Um
dos passatempos favoritos de sociólogos e demais intelectuais da área social é
discutir justamente um dos assuntos menos controversos de toda a área
sociológica: as causas da pobreza.
Por
que a discussão é inócua? Simples:
porque a pobreza é a condição natural
do ser humano.
Há
muito pouco de complicado ou de interessante na pobreza. A pobreza sempre foi a norma; a pobreza
sempre foi a condição natural e permanente do homem ao longo da história do
mundo.
As
causas da pobreza são bem simples e diretas.
Em qualquer lugar em que não haja empreendedorismo, respeito à
propriedade privada, segurança jurídica, acumulação de capital e investimento,
a pobreza será a condição predominante.
Isole um grupo de pessoas em uma ilha, peça para que elas não tenham
nenhuma livre iniciativa, proíba a propriedade de bens escassos, e você verá
que a pobreza será a condição geral e permanente dessas pessoas.
Em
termos gerais, indivíduos em particular ou nações inteiras em geral são pobres
por uma ou mais das seguintes razões: (1) eles não podem ou não sabem produzir
muitos bens ou serviços que sejam muito apreciados por outros; (2) eles podem e
sabem produzir bens ou serviços apreciados por outros, mas são impedidos de
fazer isso; ou (3) eles voluntariamente optam por ser pobres.
O
que é realmente desafiador é discutir as causas
da riqueza; discutir o que realmente eleva as pessoas de sua condição
natural (a pobreza) para a opulência e a fartura.
O
verdadeiro mistério é entender por que realmente existe alguma riqueza no
mundo. Como é que uma pequena fatia da população humana (em sua maioria
no Ocidente), por apenas um curto período da história humana (principalmente
nos séculos XIX, XX e XXI), conseguiu escapar do mesmo destino de seus
predecessores?
A ascensão
O
sistema pré-capitalista de produção era restritivo. Sua base histórica
era a conquista militar. Os reis vitoriosos cediam a terra conquistada
aos seus paladinos. Esses aristocratas eram lordes no sentido literal da
palavra, uma vez que eles não dependiam de satisfazer consumidores; seu êxito
não dependia de consumidores consumindo ou se abstendo de consumir seus
produtos no mercado.
Por
outro lado, eles próprios eram os principais clientes das indústrias de
processamento, as quais, sob o sistema de guildas, eram
organizadas em um esquema corporativista (as corporações
de ofício). Tal esquema se opunha fervorosamente a qualquer tipo de
inovação. Ele proibia qualquer variação e divergência dos métodos
tradicionais de produção. Era extremamente limitado o número de pessoas
para quem havia empregos até mesmo na agricultura ou nas artes e trabalhos
manuais.
Sob
essas condições, vários homens, para utilizar as palavras de Malthus,
descobriram que "não há vagas para eles no lauto banquete da
natureza", e que ela, a natureza, "o ordena a dar o fora".[1]
Porém, alguns destes proscritos ainda assim conseguiram sobreviver e ter
filhos. Com isso, fizeram com que o número de desamparados crescesse
desesperadoramente.
Mas
então surgiu o capitalismo.
A
feição característica do capitalismo que o distinguiu dos métodos pré-capitalistas
de produção era o seu novo princípio de distribuição e comercialização de
mercadorias. Surgiram as fábricas e
começou-se a produzir bens baratos para a multidão. Todas as fábricas
primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que
trabalhava nas fábricas.
Elas
serviam às massas tanto de forma direta quanto indireta: de forma direta quando
lhes supriam produtos diretamente, e de forma indireta quando exportavam seus
produtos, o que possibilitava que bens e matérias-primas estrangeiros pudessem
ser importados. Este princípio de distribuição e comercialização de
mercadorias foi a característica inconfundível do capitalismo primitivo, assim
como é do capitalismo moderno.
O
capitalismo, em conjunto com a criatividade tecnológica, foi o que livrou o
Ocidente do fantasma da armadilha malthusiana.
Antes da Revolução
Industrial, as populações crescentes pressionavam inexoravelmente os meios
de subsistência. Porém, quando as
fábricas de Manchester, na Inglaterra, começaram a atrair um volume maciço de
pobres que estavam ociosos no meio rural, e quando elas passaram a importar
trigo barato, Malthus se tornou um profeta desacreditado em sua própria
Grã-Bretanha.
Como
acabou ocorrendo, toda a criatividade e inventividade que o capitalismo
desencadeou se refletiu nas estatísticas de natalidade: pessoas de classe média
que não mais necessitavam gerar famílias grandes para ter filhos que
trabalhasse e ajudassem no sustento começaram a limitar a quantidade de filhos.
Essa
combinação entre famílias menores e uma aplicação mais engenhosa da ciência à
agricultura acabou com o problema da inanição no Ocidente. A partir daí, a pobreza deixou de ser
predominante e passou a ficar restrita a um número cada vez menor de pessoas.
