É
cada vez maior o número de indivíduos (provavelmente nunca foi tão grande) que se
declaram defensores do livre mercado, apesar da incansável e implacável propaganda
contra esse sistema. E isso é sensacional.
No
entanto, essas declarações sempre são complementadas pelo inevitável mas:
mas precisamos de um governo que ao menos garanta a segurança e resolva contendas
judiciais, que são os serviços mais críticos de todos.
Quase
sem pensar, pessoas que em outras circunstâncias defendem o mercado querem
atribuir ao governo a responsabilidade pela produção dos mais importantes bens
e serviços existentes em uma economia. Muitas
dessas pessoas são a favor de que o governo seja o monopolista da produção
de dinheiro, e todas elas defendem um monopólio estatal da produção de leis,
direitos e de serviços de proteção.
Não
estou aqui dizendo que essas pessoas são tolas ou parvas. É fato que quase todos nós também já
vivenciamos essa fase do "governo limitado" — rotulando-nos de
"minarquistas" —, e, quando éramos assim, simplesmente nunca nos
ocorreu de examinar mais detidamente as nossas premissas.
Só
para começar, alguns poucos princípios econômicos básicos já seriam o bastante
para, no mínimo, nos fazer refletir um pouco antes de já sairmos pressupondo que
o monopólio estatal é a melhor opção:
- Os monopólios (dos quais o
próprio governo é o principal exemplo) levam, com o tempo, a preços mais
altos e pior qualidade.
- O livre mercado e seu sistema
de preços estão continuamente direcionando recursos escassos de maneira a
atender os desejos dos consumidores de uma forma menos custosa possível em
termos de oportunidades renunciadas.
- Os preços formados no livre
mercado refletem as preferências dos consumidores e faz com que o capital
privado seja direcionado para as aplicações que melhor irão satisfazer os
desejos dos consumidores.
Simultaneamente, os empreendedores têm de lidar constantemente com
as contínuas mudanças nos desejos dos consumidores. Isso garante um mercado dinâmico e
sempre voltado para o desejo dos consumidores.
- Já o governo, mesmo que
fosse formado exclusivamente por anjos, não seria capaz de gerenciar uma empresa
eficientemente, e nem poderia ser "gerenciado como uma empresas
eficiente," como já explicou
Ludwig von Mises. Por não ter de operar segundo a lógica do sistema de
lucros e prejuízos, uma agência estatal não tem ideia do que produzir, em
qual quantidade, em qual localização, e utilizando qual método. Todas as
suas decisões são arbitrárias.
Em
outras palavras, no que diz respeito à oferta estatal de qualquer bem ou
serviço, há bons motivos para esperar qualidade baixa, preços altos e uma
alocação arbitrária e irracional de recursos.
São
várias as razões por que o mercado — que é a arena na qual ocorrem interações
voluntárias entre indivíduos — merece o benefício da dúvida em relação ao estado,
e por que não deveríamos pressupor a
priori que o estado é indispensável sem antes analisarmos seriamente o que
a engenhosidade humana e a harmonia econômica do mercado já fizeram sem o
estado.
Por
exemplo:
- O estado adquire a sua
renda coagindo indivíduos pacíficos e produtivos, e ameaçando de violência
em caso de resistência.
- O estado estimula as
pessoas a acreditarem que existem dois conjuntos distintos de regras
morais: um é aquele que aprendemos quando crianças, o qual inclui a
abstenção de violência e roubo; e o outro é aquele que se aplica somente
ao governo, que é o único ente que pode atacar indivíduos pacíficos e
produtivos de todas as maneiras possíveis.
- O sistema educacional, o
qual os governos sempre acabam dominando (nem que seja por meio de
ministérios que impõem os currículos escolares), doutrina as crianças e os
adolescentes a verem, desde cedo, todos os ataques e depredações do estado
como atitudes moralmente legítimas, e o mundo das trocas voluntárias como
algo moralmente inferior e até mesmo duvidoso.
- O setor público é dominado
por grupos de interesses empresariais e por movimentos sociais formados
por poderosas "minorias" que fazem lobby para conseguir benefícios
especiais à custa dos impostos de toda a população. Por outro lado, para ser bem-sucedido no
livre mercado — naqueles setores cujos empreendedores não recorrem ao
governo — é necessário agradar e satisfazer as necessidades e desejos do
público consumidor.
