segunda-feira, 3 ago 2015
Sejamos
sinceros: com nossas universidades loteadas por
professores keynesianos,
e com um empresariado de mentalidade
protecionista e afeita a
subsídios, era
inevitável que,
cedo ou tarde, esse experimento conhecido como "
Nova Matriz Econômica"
fosse implantado no país.
A
demanda por esse conjunto de políticas keynesianas é antiga. Mesmo quando, no período 2005-2008, o
crescimento da economia brasileira era elevado,
a inflação de preços era declinante,
o desemprego diminuía
e a classe média aumentava
rapidamente, os clamores por uma guinada mais radical à heterodoxia ainda
eram uma constante.
E
o argumento — o mesmo de sempre — era o de que o país iria
crescer muito mais caso o governo adotasse uma política fiscal mais expansionista
e uma política monetária mais
frouxa, utilizasse os bancos
estatais para expandir o crédito, desvalorizasse o câmbio
e aumentasse as tarifas
de importação para "estimular" a indústria nacional.
Durante
o auge desse experimento, em que o "capitalismo de estado" foi elevado ao
paroxismo, não foram poucos aqueles que vaticinaram que tal arranjo "havia
vencido e havia melhorado a vida do pobre".
Tais
pessoas se deixaram levar pelos resultados de curto prazo — quando medidas
heterodoxas são adotadas após medidas ortodoxas terem arrumado a casa,
os números econômicos apresentaram um desempenho atraente —, e ignoraram
completamente as consequências de longo prazo.
Mas
o longo prazo chegou. E os resultados deste experimento ultrakeynesiano estão
se revelando trágicos.
Não
é o objetivo do presente artigo listar todos os erros da Nova Matriz
Econômica. Isso já foi feito em detalhes
neste outro artigo,
na forma de uma narração cronológica.
Aqui,
por uma questão de brevidade, vale apenas dizer que este experimento ultrakeynesiano
culminou em um grave
desarranjo nas contas públicas, em uma forte
elevação da dívida bruta, em uma acentuada
desvalorização cambial, na mais alta
taxa de inflação de preços desde 2003, e, como não poderia deixar de ser,
em uma sensível queda
na renda real dos trabalhadores.
Esses
cinco fatores, conjuntamente, derrubaram a confiança dos consumidores, dos
empresários e dos investidores nacionais e estrangeiros. Pelos dados mais recentes, a confiança dos
consumidores caiu
23% em apenas um ano, a confiança do empresariado desabou
ao pior nível da série histórica, e os investimentos acumulam
sete trimestres seguidos de queda.
Em
paralelo, as agências de classificação de risco ameaçam
rebaixar os títulos da dívida do governo brasileiro à qualidade de
"especulativo" — o que gera ainda mais desvalorização cambial, realimentando a
inflação de preços —, o desemprego
segue em ascensão, algo atípico para esta época do ano, e espera-se que a
economia encolha
quase 2% este ano.
Para piorar
a situação
Por
si sós, tanto o diagnóstico da situação quanto a cura são simples. Vivêssemos em um país estável, não haveria
maiores percalços na correção dos problemas acima. Seria um processo doloroso, sim, mas
totalmente solucionável. Com efeito, não
seria muito diferente do que foi feito no próprio Brasil em
2003, ou nos EUA no
início da década de 1980.
No
entanto, o Brasil está passando por um período de forte turbulência no cenário
político. Embora turbulências políticas
não sejam atípicas no Brasil — passamos por algo semelhante em 1992, com o
impeachment de Fernando Collor, e em 2005, com o estouro do "mensalão" —, a
atual crise política possui componentes realmente únicos. E bastante desestabilizadores.
De
um lado, segundo os delatores Ricardo Pessoa, Fernando Baiano, Pedro Barusco e Alberto Youssef, o dinheiro roubado da Petrobras bancou as campanhas eleitorais de
Dilma, o que seria motivo para impeachment.
Adicionalmente, as pedaladas
fiscais ocorridas no primeiro mandato de Dilma configurariam crime de
responsabilidade fiscal, também motivo para impeachment.
E,
por se tratar de fatos que envolvem a campanha eleitoral, o então candidato à
vice-presidência e atual ocupante do cargo, Michel Temer, também pode ser
engolfado pelas denúncias.
