quarta-feira, 12 ago 2015
A
notícia apareceu em todos os veículos de comunicação do mundo, primeiro em tom
de
elogio,
depois em tom de
lamento:
Dan Price, fundador e presidente da Gravity Payments, uma sociedade de serviços
de pagamento localizada na cidade americana de Seattle, reduziu seu próprio salário
anual em US$ 930 mil para poder elevar o salário mínimo de seus funcionários para
US$ 70 mil por ano.
O
plano foi anunciado em
abril de 2015, e a expectativa era a de que ele seria integralmente implantado
ao longo três anos. Tanto seus
empregados (especialmente aqueles que ganhavam menos e que, portanto, seriam
contemplados com um aumento salarial mais robusto) quanto os defensores da
igualdade de renda celebraram a medida.
Esse
evento atraiu considerável publicidade e se espraiou pelas mídias sociais,
recebendo fartos elogios, mas também gerando algumas reações negativas.
Em
um artigo do The New York Times que
relatava as reações iniciais das pessoas, ainda em abril, o radialista
conservador Rush Limbaugh
(o mais influente comentarista conservador dos EUA) classificou a medida de "socialismo
total e completo". Já um economista do também
conservador American Enterprise Institute
disse que "É até possível que isso possa funcionar nessa empresa em específico,
mas não é nada do qual possamos tirar lições generalizadas". Outro economista, agora da Houve Institution, da Universidade de
Stanford, teve uma postura diferente e previu que "Isso vai ser ótimo para os negócios
dessa empresa".
Como
sempre, boa parte dos elogios e do alvoroço, tanto dos defensores quanto dos críticos,
estava ou errado ou certo pelas razões erradas (se ainda não há um termo para
esse fenômeno, está na hora de criar um). O que realmente pode ser dito, mesmo
sem o benefício da visão retrospectiva, é que as medidas do presidente dessa
empresa geraram algumas consequências negativas que ele não previra.
O tiro saiu pela
culatra
Aproximadamente
três meses e meio após o anúncio da medida, o The New York Times publicou outro artigo relatando
brigas, desentendimentos e dificuldades dentro dessa empresa de Seattle,
relacionados direta e indiretamente à nova estrutura de pagamento.
Alguns
clientes da Gravity Payments saíram da empresa porque viram a medida como sendo
de cunho puramente político. Outros saíram
porque temiam que tal medida gerasse um aumento das taxas cobradas. Por outro lado, houve um aumento no número de
novos clientes. E esse aumento mais do
que compensou o número de clientes que saiu da empresa e foi procurar serviços de
pagamento em outras empresas. Isso significa
que, de início, a Gravity Payments teve de contratar mais empregados, os quais
agora já entravam ganhando US$ 70 mil anuais cada.
Porém,
os verdadeiros problemas da empresa eram internos. De acordo com o artigo do The New York Times, "dois dos empregados
mais valiosos do senhor Price pediram demissão, em parte motivados pela visão de
que era injusto dobrar o salário dos recém-contratados ao mesmo tempo em que os
funcionários mais antigos tiveram aumentos ínfimos ou até mesmo nenhum aumento".
Para
piorar, o irmão de Dan Price, Lucas Price, entrou com um processo judicial por violações
dos seus direitos e benefícios como acionista minoritário da Gravity
Payments. Lucas também acusou o irmão Dan
de usufruir um salário excessivamente alto na condição de presidente da empresa,
o qual era de US$ 1 milhão — um valor muito acima das estipulações do contrato
— antes da redução salarial voluntária feita por Dan.
Ou
seja: uma das principais razões dessa caritativa redução do seu próprio salário
pode ter sido a de fazer com que a opinião pública ficasse ao lado de Dan e
contra seu irmão e seu processo judicial — uma tática muito sórdida por trás de
uma ação aparentemente nobre.
Onde é que a
teoria econômica entra?
É
tentador utilizar este exemplo para fazer argumentos contra a legislação que impõe
um salário mínimo excessivamente alto, e muitos economistas liberais fizeram
isso. O problema, no entanto, é que as
críticas à imposição de um salário mínimo não se aplicam aqui. Dan Price voluntariamente
aumentou os salários dos seus empregados.
Todos os seus empregados ainda estão ganhando menos do que a receita
marginal do produto que eles geram (caso contrário, a empresa não teria lucros).
Ocorre
apenas que, para o senhor Price, parte desse "produto" que os empregados geram
pode ter um valor "não-monetário", ou um valor meramente "psíquico". O senhor Price simplesmente pode ter uma sensação
boa ao fazer doações caritativas, ou ele pode querer adquirir uma boa reputação
na condição de presidente da empresa. No
que mais, o benefício que ele teria ao ter a opinião pública ao seu lado e
contra seu irmão na disputa judicial também pode ser visto como um lucro psíquico.