- O desejo de agradar a esses
grupos de interesse quase sempre supera o desejo de agradar as pessoas que
gostariam de ver os gastos públicos reduzidos (e olha que a maioria dessas
pessoas quer apenas que os gastos sejam reduzidos marginalmente).
- O judiciário estatal tende
a promulgar leis absurdas que visam a agradar exclusivamente esses grupos
de interesse e esses movimentos minoritários.
- Os governos doutrinam seus
súditos, por meio de intelectuais
defensores do regime e da mídia governista, a acreditar que qualquer ideia
de resistência às expropriações do governo é traição e preconceito — o
que significa que, para ser honesto e puro, você tem necessariamente de
ser pró-governo.
E
a lista continua.
É
perfeitamente compreensível que as pessoas possam não entender como o judiciário
— algo que supõem ter de ser ofertado de cima pra baixo — poderia surgir e
funcionar na ausência de estado, muito embora existam várias obras demonstrando
precisamente como isso já ocorreu (ver aqui, aqui, aqui e aqui). Porém, se o governo houvesse historicamente
monopolizado a oferta de qualquer bem
ou serviço, escutaríamos objeções aterrorizadas a respeito da eventual
privatização desse bem ou serviço.
Por
exemplo, se o governo detivesse o monopólio da produção de lâmpadas, os
intelectuais a serviço do regime nos alertariam que seria impossível o setor
privado assumir a produção de lâmpadas. O setor privado não produziria lâmpadas no
tamanho ou na voltagem que as pessoas desejariam, diriam eles. O setor privado não produziria lâmpadas
especiais voltadas exclusivamente para um determinado mercado, já que será
pouco lucrativo fazer isso. O setor
privado fabricaria apenas lâmpadas perigosas e explosivas.
O
mesmo raciocínio ocorreria caso o governo sempre houvesse sido o único
fabricante de sapatos: a maioria das pessoas seria incapaz de imaginar como o
mercado poderia ser capaz de produzir sapatos. Como o mercado poderia acomodar todos os
tamanhos? Não seria um desperdício
produzir estilos para todos os gostos? Quantas
marcas existiriam? Quantas lojas de
sapato haveria em cada cidade? Em cada
município? Como isso seria definido? Qual
seria o arranjo de preços? E quanto aos
sapatos ruins? Não seria necessário
haver regulamentação da indústria de calçados para garantir que o produto seja
confiável? E quem iria fornecer sapatos
aos pobres? E se a pessoa não tiver o dinheiro necessário para comprar um par? Sapatos são, indiscutivelmente, bens muito
importantes para ser entregues às vicissitudes da anarquia do mercado.
Uma
vez que vivemos em um mundo em que as lâmpadas e os sapatos sempre foram de
produção privada, essas objeções parecem risíveis.
Mas
o fato é que a provisão concorrencial de justiça está longe de ser um fenômeno
atípico na história da civilização ocidental. Quando o rei começou a monopolizar a função jurídica,
ele o fez não por um desejo abstrato de estabelecer uma ordem — a qual já
existia —, mas sim porque ele agora poderia coletar taxas sempre que os
tribunais reais fossem utilizados. A
ingênua teoria do "interesse público", na qual nenhuma pessoa sensata acredita
em qualquer outro contexto, não se torna repentinamente convincente nesse
contexto em específico.
Murray
N. Rothbard gostava de citar Franz Oppenheimer, que identificava duas maneiras
pelas quais é possível adquirir riquezas. O meio econômico de se adquirir riqueza
implica o enriquecimento por meio de trocas voluntárias: você tem de cria algum
bem ou serviço pelo qual as pessoas voluntariamente queiram pagar. Já o meio
político, dizia Oppenheimer, seria "a apropriação não recompensada do
trabalho de terceiros".
Logo,
como é que nós, que estamos nesse campo rothbardiano, vemos o estado? Não como
o indispensável provedor de justiça, ordem, segurança e outros chamados
"bens públicos". (Aliás, a própria teoria dos bens públicos é repleta
de falácias). O estado é, ao contrário, uma instituição parasitária que vive
das riquezas de seus súditos, ocultando sua natureza anti-social e depredadora
sob uma bem trabalhada aparência de interesse público. É, como dizia Oppenheimer, a organização dos
meios políticos para o confisco da riqueza alheia.
