quarta-feira, 28 abr 2021
Apesar
de toda a ampla literatura disponível, ainda há pessoas que genuinamente
acreditam que a economia é um jogo de soma zero, isto é, que para algumas
pessoas ganharem outras têm necessariamente de perder.
Tais pessoas acreditam que a economia seria
uma espécie de bolo, cujo tamanho é fixo e representa toda a riqueza
disponível. Sendo assim, cada indivíduo
que se apossa de uma fatia está na realidade retirando esta fatia da boca de outro
indivíduo.
A verdade, no entanto, é que
este bolo de riqueza não tem um tamanho fixo; ao contrário, ele cresce de
maneira tal que há cada vez mais quantidade disponível para todos.
As circunstâncias e as ações
O
fundador da Escola Austríaca de economia, Carl Menger, deixou claro
que, para que uma coisa possa ser considerada um bem econômico, quatro
circunstâncias devem ser observadas: 1) deve existir uma necessidade humana; 2)
a coisa em questão deve ser capaz de satisfazer essa necessidade humana; 3) o
indivíduo deve conhecer a adequabilidade da coisa em satisfazer sua
necessidade; e 4) o indivíduo deve usufruir poder de disposição sobre esta
coisa.
Tendo
em mente estas quatro circunstâncias às quais o austríaco condicionou a
existência de bens econômicos, podemos deduzir por que a economia não é um jogo
de soma zero na qual toda a riqueza possível já se encontra dada de antemão.
Em
primeiro lugar, a imensa maioria das coisas, na forma como se encontram em seu estado natural, não nos permite
satisfazer nossas necessidades. Por mais
que toda a matéria já exista e esteja disponível na natureza, ela não nos foi
dada de uma forma que nos permita satisfazermos nossas necessidades. A matéria tem de ser trabalhada e
transformada por meio do trabalho e de investimentos.
A madeira das árvores deve ser cortada e
processada para a fabricação de abrigos dentro dos quais iremos morar; as
terras têm de ser aradas e cultivadas para que possamos colher alimentos que
irão saciar nossa fome; o ferro e o alumínio têm de ser extraídos das minas
para que seja possível a fabricação de aviões que irão nos transportar de um
ponto do globo a outro.
Só é possível
criar riquezas quando transformamos coisas (que não satisfazem diretamente
nossos desejos) em bens (que satisfazem). É por isso que recursos minerais que estão no subsolo não configuram
riqueza por si só. Eles têm antes de ser
transformados. E isso só irá ocorrer com
investimentos maciços, mão-de-obra capacitada e tecnologia avançada.
Em
segundo lugar, a incapacidade dos objetos em seu estado natural em satisfazer
diretamente nossas necessidades advém do fato de que nem sequer conhecemos
todas as suas combinações e usos possíveis. A tecnologia, que é a arte de combinar e ordenar a matéria para que ela
gere o resultado desejado, também não nos vem dada; antes, ela deve ser
descoberta por meio da investigação e da experimentação, duas atividades que,
por sua vez, requerem o uso de outros bens econômicos.
Em outras palavras, dado que não somos
oniscientes, não apenas temos de criar bens econômicos a partir das coisas que
nos circundam, como também temos de descobrir informações acerca de como
transformar essas coisas em bens econômicos — informações que, por si só,
constituem uma nova fonte de riqueza.
Terceiro
e último, por mais adequado que seja um bem em satisfazer nossas necessidades,
ele será totalmente inútil se não o tivermos ao nosso alcance. A natureza pode ter sido generosa em nos
agraciar com rios caudalosos por todo o planeta; no entanto, estes rios não
proporcionarão nenhum serviço àquele indivíduo que se encontra no meio do
deserto.
Em outras palavras, não apenas
temos de produzir os bens, como também temos de saber distribuí-los aos seus
usuários finais.
As trocas voluntárias explicitam nossas preferências subjetivas
Em
nossos sistemas econômicos, produção e distribuição andam de mãos dadas: com o
intuito de maximizar nossa eficiência na fabricação de bens econômicos, cada um
de nós se especializa em produzir um ou dois bens econômicos no máximo, mesmo
que necessitemos de uma grande variedade deles para satisfazer nossas mais
diversas necessidades — ou seja, somos produtores especializados e, ao mesmo
tempo, consumidores generalizados.