Riqueza
e pobreza
A
diferença entre o Robinson Crusoé pobre e o Robinson Crusoé rico é
aparentemente simples, porém essencial: o rico dispõe de bens de
capital. E para ter esses bens de capital, ele teve de poupar e
investir.
Bens
de capital são fatores de produção — no mundo atual, ferramentas, maquinários,
computadores, equipamentos de construção, tratores, escavadeiras, britadeiras,
serras elétricas, edificações, fábricas, meios de transporte e de comunicação,
minas, fazendas agrícolas, armazéns, escritórios etc. — que auxiliam os seres
humanos em suas tarefas e, consequentemente, tornam o trabalho humano mais
produtivo.
Os
bens de capital do Robinson Crusoé rico (por exemplo, uma rede e uma vara de
pescar, construídas com bens que ele demorou, digamos, 5 dias para produzir)
foram obtidos porque ele poupou (absteve-se do consumo) e, por meio de seu
trabalho, transformou os recursos que ele não havia consumido em bens de
capital. Estes bens de capital permitiram ao Robinson Crusoé rico
produzir bens de consumo (pescar peixes e colher frutas) e com
isso seguir vivendo cada vez melhor.
Já
o Robinson Crusoé pobre, por sua vez, não dispõe de bens de capital. Todo
o seu trabalho é feito à mão. Consequentemente, ele é menos produtivo e,
por produzir menos e ter menos bens à sua disposição, ele é mais pobre e seu
padrão de vida é mais baixo.
O
Robinson Crusoé rico é mais produtivo. E, por ser mais produtivo, não
apenas ele pode descansar mais, como também pode poupar mais, o que irá lhe
permitir acumular ainda mais bens de capital e consequentemente aumentar ainda
mais a sua produtividade no futuro.
Já
o Robinson Crusoé pobre consome tudo o que produz. Ele não tem outra
opção. Como ele não é produtivo, ele não pode se dar ao luxo de descansar
e poupar. Essa ausência de poupança compromete suas chances de aumentar
seu padrão de vida no futuro.
O
mesmo raciocínio pode ser aplicado para se diferenciar uma nação rica de uma
nação pobre.
Que
diferença há entre EUA e Índia? Será que a população indiana é mais pobre
porque trabalha menos? Não. Na Índia, trabalha-se até mais do que
nos EUA. Será que um indiano — ou um egípcio ou um mexicano ou um
haitiano — possui menos conhecimento tecnológico que um americano ou um
suíço? Não, o conhecimento está hoje disperso pelo mundo e tende a ser o
mesmo. Com efeito, os técnicos indianos são reconhecidos como uns dos
melhores do mundo. Então, por que há pessoas desnutridas e morrendo de
inanição em Calcutá mas não em Zurique ou em San Francisco?
A
diferença entre uma nação rica e uma nação pobre pode ser explicada
exclusivamente por um único fator: a nação rica possui uma quantia
muito maior de bens de capital do que uma nação pobre.
Ao
passo que na Índia um agricultor cultiva sua terra com duas vacas e um arado,
nos EUA, um agricultor utiliza um trator e um computador. E, com esses
bens de capital, ele é múltiplas vezes mais produtivo do que seu congênere
indiano. O americano seria o Robinson Crusoé rico, que possui uma rede e
uma vara de pescar; o indiano seria o Robinson Crusoé pobre, que utiliza as
próprias mãos para colher alimentos.
Quando
um indivíduo tem de utilizar apenas o trabalho de suas mãos, e o produto que
ele produz é utilizado imediatamente para seu consumo final, ele é pobre.
Quando este mesmo indivíduo passa a utilizar bens de capital, como tratores,
computadores e vários tipos de máquinas — os quais só puderam ser construídos
graças à poupança e ao subsequente investimento de outras pessoas —, ele pode
multiplicar acentuadamente sua produtividade e, consequentemente, ser muito
mais rico.
Quanto
maior a estrutura de produção — isto é, quanto maior o número de etapas
intermediárias utilizadas para a produção de um bem —, mais produtivo tende a
ser o processo de produção. Por exemplo, se o bem de consumo a ser
produzido é o milho, você tem de preparar e cultivar a terra. Você pode
fazer tal tarefa com um arado ou com um trator. O trator moderno é um bem
de capital cuja produção exige um conjunto de etapas muito mais numeroso,
complexo e prolongado do que o número de etapas necessário para a produção de
um arado. Consequentemente, para arar a terra, um trator moderno é muito
mais produtivo do que um arado. Portanto, o processo de produção do milho
será mais produtivo caso você utilize um trator (cuja produção demandou um
processo de várias etapas) em vez de um arado (cujo processo de produção é
extremamente mais simples).
