , segundo Athmar,
pode ser interpretado como um
desdobramento, no âmbito da teoria econômica liberal, do legado político da
Revolução Francesa. Mais precisamente, do princípio expresso desde cedo pelo
Abade Sieyès de constituir-se o terceiro Estado na própria nação. Fiéis a esse
preceito maior, tanto Say quanto Sismondi viriam a apregoar o livre comércio e
a abominar o consumo improdutivo de todas as ordens, fosse ele do governo ou da
nobreza. Distanciavam-se eles, assim, de qualquer ligação com as doutrinas
econômicas pré-revolucionárias, a saber, o mercantilismo e a fisiocracia,
desqualificadas como produtos do antigo regime monárquico. Essa confluência
política entre ambos, todavia, encerrava profundas divergências teóricas na
interpretação do melhor caminho a seguir pela sociedade francesa. No juízo de
Say, a industrialização representava a possibilidade de um futuro promissor
para todos, o acesso à civilização moderna proporcionado pela proliferação em
larga escala dos produtos e, por conseguinte, das necessidades. Sismondi, ao
contrário, embora sem jamais fazer concessões às teses socialistas ou aos
economistas heréticos de seu tempo, enxergava no capitalismo uma etapa
histórica única na qual o aumento dos poderes produtivos do capital havia sido
alçado à condição de prioridade absoluta em detrimento das condições de vida e
da capacidade de consumo dos verdadeiros artífices da riqueza social. [trecho
da conclusão]
Contudo,
o debate mais famoso de Say foi com Thomas Malthus (1766-1834). A argumentação contundente
de Say, em cinco
cartas, provê respostas às visões malthusianas
negativas sobre o impacto do aumento da população sobre o bem-estar dos
trabalhadores e fornece uma popularização de suas ideias econômicas. Em curto,
porém bastante elucidativo artigo, William L.
Anderson analisa a Lei de Say, desde os tempos em que o Traité foi publicado até os dias atuais (boa parte da discussão
econômica entre Ronald Reagan e Jimmy Carter, na campanha para as eleições de
1980, nos Estados Unidos, segundo Anderson, foi centrada na Lei de Say).
Thomas
Malthus contestou a Lei de Say em 1820, com uma peça que foi rapidamente
respondida por David Ricardo. No entanto, Thomas Sowell, em 1985, escreveu que o ataque mais
virulento veio de Karl Marx, que declarou a Lei de Say um "absurdo",
um "balbuciar infantil", uma "conversa oca lamentável",
"uma evasão insignificante" e chamou Say de "chato",
"fútil", "miserável", "imprudente" e "uma "farsa". Apesar de todos
esses "elogios" de Marx, no entanto, a maioria dos economistas do século XIX
foram convencidos pela lógica de Say e geralmente aceitaram a doutrina do
francês. Já naquele tempo, os xingamentos eram os "argumentos" de quem não tem
argumentos.
Sowell,
em 1994, escreveu que no sistema clássico a Lei de Say envolveu seis
proposições principais:
1. Os pagamentos totais recebidos pelos fatores
utilizados para a produção de um determinado volume (ou valor) de produto são
necessariamente suficientes para comprar esse volume (ou valor) de produto;
2.
Não há nenhuma perda de poder de compra em qualquer lugar na economia (em
outras palavras, nenhum "leakage"
keynesiano), pois as pessoas poupam apenas na medida do seu desejo de investir
e não de guardar dinheiro além do necessário para suas transações no período
atual;
3. O investimento é apenas uma transferência interna, e não uma redução
líquida da demanda agregada;
4. Em termos reais, a oferta é igual à demanda ex ante, uma vez que cada indivíduo
produz apenas por causa de sua demanda por outros bens;
5. A maior taxa de
poupança vai causar uma maior taxa de crescimento subsequente do produto
agregado;
6. Desequilíbrios na economia podem existir apenas porque as
proporções internas do produto diferem do mix
de preferência do consumidor – e não porque a produção é excessiva no agregado.