Demandamos
os mais amplos e variados bens econômicos e, em troca, podemos apenas ofertar
nossa extremamente limitada e específica especialização. E, ainda assim, as trocas ocorrem. Portanto, a maneira de termos acesso aos mais
diversos bens econômicos é oferecendo em troca nossa extremamente limitada oferta
de bens.
E isso ocorre por meio das
trocas comerciais.
O
problema é que, desde Aristóteles, a humanidade acredita que as trocas
comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade
de valor. Se o bem A é trocado pelo
bem B, então necessariamente o valor de A deveria ser igual ao valor de B. Consequentemente, nenhuma troca comercial
poderia gerar valor, e sim apenas redistribuí-lo.
A interpretação alternativa (a de que o valor
de A seria superior ao de B, ou vice-versa) seria ainda mais desalentadora,
pois implicaria que, em toda e qualquer transação, um lado ganharia à custa do
outro (ele entregaria algo com um valor objetivo maior em troca de algo com um
valor objetivo menor).
No
entanto, graças a Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o valor dos
bens não é objetivo mas sim subjetivo,
a realidade se comprova totalmente distinta: em toda e qualquer transação
comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do que àquele bem que está dando em troca.
Afinal, se não fosse assim
— se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que
está dando em troca —, a transação simplesmente não ocorreria.
Se João voluntariamente decide comprar um carro de Pedro por $ 20.000, o que podemos depreender de imediato desta transação é que João, presumivelmente, valoriza aquele carro mais do que qualquer outro bem ou serviço que ele pode obter com seus $ 30.000. Igualmente, Pedro valoriza mais o que ele pode fazer com $ 30.000 do que com seu carro.
João incorreu nesta transação porque acredita que ela o deixará em melhor situação — seja material, psicológica ou até mesmo financeira (ele pode, por exemplo, utilizar o carro como instrumento de trabalho e, assim, auferir um fluxo de renda futuro).
O mesmo vale para Pedro.
Ambos, por definição, não teriam incorrido nesta transação voluntária caso acreditassem que ela os deixaria em pior situação.
Quão melhor eles ficaram após a transação? É impossível responder com precisão. Podemos apenas dizer que, para João, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui ao carro adquirido e o valor de uso que ele atribuía ao $ 30.000 que deu a Pedro.
E, para Pedro, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui aos $ 30.000 que ganhou e o valor de uso que atribuía ao carro que deu em troca. (E não há nenhum motivo para dizer que os ganhos de João e Pedro são, ou deveriam ser, iguais).
Por isso, dizer que o valor de um bem ou serviço é subjetivo significa dizer que o valor deste bem ou serviço depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém (João no nosso exemplo) confere a ele. Se o bem ou serviço servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.
Em decorrência deste fato, conclui-se que os
indivíduos geram riqueza ao simplesmente trocarem bens econômicos. Ao fazerem isso, eles estão recorrendo a um
meio (trocas comerciais) para chegar àqueles fins que lhes são mais valiosos.
Simplesmente não tem como ser soma zero
Em
definitivo, a economia não é um jogo de soma zero, uma vez que durante todo o
processo de produção de bens e serviços estamos gerando riqueza: seja quando
investigamos como converter coisas em bens, quando de fato convertemos as
coisas em bens, e quando distribuímos os bens por meio das trocas comerciais.
Ao
contrário do que supõem os socialistas — que toda a riqueza já está criada e
dada, e que é necessário apenas redistribuí-la —, o livre mercado é o único
arranjo no qual os indivíduos podem se organizar de modo a incrementar ao
máximo possível a oferta de bens e serviços, os quais iremos utilizar para
satisfazer de maneira contínua nossos mais variados fins.
A
economia, portanto, não é um jogo de soma zero, mas sim um jogo de saldo
positivo e expansivo — a menos que o estado entre em cena e se aposse destes
ganhos.
O
bolo não está dado e não possui tamanho fixo. Ao contrário: ele cresce e permite fatias cada vez maiores para todos —
exceto se o estado entrar em cena e gulosamente abocanhar uma grande fatia.