Mas
não pára por aí: os sucessores diretos da presidente da República — que são o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o do Senado Federal, Renan
Calheiros — também estão envolvidos em inquéritos no STF, e podem ser
igualmente derrubados.
Ou
seja, simplesmente não se sabe quem sobrará inteiro.
Com
o perdão do clichê, o estado brasileiro se transformou em uma ilha cercada
por corrupção por
todos os lados. As denúncias envolvendo os principais líderes da política se
generalizam e se banalizam.
Por
si só, este cenário de total incerteza política já seria o suficiente para
travar os investimentos. Quem faria um
investimento de longo prazo em um país cujo cenário político pode mudar
radicalmente já no próximo mês? No
entanto — e novamente com o perdão do clichê —, como desgraça pouca é
bobagem, essa crise política ocorre em um cenário de economia já deteriorada, em
que há uma inflação de preços teimosamente alta, uma moeda que está se
esfacelando no cenário internacional, e um crescente desemprego, o que
intensifica ainda mais os problemas.
Não haverá
crescimento enquanto os investimentos não voltarem
Para
a economia voltar a crescer é necessário haver investimentos. Por definição, não há crescimento econômico
sem investimentos. Não há empregos sem
investimentos. Não há consumo sem
investimentos.
Para
algo ser consumido, antes ele tem de ser produzido. E para ele ser produzido é necessário haver
bens de capital operando em uma instalação industrial para fabricá-lo. E nada disso existe sem investimentos.
Igualmente,
não há geração de empregos com bons salários sem investimentos.
Só
que os investimentos só ocorrem quando, além de um mínimo de estabilidade
político, a inflação de preços é baixa e
as contas do governo estão arrumadas.
O
que esse governo parece não ter entendido é que uma inflação de preços
permanentemente alta tem o poder de desorganizar toda a economia, pois ela gera
grandes incertezas entre os empreendedores e também entre os consumidores.
Quando
um empreendedor faz um investimento voltado para o longo prazo — ou seja,
quando ele decide construir novas instalações, ou quando ele decide ampliar as
instalações de sua empresa, ou quando ele decide investir em infraestrutura, ou
até mesmo quando ele pensa em contratar mão-de-obra —, o mais essencial de que ele
necessita é ter um mínimo de certeza a respeito do poder de compra da moeda no
futuro, que é quando investimento dele estará pronto e ele começará a auferir
as receitas dele.
Se
houver a perspectiva de que o poder de compra da moeda será muito menor do que o poder de compra atual,
então esse investimento de longo prazo se torna muito arriscado e incerto.
Se
você não tem como prever minimamente quais serão os preços e os custos daqui a
alguns anos, qualquer investimento de longo prazo se torna um tiro no escuro.
E
então, como consequência, os empreendedores passam a se concentrar em projetos
de curto prazo; projetos que visam ao futuro mais imediato. Consequentemente, a fabricação de máquinas e
equipamentos, bem como a ampliação de instalações industriais serão interrompidas,
e investimentos de mais curto prazo, como a fabricação de pirulitos e biscoitos,
serão os mais prioritários.
Adicionalmente, empreendedores e investidores passarão muito mais tempo
especulando no mercado financeiro apenas para se protegerem da perda do poder
de compra da moeda.
Vale
repetir: em um cenário de inflação de preços permanentemente alta, a maior
preocupação de investidores e empreendedores passa a ser a de se proteger da
perda do poder de compra da moda. Tanto
é assim que na época da hiperinflação no Brasil ninguém planejava a longo
prazo.
E
os consumidores, por sua vez, ao verem que seu orçamento está apertado e seu
poder de compra está caindo, acabam sendo obrigados a apertar os cintos e a
consumir apenas o essencial.
Ou
seja, uma inflação de preços permanentemente alta tem o poder de fazer com que
coisas essenciais — como investimentos de longo prazo, que são os reais
geradores de riqueza de uma economia — sejam sensivelmente afetadas, e que
outras coisas igualmente importantes deixem de ser consumidas.
De
janeiro de 2010 (primeiro mês após um ano de recessão, que foi 2009) até junho
de 2015, a inflação de preços mensurada pelo IPCA é
de 43%. Um bem que custava R$ 50.000
no início de 2010 hoje custa R$ 71.421.
Isso não é coisa de país sério e desenvolvido.
