quinta-feira, 25 set 2014
A
direita, vários liberais e até mesmo alguns libertários gostam de defender a
adoção de vouchers educacionais como uma alternativa para as escolas públicas.
Para
quem ainda não está familiarizado com o termo, um voucher escolar nada mais é
do que um certificado de financiamento emitido pelo governo e entregue para os
pais de uma criança em idade escolar. Em
posse desse voucher, os pais podem então colocar a criança na escola privada
que quiserem, sendo a mensalidade paga por este voucher — ou seja, paga pelos
pagadores de impostos.
O
argumento é o de que a adoção de um sistema universal de vouchers, os quais
estariam disponíveis para todos os pais e que poderiam ser utilizados em toda e
qualquer escola privada (religiosa ou não-religiosa, com ou sem fins
lucrativos), estimularia a concorrência entre as escolas, as quais estariam
agora à procura de mais alunos, independentemente da renda de seus pais.
No
que mais, prossegue o argumento, haveria também um aprimoramento da indústria
educacional privada, a qual se tornaria poderosa o bastante para contrabalançar
a maléfica influência das escolas públicas, sua burocracia e, principalmente,
seus sindicatos de professores, um dos mais poderosos grupos de interesse
esquerdista de qualquer país.
O
grande problema é que, não apenas esse argumento não se sustenta, como ele na
realidade é um delírio completo.
As
escolas que aceitarem entrar nesse programa de vouchers irão facilmente se
tornar uma província dos reguladores e dos burocratas do governo, os quais
agora estarão no controle do dinheiro da mensalidade. Se os burocratas controlam o dinheiro, então
eles têm o poder de determinar como cada escola deverá agir. E as escolas, ansiosas por esse dinheiro,
irão aquiescer tranquilamente.
Para
piorar, o dinheiro que financia os vouchers continua sendo confiscado dos
pagadores de impostos, os quais já são espoliados para bancar as escolas
públicas.
Ou
seja, em vez de reduzirem, os vouchers aumentam o envolvimento do governo na
educação.
Mas
as coisas pioram. No final da década de
1990, o estado da Flórida adotou o programa de voucher, mas especificou que
apenas os piores alunos das piores escolas públicas poderiam utilizá-lo. As crianças com bons ou até mesmo razoáveis
históricos escolares não eram elegíveis para o programa. Consequência: houve uma fragorosa queda na
qualidade do ensino dessas escolas privadas, que agora tinham de lidar com
alunos bem mais atrasados em termos de aprendizado.
[No
Brasil, temos algo semelhante aos vouchers, só que em nível universitário: o
ProUni. Os resultados foram o encarecimento das mensalidades e a piora
da educação das universidades particulares que recebem esse subsídio, pois
agora elas não mais precisam competir por novos alunos; o governo já garante a
receita. O lucro é garantido, mesmo que os serviços prestados estejam em queda
livre.]
Na
melhor das hipóteses, os vouchers são uma tentativa cara e perigosa de
reinventar o conceito de escola pública, uma tentativa fadada ao fracasso. Na pior das hipóteses, vouchers são uma
tentativa de forçar as escolas privadas a funcionar exatamente como as escolas
públicas.
Apenas
imagine toda a burocracia e todas as regulamentações que seriam impostas sobre
as escolas privadas em troca desse enorme subsídio que elas agora receberiam do
governo? Com o governo estando
efetivamente no controle das escolas privadas, elas rapidamente passariam a
funcionar como escolas públicas.
E
isso não é uma mera questão de previsão ou de opinião. A própria esquerda admite isso e torce para
que isso aconteça. Veja, por exemplo, esse
artigo escrito por um famoso
colunista progressista em defesa dos vouchers.
O articulista repreende aquela parcela da esquerda que ainda não apoia
os vouchers e que não é iluminada o bastante para perceber suas intrínsecas
vantagens. Segundo o articulista, os
vouchers aumentam os gastos estatais com educação, privilegiam os pobres, e
submetem escolas privadas ao controle do estado. De uma perspectiva socialista, pergunta ele,
o que há de errado com esse arranjo? Boa
pergunta, realmente.
Não
é de se estranhar, portanto, que, nos últimos anos, a esquerda em geral tenha
se tornado bastante receptiva aos vouchers e a outros programas de financiamento público de instituições educacionais privadas. Ambos são um gigantesco programa estatal que, em vez de reduzir,
aumenta o papel do estado na educação, e que irá transformar qualquer
instituição privada que os aceite em uma cópia carbono das escolas
públicas.