Como
Sowell aponta, até mesmo os críticos concordam com as três primeiras
proposições. Foram as três últimas que criaram a controvérsia (aqui deve também ser notado que a última
proposição ajuda a formar a base para a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos,
conforme descrita por Mises, Hayek e Rothbard).
Portanto,
o famoso capítulo XV do Traité — em que Say explica a lei dos
mercados — sempre foi motivo de aceitação e também de refutação, como até hoje
acontece. Mas o que dizer da controvérsia entre Say e Malthus, cuja teoria
pessimista previa que a população cresceria a taxas geométricas, enquanto os
meios de subsistência cresceriam a uma taxa aritmética, sendo, portanto, o
futuro infestado pela escassez?
Malthus
escreveu a David Ricardo em uma carta:
A
demanda efetiva consiste em dois elementos: o poder de compra e a vontade de
comprar. . . A nação deve, certamente, ter
o poder de comprar tudo o que ela produz, mas posso facilmente imaginar que não
tenha a vontade.
Malthus
era um clérigo inglês que ganhou fama por seu Ensaio sobre a População (1798), no qual ele previu que a taxa de
crescimento da população iria eventualmente ultrapassar o aumento do
fornecimento de alimentos, levando à fome em massa, como escrevemos linhas
atrás. Ao contrário de Smith, que era preocupado com a produção, Malthus
escolheu a questão da distribuição para enfatizar.
A noção
de pessoas que não têm vontade de consumir era certamente estranha para os
postulados da economia clássica. Smith havia argumentado que as pessoas desejam
ficar materialmente melhores do que estão em seu estado atual. No entanto, em
decorrência dos efeitos da revolução industrial, que provocou deslocamentos
maciços de camponeses para as cidades, houve especulações sobre o futuro dos
trabalhadores, o que levou à "Lei de
ferro dos salários" de Ricardo (nome, aliás, que Ricardo não deu à sua
teoria) e ao ensaio de Malthus sobre a população.
É muito
importante atentarmos para o contexto histórico daqueles tempos, que se
seguiram a dois dos mais importantes acontecimentos da história da civilização:
a revolução industrial e a revolução francesa de 1789. Esses dois eventos mudaram
o mundo político e o mundo econômico. E a teoria econômica não poderia ser mais
a mesma de antes.
No
início do século XIX, na Grã-Bretanha, a grande classe média, que agora domina
os países industrializados, era quase inexistente. As disparidades entre ricos
e pobres eram muito maiores do que são hoje e os economistas estavam incertos
sobre a forma como os trabalhadores se sairiam depois que a produção aumentou
com a revolução industrial. Alguns, como Malthus e Ricardo, acreditavam que os
trabalhadores viveriam sempre em níveis de subsistência, pois sua maior
produtividade seria minada por sua capacidade de produzir famílias cada vez
maiores. (Deve-se acrescentar que embora a base original para a "Lei de Ferro" tenha vindo de
Malthus, Ricardo foi mais dogmático sobre seus efeitos determinísticos do que
Malthus).
Além disso, o velho argumento da época mercantilista da
"utilidade da pobreza" não tinha sido totalmente enterrado. Os
trabalhadores, Malthus argumentou, "podem
ser satisfeitos com uma vida de comida simples, roupas mais pobres e casas mais
humildes. . . . "(Malthus, p. 9) Se isso fosse verdade, então os
trabalhadores, ao se tornarem mais produtivos através da industrialização,
provavelmente consumiriam menos do que aquilo que produziam. Isso seria deixar
as pequenas classes altas com o fardo de consumir esse excedente, algo que
Malthus duvidava que pudesse ocorrer.