(A
título de comparação, um país que tenha uma inflação de 2% ao ano — que já é
considerada alta lá nos países desenvolvidos — irá demorar 18 anos para
acumular essa mesma inflação de 43% que acumulamos em apenas 5 anos e meio.)
Pior
ainda: o último ano em que tivemos um IPCA que ficou no centro da meta
estabelecida pelo Banco Central foi em 2009, quando o IPCA ficou 4,47%. E aquele foi um ano de recessão. Desde 2011, a inflação de preços em nenhum
momento fica perto da meta de 4,50% estabelecida pelo próprio Banco
Central. Em vários momentos ela ultrapassa
o teto da meta, de 6,50%.
Além
da inflação, como dito, outro fator que afeta os investimentos é o orçamento do
governo. Se as contas do governo
estiverem em descalabro, os investimentos inevitavelmente serão afetados. E o motivo é simples: contas desarranjadas
não duram por muito tempo. Sempre chega
o momento do rearranjo. E quando essa
necessidade de ajuste fiscal se impõe, as medidas adotadas — alta
de impostos e abolição de isenções — geram custos adicionais às empresas e
mudam totalmente o cenário no qual elas basearam seus planos de investimentos.
Empresas,
vale repetir, planejam a longo prazo. Elementos como previsibilidade, facilidade de
empreender e custo tributário são cruciais. Mudanças abruptas que afetam a
previsibilidade, que elevam a complexidade, que geram mais incertezas, e que
aumentam o custo da tributação alteram todo o planejamento das empresas e
causam danos duradouros.
A
conjunção desses três fatores — instabilidade política, inflação de preços
continuamente alta, e política fiscal frouxa (o que gera incertezas em
decorrência de um orçamento governamental instável) — levaram a uma retração
dos investimentos que já perdura há sete trimestres.
Os seis
fatores que geram a inflação de preços
1) Descasamento entre oferta e demanda
A
primeira coisa a se ter em mente é que as leis básicas da economia são
imutáveis. Se a inflação de preços se
mantém, durante anos, continuamente alta, isso significa que está havendo um
descasamento entre oferta e demanda.
Um
dos pilares da Nova Matriz Econômica foi
o incentivo ao consumo. Só que o
incentivo ao consumo não foi acompanhado por aumento dos investimentos visando
ao aumento da oferta de bens. Ao
contrário: ao
elevar as tarifas de importação, e fazer do Brasil a
economia mais fechada do mundo, o governo restringiu ainda mais a oferta
interna de bens, levando a um encarecimento ainda mais intenso dos produtos.
O
problema do Brasil nunca foi de demanda, mas sim de oferta de bens e serviços. Ao estimular a demanda, mas não fazer nada
para incentivar a oferta, o governo criou o primeiro estímulo a uma inflação de
preços permanentemente alta.
2) Expansão do crédito dos bancos estatais
Esse
segundo fator decorre diretamente do primeiro.
Com a eclosão da crise financeira ao final de 2008, que começou
com a quebra do
Lehman Brothers, houve um congelamento no mercado de crédito global. Ato contínuo, os bancos privados brasileiros,
por causa desse cenário de grande incerteza, se tornaram mais cautelosos.
Consequentemente,
com o intuito de manter o consumo a todo custo, o governo fez com que os bancos
estatais — que estão sob o comando da Fazenda — assumissem uma postura
acentuadamente contracíclica. O Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES
abriram as torneiras e mantiveram o crédito. Resultado: o crédito no
Brasil passou a ser concedido majoritariamente via bancos estatais, e quase
sempre a juros abaixo da própria taxa SELIC.
O
gráfico abaixo mostra a expansão do crédito ocorrida no Brasil desde a criação
do real. A linha azul mostra o total de crédito concedido pelos bancos privados
(Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank e outros pequenos). A linha
vermelha mostra o total de crédito concedido pelos bancos estatais (Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste e outros bancos
públicos estaduais, como Banrisul, BRB, Banco da Amazônia, Banestes).

É
nítida a forte inclinação adquirida pela linha vermelha a partir de meados de
2008, assumindo um formato de crescimento exponencial. Entre 2009 e 2015, o crédito concedido pelos
bancos estatais praticamente quadruplicou.
Vale
enfatizar que, no nosso atual sistema monetário e bancário, o processo de
expansão do crédito gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia. Quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo,
os bancos criam dinheiro do nada — na verdade, meros dígitos eletrônicos — e
simplesmente acrescentam esses dígitos na conta do tomador do empréstimo.