Empreendedores
contratam mão-de-obra tendo em vista seu lucro marginal, o que significa que
eles tomam decisões sobre contratar mão-de-obra adicional tendo por base quanto
essa mão-de-obra adicional irá custar e quanto ela irá produzir a mais, desta
maneira gerando mais receitas com a venda desse produto adicional. Por causa disso, e por uma questão de lógica,
a receita marginal gerada por um empregado é o valor máximo que seu patrão poderá
lhe pagar (acima disso haverá prejuízo).
O
ocorrido com a Gravity Payments requer que expandamos nosso pensamento para ver
o que conta como receita ou benefício para o empreendedor. Suponha que Dan Price contrate um empregado
por $ 70 mil por ano, mas esse empregado gere apenas $ 50 mil anuais de receita
adicional para empresa. Isso significa
que, para o senhor Price, há um custo extra de $ 20 mil para fazer com que
aquele empregado ganhe um salário $ 20 mil acima do que deveria. Talvez ela faça isso em nome da igualdade de
renda, ou porque siga a filosofia de que "funcionários bem pagos são funcionários
produtivos", ou por pura e simples caridade.
A
situação é a mesma para qualquer tipo de doação caritativa. Se A doa $100 para B, isso significa que A
prefere que B tenha esses $100 em vez de A manter esses $100 sem que B os tenha. Caridade não é "socialismo". Caridade é apenas um indivíduo fazer o que
quer com o seu próprio dinheiro. Ou seja,
capitalismo.
Essa,
portanto, é toda a teoria econômica presente nessa situação. Ela começa e termina com as preferências e
expectativas do empreendedor e de seus empregados. Por outro lado, há muito a ser dito sobre a estratégia
empreendedorial do senhor Price, bem como suas implicações sociais, psicológicas
e organizacionais.
Justiça e
equidade salarial
Empregados
preferem ser tratados de maneira correta e justa, o que não necessariamente
significa que todos eles querem ter o mesmo salário. Maisey McMaster, que trabalhou como
planejadora financeira da Gravity Payments, foi contra a medida e acabou
pedindo demissão por causa dela. Em suas
próprias palavras, "Ele deu aumentos salariais para pessoas que não demonstraram
aptidões mínimas e que eram as menos capacitadas para o trabalho, ao passo que
aqueles que faziam mais e que eram mais produtivos não receberam nenhum aumento
significativo".
O
senhor Price também perdeu o empregado Grant Moran, um talentoso programador de
websites, que sentiu que a nova estrutura salarial não era justa: "Aquelas
pessoas que não faziam nada e iam lá apenas para bater o ponto repentinamente
passaram a ganhar o mesmo tanto que eu".
E completou: "Tal medida amarra os mais produtivos aos menos motivados".
Grande
parte dos empregados não gostou de ter seus dados salariais exibidos ao grande
público, principalmente por causa de toda a atenção política gerada por esta
medida. Outros empregados foram sinceros
e afirmaram que não mereciam esse novo salário.
Um até mesmo chegou a admitir que "Eu não fiz por merecer esse aumento".
Portanto,
parece que até mesmo os empregados de uma empresa progressista e descolada não equiparam
"justiça" a "equidade salarial" — com efeito, a equidade salarial gerou
inveja, sensação de culpa, e ressentimento para com o patrão e os colegas. Mas esta não é uma lei inexorável do
comportamento humano. Poderíamos
facilmente imaginar uma situação em que empregados demandam equidade salarial e
barganham coletivamente por isso. A teoria
econômica envolvida nesse tipo de situação é diferente da vivenciada pela
Gravity Payments, e pertence ao ramo da barganha coletiva de cunho sindical,
fora do escopo deste artigo.
A
teoria econômica que versa sobre legislação do salário mínimo, sindicatos e até
mesmo socialismo não pode ser aplicada a este exemplo em específico. Podemos, no entanto, sair da seara econômica e
analisar as implicações sociais, psicológicas e organizacionais geradas por um
empreendedor que voluntariamente escolhe um salário mínimo e expandir essas implicações
para um cenário em que o governo estipula um salário mínimo e equidade
salarial. Imagine milhões de pessoas
pensando exatamente como os ex-empregados Maisey McMaster e Grant Moran, que se
sentiram injustiçados pela nova estrutura salarial. Ou imagine até mesmo mais pessoas dizendo que
"Eu não fiz por merecer esse salário".
Se
essas consequências negativas surgiram de um esquema salarial totalmente voluntário,
não creio que poderíamos esperar algo melhor caso um esquema coercivo em nível
nacional fosse estipulado.