Outra
base crítica de Malthus era a sua crença de que as trocas nem sempre envolvem
mercadorias por mercadorias, uma vez que também poderão ser trocadas por
serviços. Mercadorias — observou ele — não eram "figuras
matemáticas", mas sim algo existente para satisfazer desejos humanos. Se
os desejos estavam saciados, mas ainda existia renda extra, então iria ocorrer
um excesso.
Adam Smith
tinha escrito sobre a "demanda efetiva", que disse ser baseada na
capacidade de alguém para comprar um bem. Usando o exemplo do pobre e do
treinador, ele observou que alguém poderia "exigir" alguma coisa, mas
se não tivesse os recursos para comprar esse bem, em seguida, então não
existiria "demanda efetiva".
Na
opinião de Malthus, a demanda efetiva (que ele chamou de "effectual demand") também envolve a vontade de comprar
alguma coisa. Enquanto Smith aplicou um teste de meios para a demanda, Malthus acrescentou desejo. Em outras
palavras, alguém pode ter a capacidade de comprar um bem ou serviço, mas se não
o desejar, então a demanda será inexistente. Enquanto a análise de Malthus é
quase controversa do ponto de vista econômico, o clérigo viu algo economicamente
sinistro se os ricos não consomissem bens suficientes para evitar um excesso de
oferta.
David
Ricardo refutou com sucesso Malthus, pelo menos para a satisfação da maioria
dos economistas do século XIX. Como Say, ele baseou sua refutação, em 1817,
sobre a idéia de que as pessoas produzem não por razões de produção, mas por
razões de consumo:
Nenhum homem
produz a não ser com o objetivo de
consumir ou vender, e ele nunca vende, a não ser com a intenção de comprar
algum outro produto, que pode ser imediatamente útil para ele, ou que pode
contribuir para a produção futura. Ao produzir, então, torna-se necessariamente
ouconsumidor dos seus próprios bens, ou o comprador e consumidor de bens de
qualquer outra pessoa.
Ricardo,
como Say e outros economistas clássicos, não acreditava que poderiam ocorrer gluts, mas, em vez disso, considerou
que tais gluts eram apenas
temporários e proporcionais na natureza, em vez de serem gerais, como Malthus
afirmou. Ele observou: "Os homens erram em suas produções, não
há deficiência de demanda". Ricardo também escreveu:
Muito de uma
determinada mercadoria pode ser produzido, de tal modo que pode haver um tal
excesso no mercado, para não pagar o o capital dispendido sobre ela, mas isto
não pode ser o caso no que diz respeito a todas as mercadorias.
A
controvérsia Ricardo-Malthus é um dos capítulos mais interessantes da história
da Escola Clássica. Ricardo usou um argumento lógico poderoso, enquanto seu
adversário, embora levantando questões importantes, não foi capaz de enquadrar
os seus pontos de forma mais clara. A argumentação de Malthus também sofreu da
incapacidade do clérigo para diferenciar entre a demanda e a quantidade
demandada, e este problema, sem dúvida, prejudicava sua eficácia intelectual.
No
entanto, mesmo não tendo influenciado os pensadores econômicos mais influentes
de sua época, Malthus iria influenciar grandemente Keynes. Assim, o legado de
Malthus de desafiar a Lei de Say, infelizmente, não desapareceu e permanece até
os nossos dias.
10.
Conclusões
Nas cartas
a Malthus, fica bastante claro que as duas visões do mundo econômico são
determinadas pela teoria do valor endossada por cada um dos adversários :
enquanto Malthus e Ricardo aceitavam a teoria do valor trabalho herdada de Adam
Smith, segundo a qual o valor é determinado pelas horas de trabalho utilizadas
na produção de um bem, Say, antecipando Jevons, Walras e Carl Menger (que no
ano de 1871 concluíram que o valor depende da utilidade marginal), conseguiu
antever que era a capacidade de satisfazer as necessidades dos consumidores que
determina o valor, ou seja, que o valor depende da demanda. Este é o ponto
crucial !
