segunda-feira, 17 fev 2014
Comentário do IMB
"O
socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros", disse Margaret
Thatcher. Na Venezuela, além do
dinheiro, acabou também a paciência da população.
Cansada
da escassez de produtos — falta de tudo: desde papel higiênico e jornais a
produtos básicos de alimentação —, da inflação de preços galopante, da
corrupção e da violência endêmica (a maior da América do Sul), dezenas de milhares de
pessoas estão nas ruas protestando desde quarta-feira da semana passada.
O
governo reprime as manifestações com violência.
Três
pessoas foram assassinadas pelo governo e mais de 60 estão feridas. A polícia está invadindo
casas a esmo à procura
do líder da oposição, que está foragido porque está jurado.
Há
vários vídeos no YouTube descrevendo a situação e mostrando imagens do
protesto. Este,
em espanhol e em inglês, resume o que está acontecendo na Venezuela. Este mostra imagens dos
confrontos e contém cenas fortes. Aqui
um manifestante é espancado pelas forças do governo. E este
mostra o exato momento em que um manifestante é assassinado.
Duas
páginas foram criadas no Facebook para narrar e mostrar, em tempo real, tudo o
que está acontecendo na Venezuela: SOS Venezuela e Somos más del
46% - Venezuela. Ambas estão
postando fotos das manifestações.
Segundo
o jornal espanhol El País, jornais e redes de televisão venezuelanos estão
limitando
a veiculação de notícias sobre as manifestações, a mando do governo.
Praticamente nenhum canal de televisão está transmitindo imagens dos
protestos. Jornais impressos, que dependem da autorização do governo para
a compra de papel, também têm dado pouco destaque às manifestações. Até o
momento, três jornalistas que cobriam os protestos estão presos.
O jornal espanhol também denunciou ainda a suspensão, por parte de Maduro,
dos serviços de metrô e ônibus que fazem o transporte entre Caracas e os
municípios próximos, Sucre, Chacao e Baruta, governados pela oposição — e
palco do início dos protestos.
O
artigo a seguir é um compêndio de nossos artigos sobre a Venezuela, organizado
de maneira cronológica. Ele permite
entender como as políticas econômicas do governo levaram a situação a este
ponto.
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A
turbulência econômica que fustiga a Venezuela tem recebido crescente
atenção da mídia internacional ao longo dos últimos meses.
À
medida que piora a situação econômica do país, seu governo vai se tornando cada vez
mais autoritário. No momento, ele está fazendo de tudo para solapar as
bases do já extremamente deteriorado tecido social do país.
Em
setembro de 2013, a contínua
escassez de papel higiênico (que ocorreu após a escassez de alimentos
e de apagões no setor elétrico) levou o governo a ocupar
uma fábrica de papel higiênico, com o uso maciço de força militar, com o
intuito de garantir uma "distribuição justa" dos estoques
disponíveis. Parece cômico, mas é imensamente trágico.
No
início de novembro, após o presidente Nicolás Maduro acusar os fabricantes de
manipulação de preços, ele ordenou que o exército ocupasse
as lojas e confiscasse todos os bens com o intuito de vendê-los a
"um preço justo". Ato contínuo, Maduro mandou prender os
comerciantes e ainda enviou o alerta de que "este é apenas o início de
tudo o que farei para proteger o povo venezuelano".
Logo
após esse confisco, multidões se aglomeraram, ao longo de todo o país, em
frente às portas de várias lojas de eletrodomésticos com o intuito de
saqueá-las, o que chegou a ocorrer em vários casos.
Maduro
asseverou que o governo iria, dali em diante, supervisionar todas as redes
varejistas do país para se assegurar de que os preços fossem significativamente
reduzidos. Também ordenou que todos os estoques das lojas deveriam ser
liquidados. Em um discurso televisionado, ele mandou
a mensagem: "Não deixem que nada permaneça nas prateleiras".
Também
no início de novembro, imediatamente após ter criado o Ministério
da Suprema Felicidade Social — em mais uma tentativa de garantir a
"felicidade para todas as pessoas" —, Maduro anunciou que iria antecipar
o natal para o mês de novembro. O intuito era "trazer felicidade
para o povo e combater a amargura". Ato contínuo, o presidente
começou a distribuir benesses
natalinas, já pensando nas eleições municipais de dezembro.
Mas
este populismo não era apenas uma questão de estratégia política. A taxa
de inflação de preços na Venezuela, como será demonstrado mais abaixo, já
está nos três dígitos. Em um cenário assim, os salários
precisam ser distribuídos de forma rápida, antes que os preços subam ainda
mais; daí a "antecipação" dos bônus natalinos. Esse tipo de
política não tem absolutamente nada de novo na história econômica do mundo: o
atual episódio hiperinflacionário da Venezuela está se desenrolando
de uma maneira muito semelhante ao da Alemanha da década de 1920.