Isto
explica por que um trabalhador nos EUA ganha um salário muito maior do que um
trabalhador na Índia executando a mesma função. O primeiro possui à sua
disposição bens de capital em maior quantidade e de maior qualidade do que o
segundo. Logo, o primeiro produz muito mais do que o segundo em um mesmo
período de tempo. Quem produz mais pode ganhar salários maiores.
Essa
é a característica que diferencia um país rico de um país pobre.
As
causas da riqueza
A
única maneira de se favorecer as classes trabalhadoras e os mais pobres,
portanto, é dotando-lhes de bens de capital, os quais são produzidos graças à
poupança e ao investimento de capitalistas.
O
que é um capitalista? Capitalista é todo indivíduo que poupa (que consome
menos do que poderia) e que, ao abrir mão de seu consumo, permite que recursos
escassos sejam utilizados para a criação de bens de capital.
Consequentemente,
se um determinado país pobre quer enriquecer, ele deve criar um ambiente
empreendedorial e institucional que garanta a segurança da poupança e dos
investimentos. A primeira medida que ele tem de
tomar é criar um ambiente propício ao empreendedorismo e à livre iniciativa.
A
única maneira de se sair da pobreza é fomentando a poupança, permitindo o livre
investimento da poupança em bens de capital, e estabelecendo um sistema de
respeito à propriedade privada que favoreça a criatividade empresarial e a
livre iniciativa. O que gera riqueza para um país é poupança, acumulação
de capital, divisão do trabalho, capacidade intelectual da população (se a
população for inepta, a mão-de-obra terá de ser importada), respeito à
propriedade privada, baixa tributação, segurança institucional, segurança
jurídica, desregulamentação econômica, moeda forte, ausência de inflação,
empreendedorismo da população, leis confiáveis e estáveis, arcabouço jurídico
sensato e independente etc.
Em
suma, é necessário haver um ambiente que permita que os capitalistas tenham
liberdade e segurança para investir e desfrutar os frutos de seus investimentos
(o lucro).
Um
país que persegue os capitalistas, que tolhe a livre iniciativa, que não
assegura a propriedade privada, que tributa os lucros gerados pelos
investimentos, e que cria burocracias e regulamentações sobre vários setores do
mercado é um país condenado à pobreza.
Já
um país que fomenta a poupança, que respeita a propriedade privada, que fornece segurança jurídica e institucional, e que
permite a liberdade empreendedorial e a acumulação de bens de capital é um país
que sairá da pobreza e em poucas gerações poderá chegar à vanguarda do
desenvolvimento econômico.
A
real solução para a pobreza não está em um sistema de redistribuição de renda
comandado pelo governo. A solução está
no aumento da produção. O padrão de vida de um país é determinado pela abundância de bens e serviços.
Quanto
maior a quantidade de bens e serviços ofertados, e quanto maior a diversidade dessa
oferta, maior será o padrão de vida da população. Quanto maior a oferta
de alimentos, quanto maior a variedade de restaurantes e de supermercados, de
serviços de saúde e de educação, de bens como vestuário, materiais de
construção, eletroeletrônicos e livros, de pontos comerciais, de shoppings, de
cinemas etc., maior tende a ser a qualidade de vida da população.
E
só é possível aumentar essa produção se houver investimentos em bens de capital,
em maquinários e ferramentas mais eficientes.
O empreendedor da livre iniciativa, que faz investimentos capitalistas,
é o verdadeiro herói da guerra à pobreza.
Conclusão
A
pobreza é uma indústria e, em uma democracia, é sempre possível lucrar
politicamente em cima dela. A exigência de que o governo "tome medidas"
para acabar com a pobreza serve apenas para alimentar o crescimento de uma
burocracia que suga para si própria grande parte dos frutos da renda nacional.
Todo e qualquer ministério, programa ou secretaria criado pelo governo tem, em
última instância, o objetivo de reduzir a pobreza.
A
promessa de eliminação da pobreza tendo o estado como agente solucionador é
apenas um discurso puramente ideológico: não há nenhum mecanismo prático para
lograr esse feito, a não ser a utilização daqueles meios que já foram criados
pela própria expansão do capitalismo. Ou seja: a ação direta do governo
servirá apenas para acrescentar mais um elemento parasitário ao arranjo
econômico, aumentando os custos de uma burocracia cada vez mais paralisante,
intrusa e contraproducente.
Em
uma economia de mercado, acabar com a pobreza é algo quase que inevitável.
Bastaria que o governo permitisse a progressiva acumulação de capital por parte
dos empreendedores capitalistas. O resultado seria de tal grandeza que
até o trabalho mais mal remunerado geraria renda mais do que suficiente para a
subsistência.
Mas,
infelizmente, esse é um debate que a maioria dos intelectuais, por motivos
ideológicos, se recusa a fazer.
[1] Thomas R. Malthus, An Essay
on the Principle of Population (Ensaio sobre a População), 2nd ed. (London, 1803), p. 531.