Se
você está vivo e tem acesso à internet ou a uma televisão, deve ter se deparado
em algum momento desta semana com as sensacionais fotos tiradas pela sonda
americana
New Horizons.
Lançada
em 2006, ela carrega sete instrumentos científicos de nomes criativos — entre
eles, os telescópios RALPH e LORRI, o detector de vento solar SWAP e os
espectrômetros ALICE e PEPSSI.
No
último dia 14 de julho, apontou todos esses equipamentos para Plutão e seus
cinco satélites, gerando uma quantidade enorme de fotos e
de análises a respeito do planeta-anão. O que foi divulgado até agora é apenas
a ponta do iceberg: devido ao grande volume de dados coletados e à
enorme distância entre Plutão e a Terra, só conheceremos todas as informações
obtidas pela nave no final de 2016.
O
provável próximo passo da sonda é a visita a pelo menos um dos objetos do
Cinturão de Kuiper, uma área formada por centenas de milhares de corpos
celestes remanescentes da formação do Sistema Solar. Dois deles são atualmente
cogitados pela equipe que cuida da nave: os objetos 2014 MU69 e 2014 PN70.
A
essa visita se sucederá uma jornada rumo ao infinito: juntamente com as sondas
Pioneer 10 e 11 e Voyager 1 e 2, a New Horizons é a quinta nave espacial na
história da humanidade a atingir velocidade suficiente para sair do Sistema Solar.
Não
bastasse a exploração de Plutão e do cinturão de Kuiper, a New Horizons ainda
conseguiu fotografar de passagem o pequeno asteróide 132524 APL e, de quebra, deu
um pulinho em Júpiter — onde, em setembro
de 2006, obteve dados inéditos a respeito dos anéis e luas do planeta, além de
observar sua magnetosfera e suas condições meteorológicas. Nada mau, não?
Obviamente,
uma viagem rumo ao infinito com escalas em Júpiter e Plutão não custa pouco. A
passagem só de ida custou US$ 700 milhões, ou R$ 2,2
bilhões — esse valor, de acordo com a NASA, inclui todo o desenvolvimento da nave, seu
lançamento, monitoramento, análise de dados e divulgação da missão.
É
um valor sem dúvida enorme, e caro mesmo quando comparado a outras missões
espaciais — só para se ter uma ideia, as sondas Voyager gastaram juntas US$
865 milhões (US$ 432,5 milhões por missão) para visitar quatro planetas,
esticar a viagem até o espaço interestelar e
transmitir quase 50 anos de dados para a Terra (de 1977 até 2025, aproximadamente).
Mas,
e se compararmos o custo da New Horizons a outras coisas?
Resolvemos
investigar o quão caro é lançar uma sonda como essa comparando-a a alguns
gastos que vemos de quando em quando na imprensa. No fim das contas, talvez
explorar Plutão seja algo até relativamente barato.
A
seguir, 7 coisas mais caras que a New Horizons pagas pelo seu bolso.
1)
UM DIA DE IMPOSTOS BRASILEIROS
No
período entre 1º de janeiro de 2015 e a elaboração deste texto, os cidadãos
brasileiros pagaram ao governo (federal, estadual e municipal) mais de R$
1,091 trilhão — os dados
são do Impostômetro
da Associação Comercial de São Paulo.
Isso
totaliza, por dia, R$ 5,369 bilhões de impostos pagos ao
governo. Com essa arrecadação, se o Brasil enviasse uma nave a Plutão por dia,
ainda sobrariam R$ 1,155 trilhão ao final do ano — um pouco menos que o PIB do
México.
Para
ficar em outra comparação astronômica: considerando que atualmente a New
Horizons está a aproximadamente 4,8 bilhões de quilômetros da
Terra, para se chegar à arrecadação tributária de um dia no Brasil teria sido necessário
cobrar da nave um pedágio de R$ 1,12 a cada quilômetro percorrido.
Proporcionalmente, uma tarifa dessas seria 11 vezes maior do que a dos pedágios pagos por um cidadão
que viaja de São Paulo ao Rio de Janeiro (R$ 0,10 por quilômetro).
O
Impostômetro também estima que a arrecadação total do estado brasileiro em 2015
será de R$ 2.086.204.685.685,00 — isso mesmo, mais de dois
trilhões de reais.
Se
você acha que o Brasil é um país em que os impostos são estratosféricos, reveja
seus conceitos. Eles são praticamente interplanetários.
2)
CORRUPÇÃO NA PETROBRAS
Você
quer saber qual exatamente o valor que o país perdeu com o esquema de corrupção
na Petrobras? Boa sorte tentando descobrir.
Uma
pesquisa no Google revela estimativas que variam dos R$2,1 bilhões a
um valor dez vezes maior, R$21 bilhões.
Para
fugir da polêmica, vamos ficar aqui com o cálculo da própria Petrobras, lançado
no balanço auditado divulgado em
abril de 2015: de acordo com a informação disponibilizada na época, as perdas
com corrupção apenas no ano de 2014 totalizaram R$ 6,194 bilhões.
Com
esse dinheiro daria para lançar a New Horizons, as duas Voyager e ainda
sobraria 1 bilhão de reais para comprar eventuais souvenirs interplanetários.
3)
BRASÍLIA FUTEBOL CLUBE X GAMA
Você
já sabe: não se faz uma Copa do Mundo com hospitais. Também não se faz uma Copa
do Mundo em Plutão — infelizmente, já que a baixa gravidade local tornaria o
jogo bem mais interessante. Ainda assim, é mais caro fazer Copa do que ir até o
planetóide — e de longe.
Enquanto
a New Horizons custou R$ 2,2 bilhões, os doze estádios da Copa, somados, custaram R$
8,4 bilhões.
A
New Horizons também custou menos que os R$ 2,5 bilhões da diferença entre
o custo inicial estimado dos doze estádios (R$ 5,9 bi) e o custo final (R$ 8,4
bi).
Mas
a coisa fica pior se pensarmos em dólares. O
valor acima é de 10 de junho do ano passado, data em que o dólar custava R$ 2,22. Pela cotação
da época da Copa, os doze estádios saíram por US$ 3,819 bilhões — o suficiente para mais de cinco New
Horizons.
Somente
o Mané Garrincha custou US$ 630 milhões. É um pouco menos do que a
nave, fato. Mas, como vimos, é mais do que o valor gasto na Voyager 1, que
transmite dados ininterruptamente desde antes da Copa de 1978 e
atualmente se encontra a
quase 20 bilhões de quilômetros do Sol.
Só
os três grandes "elefantes brancos"
da Copa — Mané Garrincha, Arena Amazônia e Arena Pantanal — custaram R$ 2,716
bi, ou US$ 1,223 bilhões. É isso mesmo: chegamos a um ponto em que
a sede do Campeonato Brasiliense é mais cara do que uma viagem aos confins do
Sistema Solar.
4)
FERROVIA NORTE-SUL