Ou
seja, todo esse processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo
que aumenta a quantidade de dinheiro na
economia. (Mesmo o BNDES, que antigamente utilizava apenas recursos
do FAT, teve sua operação alterada, e agora também se tornou uma máquina de criar dinheiro,
ainda que de maneira indireta).
Explicar
o funcionamento do sistema bancário está fora do escopo desse artigo (você pode
entender todos os detalhes do sistema bancário neste artigo), de modo
que basta dizer que os bancos, quando emprestam dinheiro, criam dígitos
eletrônicos do nada, e esses dígitos eletrônicos representam
dinheiro.
Consequentemente,
o gráfico acima mostra a quantidade de dinheiro que os bancos (privados e
estatais) jogaram na economia.
Além
de comprovar que o crédito no Brasil já se encontra efetivamente estatizado —
pois o volume de crédito fornecido pelos bancos estatais ultrapassou em muito o
volume de crédito fornecido pelos bancos privados —, o gráfico acima mostra
que são os bancos estatais os principais causadores da carestia que estamos
vivenciando no Brasil. De 2009 até hoje, eles sozinhos já jogaram
mais de R$ 1,25 trilhão na economia brasileira. Nesse mesmo período, os
bancos privados jogaram "apenas" R$ 600 bilhões.
Quanto
mais dinheiro eles jogam na economia, maior é a pressão sobre os preços.
E
há um detalhe maléfico: os bancos estatais trabalham majoritariamente com uma
modalidade de crédito chamada "crédito direcionado".
Isso significa que os bancos estatais são obrigados, pelo governo, a fornecer empréstimos
subsidiados pelo Tesouro — a juros bem abaixo da SELIC — para alguns setores
escolhidos pelo governo, sendo os principais o setor imobiliário (para
aquisição de imóveis), o setor rural, o setor exportador e os barões do setor
industrial.
Ou
seja, aquela linha vermelha representa um crédito que é alocado de acordo com
critérios políticos (Minha Casa Minha Vida, Crédito Rural Empresarial, Pronaf,
PRONAMP, FINAME PSI, FIES etc.), ao passo que a linha azul representa um
crédito que é alocado mais de acordo com as reais condições de mercado.
Consequentemente,
a política de juros do Banco Central não afeta aquela linha vermelha. Ela
afeta apenas a linha azul. Ou seja, a política de juros do Banco Central
atua apenas sobre o crédito livre, que é quase todo fornecido pelos bancos
privados. Quanto mais a SELIC sobe, mais
o crédito dos bancos privados é asfixiado, e consequentemente maior é o grau de
estatização do crédito. Isso significa que o combate à carestia via
simples aumento da SELIC não funcionará enquanto os bancos estatais estiverem
sob comando da Fazenda.
Em
última instância, são os bancos estatais os responsáveis pelos juros serem
altos no Brasil. Dado que o "crédito direcionado" é imune à SELIC e dado
que tal modalidade de crédito representa quase metade dos empréstimos feitos no
Brasil (veja aqui
os juros e o volume total do crédito direcionado, e aqui os juros e o
volume total do crédito livre), a conclusão óbvia é que a SELIC tem de estar em
um nível duplamente mais alto apenas para encarecer os empréstimos feitos pelos
bancos privados e, com isso, reduzir um pouco o processo de criação de
dinheiro.
Caso
os bancos estatais operassem sob as mesmas leis que valem para os bancos
privados, a SELIC seria menor e, consequentemente, os juros cobrados pelos
bancos privados também seriam menores do que são hoje; por outro lado, os juros
cobrados pelos bancos estatais seriam maiores do que são hoje. No geral,
teríamos taxas de juros (do crédito livre) e de inflação de preços um pouco
mais civilizadas.
3) Déficits orçamentários do governo
Quando
o governo incorre em um déficit orçamentário — ou seja, quando ele gasta mais
do que arrecada com impostos —, o Tesouro emite títulos. Esses títulos são majoritariamente comprados
pelos bancos por
meio do processo de criação de dinheiro descrito acima.
Portanto,
os déficits do governo são uma medida inerentemente inflacionária.
O
gráfico abaixo mostra o total de títulos que o Tesouro emitiu e que ainda estão
em circulação. Ou seja, grosso modo, o
gráfico abaixo mostra a quantidade de dinheiro que os bancos criaram para
comprar esses títulos.