Neste
sentido, Say estava corretíssimo e pode ser considerado um legítimo precursor
(ao lado de Juan de Mariana, Richard Cantillon e Bastiat, a quem influenciou)
da Escola Austríaca de Economia.
Duzentos
e dez anos após o Traité d´economie
politique de 1803, em tempos de ajuste difícil às rápidas mudanças globais
e tecnológicas, é tempo de se resgatar o valor do trabalho de Say, ao desenvolver
os fundamentos para uma sociedade livre: a estrutura legal-institucional e a
economia de mercado.
Mas a
história interminável de disputas sobre o conteúdo e validade da sua famosa "lei dos mercados" — de Sismondi a
Malthus, de Ricardo a Mill, de Keynes a Schumpeter — que confundiu tantos foi
reformulada numa versão mais popular por James Mill: "a oferta cria a sua própria procura", apotegma que foi
ardilosamente captado por Lord Keynes.
Como
muito bem exposto em
Jean Baptiste Say,
na página do Movimento Liberal Social — Liberalismo em Portugal,
Tal
formulação constituiu uma provocação para todos aqueles que defendiam que uma
procura pequena é a causa para um crescimento econômico pequeno, para a
depressão econômica e para o desemprego, e que a política de um governo para
aumentar a procura, via salários mais elevados e baixas taxas de juro, é a
melhor cura para o crescimento e criação de empregos: as "políticas pelo lado
da procura"de Keynes e dos Keynesianos, são ainda apreciadas pelos sindicados e
pelos socialistas. Say defende "políticas económicas pelo lado da oferta": Mais
investimento de capital cria mais produção e empregos mais bem pagos. Mas, numa
simplicidade bíblica, pode reconhecer Say pelos seus frutos, "políticas pelo
lado da oferta": A oferta cria a sua própria procura apenas se determinadas
pré-condições forem satisfeitas.
Como
alguém poderia formular hoje em dia, Say questiona por políticas que mantenham
sob controle a inflação, por forma a prevenir distorções no mecanismo de preços
relativos. Say exige a segurança da propriedade privada, definição livre de
preços, competição e mercados livres, como incentivos sustentáveis para manter
os empreendedores sempre na busca de melhores soluções para problemas antigos e
contemporâneos, para sinalizar aos empreendedores o que a população realmente
deseja: que produtos, como, onde e quando. Say exige também baixos impostos e
orçamentos equilibrados, que financiam a necessária estrutura legal e
institucional da economia de mercado, deixando sempre aos cidadãos e seus
descendentes, uma percentagem razoável dos frutos do seu trabalho. Hoje em dia
adicionaríamos: permitindo também que eles vivam uma vida em liberdade e
assumindo as suas responsabilidades'.
Na obra
completa de Say, especialmente no Traité,
encontramos, às vezes de maneira incompleta, outras vezes de forma fragmentada,
mas outras com feição integral, os elementos que identificam um economista como
austríaco, a saber, o tratamento que
dá aos conceitos básicos de ação, tempo e conhecimento, aos elementos de
propagação desses conceitos, a saber, a utilidade, a utilidade, o subjetivismo
e as ordens espontâneas, bem como os desdobramentos dessas ferramentas
analíticas nos problemas relacionados à Epistemologia, à Filosofia Política e,
principalmente, à Economia, no estudo dos mercados como processos, do
empreendedorismo, na rejeição ao uso da matemática e da estatística e nas questões
relacionadas às teorias monetária, do capital e dos ciclos econômicos.
Say,
senhoras e senhores (especialmente os jovens), foi um excepcional economista e
um dos mais importantes precursores da Escola Austríaca! Nosso papel como
defensores da economia de mercado e das liberdades individuais, contra a
opressão e a burocracia do Estado, deve ser o de dar a Say o que é de Say. Até
porque já o roubaram e deturparam muito nos últimos duzentos anos!
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