Sabe
aquela ferrovia que permite transportar cargas do Maranhão a São Paulo? Eu também não — até porque essa ferrovia
atualmente não existe.
Embora
o projeto original seja do governo Sarney (1987), tudo o que havia até 2014 era
um trecho entre o Maranhão e o Tocantins, expandido no início deste ano.
Espera-se a conclusão dos trabalhos para o final de 2015 — ou seja, mais de 28
anos após seu início.
Somente
o trecho entre Anápolis (GO) e Palmas (TO), de 855 km, custou R$
3,1 bilhões. Somando-se a ele o trecho entre Palmas (TO) e Açailândia (MT),
tem-se 1.574 km de ferrovia que custaram R$ 5,7 bilhões — em
valores não atualizados.
Esse
custo se refere apenas aos trechos já operacionais da ferrovia. Somando-se a
eles os trechos ainda em construção (lembrando que o projeto original é de
1987) e atualizando-se os valores, chega-se a um investimento total de R$ 25,8 bilhões — o dado é do
próprio Governo Federal.
5)
VLT DE CUIABÁ

Nessa
aqui os custos empatam. Se você tiver R$ 2,2 bilhões no bolso,
pode escolher entre explorar um pedaço de pedra e gelo nos confins do Sistema
Solar ou implantar um metrô de superfície de 22 km em Cuiabá.
A
diferença é que a New Horizons foi executada em menos de cinco anos — a ideia
original da nave foi submetida à NASA em abril de 2001, e seu lançamento se deu
em 19 de janeiro de 2006. Já o VLT de Cuiabá está sendo discutido desde 2011, e sua conclusão está sendo
prevista para 2018 —
o que ocorrerá com muita sorte, dado o número enorme de escândalos de corrupção e
propinas que
acompanham a obra desde a licitação.
6)
OLIMPÍADAS

Uma
das ideias por trás da criação dos Jogos Olímpicos modernos foi a de reviver o
espírito das competições realizadas na Grécia na Antiguidade. Se esse objetivo
será cumprido ou não no Rio de Janeiro em 2016 é uma boa pergunta — mas, ao
menos no que diz respeito a gastos públicos, com certeza o ideal de imitar os
gregos já foi realizado em toda sua plenitude. Até o momento, o custo das
Olimpíadas brasileiras é estimado em R$
38,2 bilhões.
Dentro
desse valor, estima-se que R$ 6,6 bilhões serão gastos com
obras em arenas esportivas, e R$ 7 bilhões serão desembolsados
pelo Comitê Organizador com a logística do evento, cerimônias etc.
Cada
uma dessas rubricas por si só já seria suficiente para pagar três viagens
a Plutão.
7)
O MAIOR PRECATÓRIO DO PAÍS

"Precatórios"
são dívidas do estado com empresas e cidadãos reconhecidas pelo Judiciário. Em
um resumo bem simples, a coisa funciona assim: se você considera que o estado
tem alguma dívida com você (salários atrasados, indenização etc.), pode entrar
na Justiça e pedir o seu reconhecimento. Se ganhar a causa, será emitido em seu
favor o tal do "precatório", que basicamente é um papel que coloca o credor na
enorme fila de débitos públicos existente no país.
Entre
o ajuizamento da ação e o pagamento (período esse que leva décadas, no plural
mesmo), o valor é acrescido de juros e corrigido monetariamente, podendo
chegar a quantias milionárias.
Atualmente,
a maior dessas dívidas é de R$ 5 bilhões, devida pela União Federal
ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Rondônia (SINTERO). Seu
pagamento foi suspenso pelo
CNJ em 2012.
Caros
professores rondonienses, fica aqui uma dica: se um dia vocês conseguirem esse
pagamento (o qual, naturalmente, virá do bolso de todos os demais cidadãos brasileiros),
aproveitem parte da grana para montar uma sonda espacial. Será uma experiência
inesquecível para as aulas de Ciências.
Artigo originalmente publicado no site do Spotniks