Observe
que, de 1998 a 2008, o crescimento é linear.
Em 2009, há uma aceleração, decorrente da introdução da política de emitir títulos para
financiar o BNDES. Já em meados de
2014, a emissão de títulos acelera ainda mais, agora em decorrência de o
governo estar operando
em déficit primário.
Ou
seja, essa recente aceleração da emissão de títulos do Tesouro, decorrente da
devassidão dos gastos do governo, aumentou ainda mais a quantidade de dinheiro
jogado na economia. (Vale ressaltar que esse dinheiro utilizado para comprar
títulos do governo não está incluído
no gráfico do item 2).
Adicionalmente,
vale ressaltar que, na prática, o gráfico representa a evolução da dívida total
do Tesouro.
4) Desvalorização cambial
A
taxa de câmbio, que já vinha em contínua desvalorização desde julho de 2011
(desvalorização essa decorrente da contínua inflação de preços), intensificou
as perdas a partir de 2015 devido ao risco cada vez mais concreto de o
governo brasileiro perder o selo de bom pagador (o investment grade concedido pela agência de classificação de risco
Standard & Poor's).
Com
a recente notícia
de que o governo não conseguirá nem sequer cumprir o já baixo valor do
superávit primário prometido para este ano — o superávit seria
de 1,1% do PIB, mas será de apenas 0,15% —, a coisa degringolou de vez.

Com
tudo isso, em apenas quatro anos, o dólar saltou de R$ 1,60 para R$ 3,40.
A
desvalorização cambial é um fenômeno que gera carestia generalizada em
praticamente todos os bens e serviços do mercado interno, pois ela
gera um efeito em cascata. Até mesmo os preços de coisas básicas como remédio,
pão
e carne
encarecem em decorrência de uma alta do dólar.
(A
química fina dos remédios é toda importada. O trigo do pão, que também é
majoritariamente importado, é uma commodity precificada em dólar. E a carne, que é
altamente exportável, encarece pelo fato de que, se o dólar encarece, mais
carne é exportada, o que leva uma redução da oferta de carne no mercado
interno. Adicionalmente, o dólar caro
também encarece o preço da soja (a soja é uma commodity precificada em dólar e
é exportável); e dado que o farelo de soja é utilizado como ração para bovinos,
o encarecimento da soja encarece todo o processo de produção. (Apenas no
mês de março, a tonelada do farelo de soja subiu de R$
1.070 para R$
1.250).
Quando
a carestia é gerada pela expansão do crédito, a renda nominal das pessoas — por causa do aumento da quantidade de
dinheiro na economia — tende a aumentar de maneira relativamente simultânea ao
aumento de preços. Já quando a carestia
é impulsionada por uma desvalorização cambial, a renda nominal não acompanha os
preços, o que gera uma sensação mais imediata de empobrecimento. Parodiando Mario Henrique Simonsen, a
inflação (monetária) aleija; o câmbio mata.
No
que mais, ao contrário do que defendem os desenvolvimentistas, uma
desvalorização cambial prejudica a
indústria nacional. Qualquer indústria
que se preze tem de importar máquinas e bens de capital de
qualidade, além de peças de reposição, para produzir seus bens de
qualidade. Se isso puder ser feito a um custo baixo (permitido por uma
moeda forte), tanto melhor. Uma moeda forte permite que as indústrias comprem
bens de capital, máquinas e equipamentos de qualidade a preços baixos.
Isso as deixaria mais produtivas, aumentaria a qualidade dos seus produtos, e
faria com que eles fossem mais demandados lá fora, ajudando as exportações.
Já
uma moeda desvalorizada encarece toda essa operação, fazendo com que as
indústrias tenham de pagar mais caro por maquinários de qualidade. O processo de produção das indústrias é
sensivelmente encarecido por uma desvalorização cambial.
Para
entender em mais detalhes por que um câmbio desvalorizado prejudica a indústria
nacional e gera desindustrialização, ver aqui, aqui e aqui.
5) Preços administrados
Esse
é o mais óbvio.
