Há
uma diferença crucial entre defender a
iniciativa
privada e defender a
livre iniciativa. Há uma diferença crucial entre defender o
livre mercado e defender empresas privadas.
A
diferença chega a ser intransponível.
Uma
coisa é você ser pró-mercado. Outra
coisa, bastante diferente, é você ser pró-empresas.
Há
vários empresários que defendem a iniciativa privada, mas que não acreditam na
livre iniciativa.
Essa
é uma distinção extremamente importante.
Livre iniciativa significa liberdade de entrar em um mercado e nele
competir com as empresas já estabelecidas.
E liberdade de entrar em um mercado significa que este mercado não é
regulado pelo governo, seja por meio de regulamentações que impõem barreiras à
entrada (via agências reguladoras), seja por meio de subsídios a empresas
favoritas, seja por meio de altos tributos que impedem que novas empresas
surjam e cresçam.
Sob
um arranjo de livre iniciativa — ou um arranjo pró-mercado —, há um genuíno
laissez-faire, no qual indivíduos interagem de maneira pacífica e voluntária,
tendo liberdade para transacionar com quem quiserem, em termos mutuamente
acordados. Dado que todas as interações
são voluntárias, todos os participantes necessariamente se beneficiam (eles não
participariam se não considerassem a transação benéfica a priori). Consequentemente,
sem a imposição de barreiras artificiais ao empreendimento, a riqueza e o
bem-estar aumentam.
Já
o termo 'iniciativa privada' significa meramente que a empresa e seus meios de
produção estão em mãos privadas. Mas
isso não basta. O que deve ser analisado
é se essa empresa opera em um ambiente de livre iniciativa, ou se ela é
protegida da concorrência pelo governo.
Em
meados do século XX, os governos fascistas da Europa mantinham um sistema em
que havia empresas privadas, mas praticamente todas eram protegidas e seguiam
diretrizes de seus respectivos governos. A regulação era o método majoritariamente
utilizado antes da Segunda Guerra Mundial pelos fascistas para
alcançar seus objetivos políticos. À época, a opção à regulação fascista
era a estatização direta dos meios de produção, que era o objetivo dos
comunistas.
Mas
a massificação das regulações estatais só viria a ocorrer mesmo no pós-guerra,
mais especificamente a partir da década de 1980, quando várias agências
reguladoras foram criadas para controlar os recém-privatizados monopólios
estatais. A ideia por trás das agências reguladoras era fazer com que as
privatizações se tornassem politicamente aceitáveis. A moda surgiu na
Inglaterra e foi prontamente copiada mundo a fora. Todos os países que
adotaram seus próprios programas de privatização criaram secretarias e agências
reguladoras como forma de manter o controle estatal sobre os setores agora
privatizados.
Por
tudo isso, haver setores privatizados ou setores em que operam empresas
privadas é algo insuficiente para que haja uma genuína liberdade
econômica. Se essas empresas privadas
são protegidas pelo governo, que impede a entrada de concorrentes, então elas
não estão sujeitas às verdadeiras demandas de mercado, e podem se dar ao luxo
de ofertar serviços ruins aos consumidores sem serem por eles punidas.
Os
setores de aviação civil, de transportes terrestres, de transportes
aquaviários, de telecomunicações, de energia elétrica, de petróleo, de
saneamento básico etc. são exemplos de setores que, embora possam estar sendo
servidos por empresas privadas, são integralmente controlados pelo governo e
suas agências reguladoras, as quais, por sua vez, protegem essas empresas
privadas contra o surgimento de concorrentes.
James Buchanan,
o fundador e principal expoente da teoria da Escolha Pública,
tornou-se famoso ao mostrar que as empresas privadas tinham um incentivo para
manipular o governo e fazê-lo proteger suas empresas favoritas. Um sistema de livre iniciativa beneficia
todos aqueles que estão dispostos a ser produtivos. Já um sistema em que a iniciativa privada
opera em um setor regulado pelo governo beneficia somente alguns, e à custa de
todos os outros, o que significa que os poucos beneficiados terão todos os
incentivos para fazer defender este arranjo.
Em
teoria, agências reguladoras existem para proteger o consumidor. Na
prática, elas protegem as empresas privadas dos consumidores. Por um
lado, as agências reguladoras estipulam preços e especificam os serviços que as
empresas reguladas devem ofertar. Por outro, elas protegem as empresas
reguladas ao restringir a entrada de novas empresas neste mercado. No
final, agências reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que tem
a missão de cartelizar as empresas privadas que operam nos setores regulados,
determinando quem pode e quem não pode entrar no mercado, e especificando quais
serviços as empresas podem ou não ofertar, impedindo desta maneira que haja
qualquer "perigo" de livre concorrência.
