segunda-feira, 7 jul 2014
Houve
uma época em que o povo da Índia tinha de entrar em uma lista de espera para
conseguir comprar o carro
Ambassador,
que era fabricado pela
Hindustan
Motors e que era uma mera e óbvia cópia do sedã britânico
Morris Oxford de algumas
décadas anteriores.
O
motivo para essa lista de espera era simples: o governo indiano não permitia a
importação de carros estrangeiros, pois queria evitar a concorrência e, com
isso, "proteger e estimular" a indústria nacional.
O
fato de que o Ambassador era uma mera cópia não é nenhum motivo de
condenação. A primeira câmera Nikon era
uma óbvia cópia de uma câmera alemã chamada Contax, e a primeira Canon era
uma óbvia cópia da também alemã Leica. A diferença é que, ao longo dos anos, Nikons
e Canons foram se aperfeiçoando até se tornarem o estado da arte, tanto durante
a era do filme quanto na atual era digital.
O
mesmo não ocorreu com o Ambassador. O
carro se tornou famoso por sua péssima dirigibilidade, pelo seu baixo
desempenho e pelo seu pobre acabamento.
Porém, dado que ele era a única opção em toda a Índia, as pessoas não tinham alternativa a não ser entrar
em uma lista de espera que durava meses — em alguns casos, anos.
Em
comparação, Nikon e Canon já surgiram sendo reconhecidas como produtos de
qualidade, e foram melhorando ainda mais à medida que as empresas que as
produziam iam adquirindo mais prática e mais experiência. Operando em um mercado internacional altamente
competitivo e exigente, elas não tinham escolha: ou se aperfeiçoavam ou
desapareciam.
Por
outro lado, o Hindustan Ambassador não tinha esse problema da concorrência,
pois ele usufruía uma total reserva de mercado imposta pelo governo. Quem tinha problemas era quem comprava um
Ambassador.
No
final do século XX, a Índia começou a flexibilizar algumas de suas rígidas
regras e regulações que vinham estrangulando as empresas indianas. Embora a Índia ainda esteja bem longe de um
livre mercado, o simples fato de relaxar algumas de suas restrições econômicas
foi o suficiente para promover uma alta taxa de crescimento e uma substancial
redução em sua alarmante pobreza.
O
governo indiano até mesmo permitiu que uma fábrica automotiva japonesa se
instalasse na Índia e fabricasse ali seus carros. Isso resultou em um carro chamado Maruti, cujas vendas
rapidamente dispararam e levaram o carro ao topo da lista dos mais vendidos,
fazendo com que ele se tornasse o carro mais popular da Índia. Mas o evento mais notável foi este: a
concorrência do Maruti levou a vários aprimoramentos no Ambassador. Uma revista especializada britânica disse que
o Ambassador agora tinha uma "aceleração perceptível".
Agora
que havia concorrência, a revista britânica The
Economist anunciou que "os Marutis também estão sendo aprimorados, já se
antecipando à futura entrada de novos concorrentes em decorrência uma nova
rodada de abertura comercial".
Talvez
o último capítulo da história do Ambassador esteja sendo escrita neste momento:
a Hindustan Motors anunciou recentemente que estava fechando — indefinidamente
— a fábrica onde o Ambassador era construído.
De acordo com o The
Wall Street Journal, "a empresa citou a baixa produtividade, 'uma
crítica escassez de fundos', e uma baixa demanda por seu produto principal, o
Ambassador".
Após
essa pequena história, faça um rápido exercício mental: qual empresa do seu
país se parece com a Hindustan Motors?
Pense
em todas aquelas empresas (privadas ou estatais) que usufruem um
quase-monopólio de sua área em decorrência de tarifas de importações
proibitivas e de o mercado ser regulado por agências reguladoras. Fabricantes de automóveis, empresas de
telefonia, empresas aéreas, empresas de TV a cabo, empresas de eletricidade,
bancos etc. Os serviços delas são bons?
E
quanto aos Correios, cujo monopólio é o mais explícito e mais protegido?
Ironicamente,
a Índia privatizou parcialmente seus Correios ao permitir que empresas privadas
também entregassem correspondências e outros pacotes. Consequentemente, as entregas do correio
estatal caíram de 16 bilhões para menos de 8 bilhões em apenas seis anos, ao mesmo
tempo em que a população da Índia continuou crescendo a altas taxas.
Sempre
será possível manter uma empresa velha, pesada e ineficiente funcionando —
basta o governo despejar nela quantias ilimitadas de dinheiro confiscado dos
pagadores de impostos [como ocorre com os
Correios e com a Eletrobras], ou protegê-la da concorrência de estrangeiros
via regulações [como ocorre com todas as
outras empresas que são reguladas por agências reguladoras] ou via tarifas de importação.
A
Hindustan Motors teve de fechar suas portas porque o dinheiro acabou e porque
os concorrentes se mostraram superiores e mais bem preparados para atender aos
desejos dos consumidores indianos. Por quanto
tempo ainda teremos de manter nossas próprias versões do Hindustan Ambassador respirando
por aparelhos à custa dos pagadores de impostos e dos consumidores cativos que
não têm a liberdade de decidir de quais empresas irão comprar seus produtos?
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