De
um lado, um mastodôntico esquema
de corrupção funcionou durante anos na Petrobras, o que destroçou o
capital da empresa. Ao mesmo tempo em que esse esquema operava, o governo
obrigou a Petrobras a vender às distribuidoras gasolina
abaixo do preço pelo qual ela foi importada. E a obrigou também
a produzir utilizando uma determinada
porcentagem de insumos fabricados no Brasil. O capital da Petrobras,
portanto, sofreu um triplo ataque. Consequentemente, a Petrobras se torna
a empresa mais
endividada do mundo.
De
outro, o governo, em 2012, unilateralmente decidiu revogar os
contratos de concessão das empresas de geração e transmissão de energia (os
quais terminariam entre 2014 e 2018) com o intuito de fazer novos contratos e
impor tarifas menores.
Com
esse ataque às geradoras e transmissoras, as distribuidoras ficaram sem
alternativa e tiveram de recorrer ao mercado de energia de curto prazo, no qual
os preços negociados são muito superiores em relação aos ofertados pelas
geradoras que ficaram sob intervenção.
As
distribuidoras ficaram desabastecidas
e endividadas e o Tesouro — ou seja, nós, os pagadores de impostos —
começou a repassar
dinheiro para as distribuidoras, garantindo artificialmente a política de
tarifas baratas. Isso estimulou o endividamento do governo, mostrado no
gráfico do item 3.
Com
a insustentabilidade das contas públicas, os repasses do Tesouro às
distribuidoras de energia foram
abolidos. As tarifas encareceram,
em média, 58%. (Em
Porto Alegre e São Paulo, os reajustes ficam acima de 70%; em
Vitória e Curitiba, passam dos 80%).
Ao
mesmo tempo, a Petrobras decidiu que já era hora de recompor seu caixa
(dizimado tanto pela corrupção quanto pela política de vender gasolina a preços
menores que os custos de importação), e o preço
da gasolina disparou nas bombas.
Esse
impacto da correção dos preços administrados, que ficaram represados por anos,
é um dos principais vilões da carestia neste ano de 2015. E seus efeitos são semelhantes aos de uma
desvalorização cambial.
6) Expectativas de inflação
Esse
é um fator crucial.
Os
cinco itens acima, conjuntamente, fazem com que o cidadão comum — que já passou
os últimos 5 anos convivendo com uma inflação constantemente acima da meta —
simplesmente imagine que a inflação de preços continuará alta no futuro.
Ao
sentir de maneira cada vez mais evidente a contínua corrosão do seu poder de
compra, o indivíduo naturalmente passa a imaginar que a inflação de preços continuará
alta e não irá ceder rapidamente. Trata-se
de uma reação automática. Por que ele
iria pensar o contrário?
Essa deterioração
das expectativas inflacionárias faz com que os formadores de preço —
dentistas, encanadores, advogados, mecânicos, indústrias e comércio —
incorporem essa expectativa de que a inflação continuará alta e,
consequentemente, reajustem seus preços baseando-se nessas expectativas.
A
percepção de que está havendo uma perda real de renda leva a um processo
defensivo por parte desses agentes econômicos, que tentam preservar sua renda
real por meio de reajustes de preços, salários e contratos.

E
isso realimenta um contínuo aumento de preços.
Vale
ressaltar que o grande culpado por esse descalabro é o próprio Banco Central,
que, desde 2011, não apenas não cumpriu sua função autoproclamada de manter a
inflação de preços na meta por nenhum ano, como ainda permitiu que a inflação
de preços se mantivesse por vários meses acima
do teto da meta. O Banco Central
condicionou os brasileiros a criar uma alta expectativa inflacionária.
Por isso os juros dobraram
Os
seis itens acima explicam por que a taxa SELIC foi de 7,25%
para 14,25% em dois anos e meio.
Ao
que tudo indica, o Banco Central atentou-se para o último item, e percebeu que
é crucial retornar
as expectativas inflacionárias para níveis mais baixos. Daí a subida mais intensa dos juros observada
neste ano, mesmo com uma economia em recessão.
E
o fato de o Banco Central estar subindo os juros durante um momento em que a
economia já
se encontra em recessão vem espantando várias pessoas, inclusive analistas
econômicos. O motivo dessa subida dos
juros, ao menos do ponto de vista da
teoria econômica convencional, é simples: a inflação está alta e, ainda
mais grave, as expectativas inflacionárias para o futuro também estão altas. A subida dos juros seria a única maneira de o
Banco Central — utilizando um jargão econômico favorito da imprensa — "ancorar"
as expectativas inflacionárias futuras.