O
problema da educação não pode ser solucionado por paliativos, e nem muito menos
por programas que transformem escolas privadas em escolas públicas. Enquanto houver dinheiro de impostos
envolvido no esquema, o governo sempre estará no controle do espetáculo —
coisa que, aliás, os artistas que vivem de subsídios estatais já entenderem há
muito tempo.
Mas não seria ao menos uma medida na
direção certa?
No
entanto, considerando-se o atual estado das coisas, e a atual situação
calamitosa das escolas públicas, os vouchers não seriam ao menos uma medida na
direção correta? Eles não seriam melhor
do que não fazer nada?
Ao
contrário: os vouchers piorarão as
coisas. Em vez de aumentar as
oportunidades educacionais, os vouchers irão aumentar os tentáculos do governo
sobre a educação, aumentar os custos da educação, aumentar a dependência das
pessoas em relação ao estado, e aumentar o poder geral do estado.
Dado
que o estado sempre acaba controlando aquilo que ele subsidia, as escolas
privadas que aceitarem os vouchers estarão sujeitas a todos os tipos de
regulamentação estatal. Dado o histórico
do estado, é inconcebível que ele opere de outra maneira. As escolas privadas passarão a prestar contas
ao estado, e não mais aos pais.
Vouchers,
assim como a fajuta "privatização" da Previdência Social — a qual obriga os
trabalhadores a continuarem dando seu suado dinheiro para um esquema
fraudulento, com a única diferença que tal esquema agora será gerido por
empresas privadas —, são apenas mais uma tentativa de alcançar resultados de mercado
utilizando meios socialistas. Isso,
aliás, é o inverso do antigo hábito social democrata, em que o objetivo era
alcançar o socialismo utilizando meios de mercado.
No
entanto, como todo e qualquer esquema de economia mista, seja o estatismo
aplicado aos meios ou aos fins, o resultado será ruim para as finanças
públicas, ruim para a produtividade da economia, e ruim para a liberdade.
Conclusão
O
verdadeiro desafio é entender por que conservadores, libertários e ativistas
religiosos defendem esse esquema de vouchers para a educação. Talvez eles passaram a acreditar em toda
aquela retórica neoconservadora sobre desigualdade educacional, sobre a aflição
dos pobres que não conseguem pagar escolas de luxo, e sobre os injustos
privilégios usufruídos por aqueles que podem pagar por escolas boas.
Observe
que tal retórica implica que a culpa é toda das escolas boas, que são muito
caras, e não dos próprios pais que não conseguem fornecer educação para seus
filhos, uma das obrigações inerentes à paternidade.
A
solução? Traçar uma linha estrita e
inflexível separando educação e estado, jamais permitindo que as finanças de
ambos se misturem.
O
próprio Ludwig von Mises já
havia previsto, ainda na década de 1920, que o envolvimento do estado na
educação não daria coisa boa: "Existe, com efeito, apenas uma solução: o
estado, o governo e as leis não devem, de maneira nenhuma, se envolver com a
escola e com a educação. A criação e a instrução dos jovens devem
ser inteiramente deixadas a cargo dos pais e de instituições e associações
privadas."
Se
há algum futuro para a educação, não será por meio de mais gastos e programas
estatais; não será por meio de mais controle e centralização do estado. Isso é apenas mais do mesmo. Imaginar que burocratas — os quais nem
sequer se educaram a si próprios — têm a solução para a educação de todo um
país é a própria definição da insanidade.
O
futuro da educação está no aumento do envolvimento dos pais; está no
envolvimento das famílias; está no homeschooling; está no uso gratuito da
internet; está em nível local, e não em nível federal; está nos gastos
privados, e não no esbanjamento do dinheiro de impostos; está no esforço
individual, e não em professores sindicalizados. Cada um tem de correr atrás da própria educação
em vez de esperar que ela lhe seja entregue mastigada por um burocrata.
O
ideal é o envolvimento zero do governo.
Por que os defensores da liberdade têm de ser frequentemente relembrados
disso?
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Sugestão
de artigos que mostram soluções para a educação:
A obrigatoriedade do diploma
- ou, por que a liberdade assusta tanto?
A educação livre
Educação e liberdade:
apontamentos para uma prática pedagógica não coercitiva
O Homeschooling nos EUA (e
no Brasil)
Melhorando os sistemas de
saúde e educação em três passos (Concurso IMB)
A educação como mercadoria
Educação Pública - Um
fetiche socialista
Educação e liberdade