"O
estado", escreveu
Rothbard,
é
a organização social que visa a manter o monopólio do uso da força e da violência em
uma determinada área territorial; especificamente, é a única organização
da sociedade que obtém a sua receita não pela contribuição voluntária ou pelo
pagamento de serviços fornecidos, mas sim por meio da coerção.
Enquanto os outros indivíduos ou
instituições obtêm o seu rendimento por meio da produção de bens e serviços e
da venda voluntária e pacífica desses bens e serviços ao próximo, o estado
obtém o seu rendimento por meio do uso da coerção; isto é, pelo uso de armas e
pela ameaça de prisão. Depois de usar a força e a violência para obter a
sua receita, o estado geralmente passa a regular e a ditar as outras ações dos
seus súditos.
O estado fornece um meio legal, ordeiro e
sistemático para a depredação da propriedade privada; ele torna certa, segura e
relativamente "pacífica" a vida da casta parasita na sociedade. Dado
que a produção sempre deve preceder qualquer depredação, conclui-se que o livre
mercado é anterior ao estado. O estado nunca foi criado por um "contrato social";
ele sempre nasceu da conquista e da exploração.
Se
é verdadeira essa descrição do estado, e creio que temos boas razões para crer
que é, seria possível ou mesmo desejável apenas limitá-lo?
Antes
de rechaçar de imediato a possibilidade, teríamos de considerar ao menos se
podemos viver completamente sem ele. Poderia o livre mercado, a grande arena da
cooperação voluntária, ser realmente o grande motor da civilização (e já
sabemos na prática que ele é)?
"Vamos
apenas nos concentrar em manter o estado limitado", dizem os minarquistas. Um
estado limitado seria sem dúvida uma grande melhora em relação ao atual arranjo,
mas a experiência já nos
ensinou que um "governo limitado" é um equilíbrio instável. Governos
não têm nenhum interesse em se manter limitados, quando sabem que podem utilizar
seu monopólio da violência para expandir a sua riqueza e, assim, aumentar seu
poder.
Da
próxima vez que você se flagrar insistindo que precisamos de um governo
limitado, pergunte a si próprio por que nenhum governo jamais se mantém
reduzido. Será que você não estaria à procura de um unicórnio?
E
quanto ao "povo"? Não poderíamos
confiar na sua capacidade de manter um governo limitado? A resposta a essa
pergunta está totalmente ao seu redor.
Ao
contrário do minarquismo, o anarcocapitalismo não fornece expectativas
insensatas e absurdas às pessoas. O
minarquista tem de imaginar como irá convencer o público de que, embora o estado
tenha o poder de redistribuir a riqueza e de financiar projetos que agradem a
todos, ele na realidade não deve e nem irá fazer isso. O minarquista tem de explicar, um por um, os
problemas com toda e qualquer intervenção estatal concebível, ao passo que,
nesse meio tempo, a classe intelectual, as universidades, os meios de comunicação
e a classe política já se coligaram contra ele para transmitir a mensagem
oposta.
Em
vez de exigir as infrutíferas tarefas de ensinar a todas as pessoas o que há de
errado com os subsídios, com o protecionismo, com as agências reguladoras, com
o Banco Central e com o controle de preços — em outras palavras, em vez de ter
de ensinar a todos os indivíduos o equivalente a três cursos universitários de
economia, história e filosofia política —, a sociedade anarcocapitalista exige
das pessoas que elas reconheçam as ideias básicas e morais que são comuns para
quase todos: não agrida inocentes e não roube.
Tudo
em que cremos derivam desses simples princípios.
Não
é o escopo desse artigo explicar em detalhes como funcionaria uma sociedade sem
estado. Já há vários artigos
voltados exclusivamente para isso. Há
também uma vasta literatura voltada para abordar as objeções mais frequentes e
evidentes — por exemplo, a sociedade não se degeneraria em uma batalha
violenta e sanguinária comandada por grupos armados e senhores da
guerra? Como seriam resolvidas as pendengas judiciais se o
meu vizinho escolher um juiz e eu escolher outro? Para tudo isso, sugiro a bibliografia comentada do anarcocapitalismo reunida por
Hans-Hermann Hoppe.
Há
uma piada que se tornou corriqueira nos últimos anos no meio libertário: qual a
diferença entre um minarquista e um anarquista? Resposta: seis meses. Se você valoriza princípios, coerência e
justiça, e se você se opõe à violência, ao parasitismo e ao monopólio, pode ser
que nem sejam necessários seis meses. Comece a ler e veja até onde essas ideias
levarão você.
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