Exemplos
Veja, por exemplo, o setor de telecomunicações.
Em um arranjo de livre iniciativa — pró-mercado —, qualquer empresa que
quisesse entrar nesse mercado para concorrer com as grandes estaria livre para
isso. Em um livre mercado genuíno, essa empresa simplesmente chegaria, faria
sua propaganda e, por meio do sistema de preços, ofertaria seus serviços.
Quem quisesse utilizá-la estaria livre para fazê-lo. Quem não quisesse,
continuaria com os serviços da Vivo, Tim, Claro e Oi.
Mas isso não pode ocorrer atualmente. A ANATEL não deixa. Só
pode entrar no mercado as empresas que ela aprova. Veja essa notícia (negritos meus):
Operadora
móvel acusa Anatel de negociar decisões com cartel formado por Vivo, Oi, Claro
e TIM
Talvez você se lembre da Aeiou,
operadora de celular que atuou no DDD 11 por um breve período, e desapareceu em
meados de 2010. Agora, segundo a Folha, a empresa por trás da operadora
tem sérias acusações a fazer contra Anatel, Vivo, Oi, Claro e TIM.
A
Unicel diz que as quatro maiores operadoras do país formaram um cartel para
impedir a entrada de novos concorrentes. O grupo agiria em conluio com a
Anatel, que negociaria pareceres, votos e até decisões finais com elas.
A denúncia foi apresentada este mês ao
Ministério Público Federal pelo controlador da Unicel, José Roberto Melo da
Silva (foto acima). Ele diz que, quando
alguma operadora envia um assunto de interesse para a Anatel analisar, alguns
superintendentes já acertariam seus pareceres técnicos de acordo com os
interesses do suposto cartel. Depois, quando esses pareceres seguem para
análise, o relator responsável sofreria pressão interna para aprová-lo. No
entanto, se alguma proposta fosse de
interesse contrário ao do cartel, haveria pressão para vetá-la – como as
outorgas da Unicel, por exemplo.
Melo da Silva fez esta acusação de
forma pública em dezembro, quando a Nextel pediu autorização da Anatel para
comprar sua empresa. Prevendo que a agência não aprovaria o negócio, Melo da
Silva disse ao Valor:
O
que vemos aqui é a Anatel sendo pressionada por um cartel formado pelas quatro
grandes operadoras impedindo a entrada no mercado do quinto competidor.
Agora, apenas imagine se a ANATEL fosse abolida e todas as empresas de
telecomunicação, internet e TV a cabo do mundo pudessem vir livremente pra
cá? As tarifas iriam para o abismo e os serviços melhorariam
espetacularmente. Grandes empresas que reconhecidamente
prestam serviços de qualidade nos mercados internacionais — como a AT&T,
Vodafone, Verizon, T-Mobile, Orange — estariam livres para chegar aqui amanhã.
Os call centers tornar-se-iam desnecessários, pois mudar de operadora
seria algo rápido e gratuito. As empresas muito provavelmente até
distribuiriam celulares de graça e ofereceriam vários outros serviços
gratuitos, inclusive Internet, que, aí sim, finalmente seria universal.
Mas não. Se você quiser criar uma empresa de telefonia, de TV a
cabo ou de internet, ou se uma estrangeira quiser vir pra cá, é praticamente
impossível. Todo o aparato regulatório do estado cria ostensivamente
barreiras burocráticas que aumentam proibitivamente o custo final, impedindo a
concorrência e o livre mercado nesse vital setor da economia.
Esse exemplo de telefonia celular é válido para absolutamente todas as áreas
da economia controladas por agências reguladoras.
Se você criar uma empresa para operar no setor aéreo e concorrer com o duopólio da GOL e da TAM, a ANAC irá
barrar. (A menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Da
mesma forma, empresas estrangeiras são proibidas de fazer vôos nacionais aqui
dentro, para não arranhar a saúde do duopólio. Como seria em um livre
mercado? Simples. Não haveria obstáculos. Se a American
Airlines quisesse operar a linha Curitiba-Fortaleza, estaria livre para
isso. Se a Lufthansa quisesse operar Florianópolis- Manaus, que o
fizesse. Se a Air China quisesse fazer São Paulo-Salvador, ótimo.
Se a KLM quisesse fazer Recife-Rio de Janeiro, melhor ainda.
Nesse cenário de livre iniciativa, haveria queda nos preços e melhora nos
serviços, duas coisas que as empresas protegidas pela ANAC não querem. E esse cenário é fictício simplesmente porque
a ANAC não o permite. Ademais, como o espaço aéreo é propriedade
autodeclarada do governo, é ele quem determina até quais companhias nacionais
podem operar determinadas rotas em determinados horários. Os aeroportos,
também monopólio estatal, não podem alocar livremente seus slots
(horários de pouso e decolagem). Tudo é regulado.
