segunda-feira, 22 jun 2015
A
economia grega, que já estava mal, paralisou-se completamente desde a chegada
do novo governo ao poder no início de 2015.
O
principal objetivo desse novo governo, sob o comando do partido Syriza — que é
um acrônimo para "Coligação
da Esquerda Radical" —, era "reestruturar" o insuportável
fardo da dívida pública grega, que atualmente é de 177%
do PIB do país.
Só
que o Syriza chegou ao poder prometendo a quadratura do círculo: haveria mais
gastos públicos e menos impostos, e ainda continuariam recebendo todos os
benefícios repassados pela União Europeia.
Obviamente,
sob este arranjo, alguém teria de arcar com a fatura e este "alguém" escolhido
foram os demais pagadores de impostos europeus: estes não apenas não receberiam
de volta o dinheiro que, por meio de seus governos, emprestaram para a Grécia,
como também, além deste calote (chamado eufemisticamente de "reestruturação da
dívida"), deveriam continuar emprestando indefinidamente para o governo grego,
para que o país pudesse se manter na zona do euro.
Segundo
os integrantes do Syriza, a Grécia não tem como pagar suas dívidas, o que faz
com seja imprescindível uma profunda reestruturação da mesma. Mais
especificamente, o governo queria alargar os prazos de vencimento, reduzir as taxas
de juros que incidem sobre a dívida total, e até mesmo simplesmente reduzir o
valor total da dívida, o que significa um calote parcial da mesma.
A
realidade, no entanto, é que boa parte do discurso sobre a insustentabilidade
da dívida total da Grécia é infundada.
Nas economias modernas, caracterizadas por governos expansivos e moedas
inflacionárias, o principal da dívida pública nunca é quitado; tudo é
refinanciado. A dívida não se paga; ela
é rolada.
Sendo
assim, o custo de o governo estar endividado depende exclusivamente das taxas
de juros que o estado paga sobre o conjunto de sua dívida pública.
Em
2011, a Grécia tinha de pagar juros equivalentes a 7,3% do seu PIB. Esta era, de fato, a carga mais alta da
Europa e dificilmente era sustentável.
No entanto, houve uma reestruturação da dívida grega — orquestrada pela
Troika — em 2012, o que fez com que o país conseguisse reduzir o fardo dos
juros para 4% do PIB.
Embora
tal valor não seja baixo, ele tampouco é insustentável. Com efeito, países como Irlanda, Itália e
Portugal — que até o momento ainda não pediram reestruturações de suas dívidas
— estão enfrentando custos financeiros muito maiores que os da Grécia.

Gráfico 1: total de juros que incidem sobre
a dívida pública em relação ao PIB, 2013
Fonte: Eurostat
E,
se levarmos em conta que o PIB da Grécia está no subsolo (já caiu
30% desde seu pico), e que certamente está muito abaixo do que poderia ser
caso houvesse uma liberalização e uma estabilização econômica, é difícil
concluir que a reestruturação de sua dívida seja uma absoluta e inexorável
necessidade.
Para
completar, o
prazo de vencimento da dívida grega é, disparado, o mais elevado de
toda a zona do euro, e também de toda a União Europeia.

Gráfico 2: vencimento médio da dívida
pública em 2013 (anos) Fonte: OCDE
O
mesmo ocorre com a taxa média de juros sobre a dívida, que é a quarta mais
baixa da zona do euro. É, inclusive,
mais baixa do que a da Alemanha.

Gráfico 3: taxa média de juros sobre a
dívida pública em 2013 Fonte: Eurostat
Em
outras palavras, os cidadãos europeus estão, por meio de seus impostos,
subsidiando o governo grego. Seus impostos
estão sendo utilizados para estender crédito ao governo grego, por meio da
Troika, a condições bem mais vantajosas do que a que eles próprios
usufruem. É como se você se endividasse
a 10%, me emprestasse e me cobrasse 5%: você, obviamente, está perdendo
dinheiro com essa operação.
E
o governo grego ainda quer mais privilégios.
Então,
se não há muita margem nem para aumentar os prazos do vencimento da dívida
grega (que já são os maiores da União Europeia) e nem para reduzir as taxas
médias de juros, o que mais pode ser feito em termos de reestruturação da
dívida? A única hipótese que resta é um
calote da dívida.
Quanto
a isso, convém lembrar que a dívida do governo grego em mãos de credores
privados já foi submetida, em 2012, a uma
redução de
53,5% do seu valor nominal. E, se a isso somarmos o alargamento do
prazo de vencimento e a redução dos juros incidentes sobre a dívida total, a
dívida grega já sofreu uma redução de nada menos que
75% do seu valor nominal.
Sendo
assim, por que os pagadores de impostos da União Europeia devem conceder ao
governo grego mais uma rodada de privilégios?
Para
completar o ultraje, vale lembrar que o governo grego é um dos mais perdulários
da União Europeia. Seus gastos
totalizam nada menos que 58,5% do PIB.
Esse valor é maior até que o da Dinamarca (57,2% do PIB), da França
(57,1%) e da Suécia (52,8%). Será que é
realmente impossível o governo grego cortar gastos? Reduzir um gasto público que chega a
soviéticos 58,5% do PIB é impor "austeridade draconiana"?
No
entanto, convém não dramatizar a questão do calote. Toda e qualquer pessoa que investe nos
títulos da dívida pública de um país tem de estar ciente de que, em algum
momento, esta pode ser caloteada pelo estado emissor, sem que o investidor
possa forçar o estado e lhe pagar (uma vez que a soberania estatal impede que
ele seja forçado a executar seus próprios contratos). Sendo assim, a amortização da dívida pública
no prazo acordado se torna uma mera questão de boa fé. Nada
mais do que isso.
Portanto, os investidores — privados e estatais (80% da dívida grega está em posse de organismos oficiais) — que aplicaram nos títulos do
governo grego têm de aceitar as consequências e assumir os riscos que
voluntariamente correram ao emprestar para o governo grego.
Por
outro lado, do mesmo modo que os investidores devem arcar com a
responsabilidade de ter concedido crédito a um governo que a qualquer momento
pode calotear impunemente sua dívida, o governo grego também terá de aceitar as
consequências de decretar um calote unilateral em sua dívida: no caso, será
impossível continuar financiando seu déficit público.
A
plataforma do Syriza não é simplesmente a de não pagar as dívidas do governo
grego; além de dar o calote, o novo governo grego também quer continuar
recebendo empréstimos para aumentar de maneira substantiva seus gastos (prometeram
mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos e mais moradias
populares) sem ter de aumentar impostos.
Ou
seja, ele não quer pagar sua dívida, mas quer continuar emitindo dívida e sendo
livremente financiado.
Essa
quadratura do círculo é impossível, obviamente.
Se o Syriza de fato optar pelo calote, aí sim é que ele terá de enfrentar
uma verdadeira austeridade. Sem acesso
ao financiamento de credores externos, o governo grego não mais poderá incorrer
em déficits; ele só poderá gastar exclusivamente aquilo que arrecadar por meio
de impostos. Logo, e ironicamente, a
"asfixiante ultra-austeridade" contra a qual o Syriza diz lutar irá realmente
ocorrer caso o partido dê o calote. E a
Grécia terá de vivenciar essa austeridade por vários anos, até que o governo
eventualmente recupere sua credibilidade perante os investidores estrangeiros.
Em
suma, se o Syriza não quer pagar a dívida do governo grego, não pague. Mas que sofram as consequências. Assim como os gregos têm o direito de votar
em quem quiserem, os demais pagadores de impostos da União Europeia também têm
o direito de não mais financiar o perdulário e caloteiro governo grego.
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