A
história da economia venezuelana e de sua decadente moeda, o bolívar, pode ser
resumida na seguinte frase: "De mal a pior". Com efeito, a
situação já extremamente deteriorada da Venezuela conseguiu dar uma guinada
para pior.
A
espiral decadente da economia venezuelana começou de fato quando Hugo Chávez
decidiu impor seu "socialismo moreno" ao país, uma excentricidade
que, à época, chegou a ser relativamente bem recebida por vários setores da
grande mídia. Durante anos, a Venezuela manteve um volumoso programa de
gastos sociais combinado com controles de preços e salários e com um mercado de
trabalho extremamente rígido, além de manter, como política externa, uma
agressiva estratégia de ajuda internacional voltada majoritariamente para
Cuba. Todo este insano castelo de cartas conseguiu se manter solvente por
um bom tempo unicamente por causa das receitas do petróleo.
Mas
à medida que os custos deste populismo foram crescendo, o país teve de recorrer
com cada vez mais frequência aos cofres da estatal petrolífera PDVSA e à
impressora do dinheiro do Banco Central da Venezuela. Isso resultou em um
declínio contínuo do valor do bolívar — um declínio que se acelerou ainda mais
após começarem a surgir notícias sobre o crítico estado de saúde de Hugo Chávez.
A
morte de Chávez, no dia 5 de março de 2013, gerou um abalo sísmico em toda a
economia venezuelana. De maneira nada surpreendente, desde que seu
sucessor Maduro assumiu o controle do país, o castelo de cartas venezuelano
começou a desmoronar. A taxa de câmbio do bolívar no mercado paralelo
ilustra bem essa história. Desde a morte de Chávez até novembro de 2013,
o bolívar já perdeu 64,5% de seu valor em relação ao dólar no mercado paralelo,
como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico
1: taxa de câmbio bolívar/dólar no mercado paralelo (linha azul) versus taxa de
câmbio oficial declarada pelo governo (linha vermelha)
Essa
acentuada desvalorização do bolívar, por sua vez, gerou uma extremamente alta
inflação de preços na Venezuela. Para economias altamente estatizadas, a
desvalorização de uma moeda no mercado paralelo é o mensurador que melhor
estima o real valor dessa moeda. Com este mensurador, é possível inferir
que a inflação de preços "reprimida" na Venezuela está atualmente nos
três dígitos, alcançando o estonteante valor anual de 297%, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico
2: inflação de preços oficial (linha vermelha) versus inflação de preços
implícita (linha azul) acumuladas em 12 meses.
O
governo reagiu exatamente como todos os governos populistas reagem aos aumentos
de preços causados por suas próprias políticas: impondo controle de preços cada
vez mais rígidos. Obviamente, como Ludwig von Mises já havia
explicado há várias décadas, estas políticas não apenas fracassaram
completamente, como geraram um grande desabastecimento nos supermercados e uma
constrangedora escassez de vários produtos essenciais, como papel
higiênico.
De
fato, como mostra o gráfico abaixo, do próprio Banco Central da Venezuela,
aproximadamente 22,4% de todos os bens existentes no mercado simplesmente não
mais estão disponíveis nas lojas e nos supermercados da Venezuela. Esse
índice parece um remix daquela clássica música de Paul
McCartney: "Back in
the USSR".

Gráfico
3: Índice de escassez de bens nas lojas e supermercados
Apesar
dos congelamentos de preços e da escassez, nada foi feito para atacar a causa
básica das aflições inflacionárias da Venezuela, que é o descontrole da oferta
monetária.
Este
gráfico mostra a evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana
(agregado M3) de acordo com as estatísticas do próprio Banco Central
venezuelano. Em sete anos, a quantidade
de dinheiro na economia aumentou 93 vezes, ou incríveis 9.200%.

Gráfico
4: evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana
O
governo Maduro reagiu a tudo isso recorrendo exatamente às mesmas táticas
empregadas por outros regimes totalitários e com moedas destroçadas. Do
Zimbábue de Robert Mugabe à Coréia do Norte atual, o manual é simples: negar e
enganar.
A
verdadeira taxa de inflação de preços demonstrada no gráfico 2, de 297%, é
cinco vezes maior do que a taxa oficial de inflação de preços, de 54%, que é
divulgada pelo governo venezuelano e repetida pela imprensa internacional.