Ou
seja, segundo a teoria convencional,
mesmo em um ambiente de recessão, e apesar do fato de os preços administrados
pelo governo (imunes a juros) terem contribuído enormemente para o forte
aumento da carestia, subir os juros é necessário pelo simples fato de a
inflação de preços estar alta.
Adicionalmente,
ainda segundo a teoria convencional,
há o fato de que um aumento dos juros tende a arrefecer a demanda (inclusive os
investimentos, que geram grande demanda) e o emprego. Esse conjunto de fatores recessivos tende a
pressionar os preços para baixo. Consequentemente, o fato de as expectativas
inflacionárias futuras estarem altas piora a situação, pois, para trazer a
inflação à meta, a queda da demanda e da atividade econômica, bem como o
aumento do desemprego, têm de ser maior do que seriam caso a expectativa
estivesse na meta.
Logo,
e sempre de acordo com a teoria
convencional, a maneira mais rápida de reverter um cenário de deterioração
das expectativas de inflação é, de um lado, gerar uma forte recessão, com queda
dos salários e aumento do desemprego; e de outro, estimular as pessoas, por
meio de um aumento do rendimento das aplicações financeiras, a não se
desfazerem da moeda por medo de uma perda do poder de compra,
Esse
é o atual plano do Banco Central.
Mas
há também outros motivos para a alta dos juros.
Segundo
o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, por causa da deterioração do
atual panorama fiscal do governo federal, uma parte dos títulos que o
Tesouro põe a leilão já não está conseguindo ser vendida, pois os juros
ofertados não são atrativos o bastante. Isso
é outro fator crucial que está forçando os juros para cima.
No final, o nível
dos juros praticados por um país depende de uma combinação de uma variedade de
riscos: inflação de preços vigente (atualmente em quase 9%), expectativas de
inflação futura (ainda altas), situação fiscal do governo (lastimável),
solvência do Tesouro (ainda existe), riscos políticos (enormes) e risco de
súbita desvalorização cambial (o
dólar subiu 51% nos últimos 12 meses; somente em julho, subiu 10%).
No momento, todos
esses itens, como explicado no artigo, estão se manifestando acentuadamente no
Brasil.
Quanto piores
esses itens, maiores tenderão a ser os juros demandados por quem pretende
emprestar para o governo.
O grande problema
é que esse aumento de juros tende a gerar um ciclo vicioso: a subida dos juros
encarece o serviço da dívida; consequentemente, o Tesouro tem de se endividar
(lançar mais títulos) apenas para pagar o serviço da dívida; consequentemente,
a dívida do governo aumenta; consequentemente, a relação dívida/PIB, já alta,
se deteriora ainda mais; consequentemente, o investment grade do país fica ainda mais em risco. E tudo isso gera ainda mais
desvalorização cambial, o que pressiona ainda mais inflação de preços.
Conclusão: elevar
juros tendo uma política fiscal frouxa e trabalhando com câmbio flutuante é
quase um suicídio. Por outro lado, dada
a escolha de um arranjo com câmbio flutuante, não há alternativa.
O que poderia ser feito
O atual problema
do Brasil está na moeda — a inflação de preços está alta e, consequentemente,
os juros estão altos — e na política fiscal do governo. Isso está, pelos motivos descritos acima,
afetando severamente os investimentos.
Estamos em uma
sinuca de bico: os juros altos e a confiança em baixa diminuem os investimentos
e o consumo. Isso gera recessão. A recessão reduz as atividades das empresas e
aumenta o desemprego. Isso inibe ainda mais os investimentos e acentua a queda
da confiança. Cria-se então um ciclo
vicioso.
A reversão desse
cenário passa pelo aumento nos investimentos.
E, dado que é justamente de investimentos que o Brasil precisa, a
solução passa por criar um arranjo que estimule os investimentos ao mesmo tempo
em que o governo faz seu ajuste fiscal e o Banco Central mantém sua política de
(tentar) recuperar a confiança no real.
E isso é possível
adotando-se duas políticas relativamente simples de serem implantadas.
De um lado, todo e qualquer investimento estrangeiro
deve ser imediatamente liberado. A
nossa salvação está no capital estrangeiro.