E, sobre aeroportos, se você quiser construir e operar um aeroporto por
conta própria, desafogando outros aeroportos e melhorando o tráfego aéreo, o
governo também não deixa, como comprovou o recente caso da proibição
da construção de um aeroporto privado em São Paulo.
Se
uma empresa quiser operar no setor
elétrico, concorrendo livremente com as estatais do setor, aumentando a
oferta de energia, a ANEEL certamente adotará as mesmas práticas da
ANATEL. Houvesse uma genuína livre
iniciativa no setor elétrico, quem quisesse produzir e vender energia elétrica,
seja ela hídrica, nuclear ou térmica, estaria livre para tal. A produção
e a venda de eletricidade seria uma atividade comercial como qualquer
outra. Os preços certamente cairiam.
Se uma empresa quiser prospectar petróleo
aqui no Brasil e nos vender, a ANP — cuja função autoproclamada é a de
fiscalizar todo o setor petrolífero brasileiro, inclusive os setores de
comercialização de petróleo e seus derivados, e o de abastecimento — irá
barrar. Ou, no mínimo, irá agir como a
ANATEL e proteger a Petrobras, que, aliás, graças aos seus privilégios
estatais, já se apossou das melhores jazidas do país, o que inviabiliza
qualquer concorrência.
ANVISA e Ancine são outras duas agências que existem para proteger os
grandes, e suas reais funções já foram destrinchadas aqui e aqui.
E esses são apenas os grandes setores. Não nos esqueçamos das
regulamentações que inibem o surgimento e o desenvolvimento dos pequenos
setores.
Empresas de ônibus, estações de rádio, de televisão, TV a cabo, provedoras
de internet, de seguro-saúde, hospitais, escolas, açougues, restaurantes,
churrascarias, padarias, borracharias, oficinas mecânicas, shoppings, cinemas,
sorveterias, hotéis, motéis, pousadas etc. Nada disso pode surgir sem
antes passar por incontáveis processos burocráticos que envolvem licenciamento,
taxas, propinas, inspeções, alvarás, registros cartoriais, reconhecimentos de
firmas etc.
Consequências
Em
seu cerne, a regulação é anti-livre iniciativa, anti-livre mercado e
anti-concorrência. Uma empresa regulada pode encontrar várias maneiras de
fazer as regulações funcionarem em proveito próprio e contra os interesses dos
consumidores.
Por
exemplo, não é incomum que grandes empresas façam lobby para criar regulamentações
complicadas e onerosas sobre seu próprio setor. Por que elas fazem
isso? Para dificultar uma potencial concorrência de empresas novas,
pequenas e com pouco capital.
Empresas
grandes e já estabelecidas têm mais capacidade e mais recursos para atender
regulações minuciosas e onerosas. Empresas pequenas, que querem entrar
naquele mercado mas que ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm
essa capacidade. Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem
simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já
atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem
atendidos por empresas pequenas e recém-criadas.
Regulações
fazem com que o estado, por meio de suas licenças, conceda respeitabilidade a
empresas escroques e impeça que empreendedores sérios e genuinamente
competentes possam servir livremente os consumidores. Regulações impedem
a formação de uma genuinamente boa reputação comercial, aquela que só se
consegue por meio das preferências voluntariamente demonstrada por consumidores
no livre mercado.
Regulações
são a mais insidiosa maneira de se abolir a livre iniciativa e garantir uma
iniciativa privada ineficiente.
Conclusão
É impossível haver livre iniciativa se o "livre" é uma mera
abstração e a iniciativa privada opera sob proteção anti-concorrencial. É
impossível haver uma genuína concorrência — que é o que de fato melhora os
serviços e diminui os preços — quando o estado faz de tudo para
impedi-la.
A iniciativa privada é apenas um componente da livre iniciativa. Toda livre iniciativa é privada, mas nem todo
iniciativa privada opera em ambiente de livre iniciativa. O não-entendimento dessa distinção é o que
faz com que as pessoas recorram ao governo para reclamar da qualidade dos
serviços das empresas de telefonia e peçam ainda mais intervenção.
Quem defende agências reguladoras, subsídios e tarifas de importação está
defendendo empresas privadas ineficientes; está defendendo o corporativismo,
arranjo no qual a iniciativa privada se torna uma mera extensão do governo, e
deixa de estar sujeita à concorrência e às demandas do consumidor.
Trata-se de uma pessoa anti-mercado e pró-empresas (ineficientes).
Já quem pede a abolição de agências reguladoras, de subsídios e de tarifas
de importação está simplesmente defendendo a livre iniciativa.
Você,
afinal, é pró-mercado ou pró-empresas?