Com
efeito, vejo no Financial Times este valor de "54%"
e me pergunto: "Como eles acreditam nisso"? Mas a resposta é
cristalina: os censores venezuelanos são muito eficazes. Talvez não tanto
quanto os censores chineses, mas ainda assim eficazes. Os jornalistas
lotados em Caracas com os quais converso frequentemente me dizem que as
agências de notícias já fazem voluntariamente todo o trabalho de auto-censura
em prol do governo, pois querem evitar que seus jornalistas em Caracas sejam
expulsos do país.
O
problema é que, ao menos na Venezuela, tais políticas não são novidade
nenhuma. Há anos o governo controla os preços de vários bens. Por
exemplo, o preço do galão da gasolina prêmio está congelado em US$0,058, o que
faz com que um galão de gasolina seja mais barato que um galão de água potável
em Caracas.
Além
da escassez, controles de preços podem levar a consequências políticas não
imaginadas. Uma vez que os controles de preços são implementados, é muito
difícil revogá-los sem que isso gere inquietação popular — veja os distúrbios
que ocorreram em 1989 na Venezuela, quando o presidente Carlos Perez
tentou abolir o congelamento de preços.
Embora
o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente baixos no
mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias, privando vários
consumidores de ter acesso a bens essenciais. Controle de preços em
conjunto com uma regulação da margem de lucro não pode gerar outra coisa senão
o desabastecimento. Como resultado, a
escassez de produtos bateu recordes na Venezuela.
Recentemente,
em uma reação estouvada às aflições econômicas do país, Maduro exigiu — e
conseguiu — que o Congresso lhe concedesse poderes
emergenciais e ditatoriais sobre toda a economia. Sua primeira
medida foi estipular um limite
nos lucros das empresas. Essa, no entanto, é apenas uma tática para
gerar distração, pois a própria inflação de preços corrói os lucros e dilui a
taxa de retorno dos investimentos.
Maduro
também lançou um feroz ataque à indústria automotiva, assinando um decreto
para regular
a produção e os preços de automóveis "da porta da fábrica até os
pontos de revenda". Como consequência, o governo começou a controlar
os preços dos carros e a ameaçar de prisão todos aqueles que ousarem vender
automóveis aos seus preços de mercado. Será interessante ver quem Maduro
irá culpar quando esta medida resultar em escassez de novos carros.
O
governo venezuelano alega que a alta inflação de preços e o desabastecimento
generalizado de produtos básicos são resultado tanto de uma "guerra
econômica" feita pelos EUA quanto de maquinações maquiavélicas da
"classe burguesa parasítica" da Venezuela. Por isso, Maduro
começou a mobilizar suas tropas contra estes "inimigos" e passou a
encarcerar todos os comerciantes que pudessem ser enquadrados no crime de
"usura" e "extorsão".
Veja
no vídeo abaixo o desespero de um comerciante ao ser preso pelo governo pelo
simples fato de não ter reduzido seus preços como ordenava o governo:
Essa
escolha entre preço "justo" e encarceramento é agora a norma para os
empreendedores da Venezuela. Herbert Garcia, chefe do Alto Comissariado
para a Defesa Popular da Economia, disse
bem claramente: "Temos de garantir que todas as pessoas tenham uma TV
de plasma e uma geladeira de última geração".
O
único problema é que o governo não foi capaz de fazer com que sua rede estatal
de energia elétrica fornecesse eletricidade o suficiente para alimentar os
produtos eletroeletrônicos espoliados, e os constantes
e volumosos apagões não estão deixando os espoliadores usufruírem os
produtos de seus saques.
Comprovando
sua ignorância econômica, Maduro disse que o Banco Central venezuelano tem de
estar mais atento às maquinações dos empresários do país e divagou: "Se
estamos baixando os preços dos produtos em quase 100%, isso deveria impactar a
taxa de inflação, não?" É claro que não. Enquanto o Banco
Central continuar criando dinheiro para financiar o governo (ver o gráfico 4),
a inflação de preços continuará subindo. E ao ativamente estimular os
saques aos comerciantes, o governo está deliberadamente desestabilizando a
sociedade venezuelana, muito provavelmente com o intuito de ter a justificativa
para adotar medidas ainda mais radicais.
Em
abril de 2013, quando Nicolás Maduro oficialmente assumiu a presidência após uma
vitória bastante questionável nas urnas, várias pessoas especularam que ele
seria mais conciliador e moderado que seu antecessor Chávez. Ledo
engano. Já está claro agora que, sob Maduro, o chavismo foi elevado ao
paroxismo e que o pior ainda está por vir na Venezuela.