Dado que os juros nos países desenvolvidos estão próximos de zero, e
dado que esses estrangeiros muito provavelmente fariam qualquer investimento
que retorne acima de 5%, é com eles que teremos de contar. O governo brasileiro, portanto, deveria liberar
totalmente a vinda de capital estrangeiro para cá, dando plena liberdade para
os estrangeiros investirem onde quiserem, sem tabelar lucros, sem tabelar a
taxa de retorno, e acabando com todas as restrições vigentes que impõem um
limite para a participação de estrangeiros em vários setores da economia. (Essas políticas foram explicadas em mais
detalhes neste artigo).
De outro lado — e,
sem isso, é impossível o sucesso do item anterior —, o governo deve
imediatamente liberar o uso de moedas
estrangeiras no Brasil. De nada
adianta os estrangeiros estarem liberados para investir aqui se eles forem
obrigados a operar exclusivamente com o real.
O simples fato de o câmbio ser flutuante, e de estar em tendência de
forte desvalorização, já faz com que qualquer investimento produtivo seja proibitivo.
Eis
um exemplo: em janeiro, quando um dólar custava R$ 2,60, um investidor que
tivesse trazido US$ 100 para Brasil converteria para R$ 260. Hoje, com o câmbio a 3,40, se esses R$ 260
fossem reconvertidos em dólares, o investidor estrangeiro teria apenas US$ 76. Consequentemente, seus investimentos no
Brasil teriam de ter um retorno de 30% em seis meses apenas para ele ficar no zero a zero.
Essa
é a encrenca do câmbio flutuante. País
de moeda instável é prejuízo certo para o investidor estrangeiro. A taxa de retorno teria de ser altíssima para
que ele se arriscasse a vir para cá.
Se
um investidor estrangeiro não faz a menor ideia de qual será o valor do real no
futuro, ele não fará investimentos de longo prazo, e se concentrará
majoritariamente na especulação financeira, que permite ganhos expressivos em
prazos ínfimos.
Por
isso, é crucial que o governo libere o uso de moedas estrangeiras no
Brasil. Tal arranjo foi adotado com grande sucesso no Peru, que liberou o dólar como moeda corrente. Ao contrário do que muitos temiam, a moeda nacional peruana se fortaleceu com a medida, e os juros nacionais caíram acentuadamente. Além de a concorrência estimular tanto o Banco Central quanto o governo a serem mais prudentes e responsáveis, o próprio aumento da oferta de moeda estrangeira tende a apreciar a moeda nacional.
Mais detalhes sobre esse
processo estão descritos neste artigo.
Sem
essas duas medidas tomadas conjuntamente, resta-nos apenas torcer para que
impere o bom senso em Brasília (não prenda a respiração) e que esse ajuste não
seja tão demorado quanto se estima (já
há um consenso de que haverá estagnação até 2018).
Conclusão
Uma
recessão econômica, por si só, já é um fenômeno delicado, que exige
racionalidade política. Um governo
excepcionalmente bom (se é que isso é possível) pode apenas não atrapalhar a
economia. Já um governo incrivelmente
ruim pode exacerbar completamente uma situação econômica já complicada.
Estamos
em um cenário de muita incerteza, pouco investimento, baixa produtividade, recessão,
desemprego, crise energética e crise hídrica.
Para ficar mais gostoso, há uma crise política que já virou crise
policial, o que aumenta ainda mais a paralisia da economia.
Mas
há ao menos uma boa notícia em meio a tudo isso: esse experimento
ultrakeyensiano da Nova Matriz Econômica — o qual, como dito lá no início, era
inevitável — fracassou não apenas de forma fragorosa e brutal, como também de
maneira rápida.
A
ideia de recorrer a uma maior intervenção governamental para aditivar o
crescimento econômico sob a direção de Brasília não apenas gerou todos os
descalabros citados, como ainda fez com que, no final, a taxa básica de juros
voltasse a patamares que vigoravam há nove anos.
Com
alguma sorte, novas aventuras heterodoxas desse tipo não serão novamente
tentadas nas próximas duas décadas.
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Leia também:
O trágico legado da
"Nova Matriz Econômica" - um resumo cronológico
Uma radiografia da
destruição do real - ou: não há economia forte com uma moeda doente
Os 10 pecados capitais da
política econômica do governo Dilma
O que houve com a economia
brasileira?
Para impedir a destruição
do real e do setor industrial, o Banco Central tem de ter concorrência
O crescimento econômico é
fácil e natural - basta o governo permitir