quarta-feira, 26 ago 2015
Eis uma pergunta simples e direta: se um indivíduo é cumpridor das leis,
possui licença para dirigir, possui um carro novo, confiável e com a manutenção
em dia, e possui todos os seguros necessários, há algum motivo racional para
proibi-lo de fazer serviços de transporte de pessoa física?
Ou, colocando de outra maneira: se você, na condição de consumidor, decidir
contratar os serviços desse indivíduo, que direito tem uma terceira pessoa de
impedir essa transação voluntária, mutuamente benéfica, e que não agride
terceiros inocentes?
Infelizmente, os taxistas assumiram o papel dessa "terceira pessoa".
As prefeituras de várias cidades ao redor do mundo concederam um poder
monopolista a empresas de táxi: o direito de impedir a entrada de concorrentes
no mercado. Na prática, as prefeituras
criaram uma reserva de mercado legal para os taxistas.
Em alguns casos, esse monopólio assume a forma de um direito exclusivo
concedido pelo governo a indivíduos particulares para fornecer serviços de
táxi. Em outros casos, o número de licenças
para operar serviços de táxi é fixo, de modo que um aspirante a taxista tem de
comprar uma licença já em posse de outro taxista.
Na cidade de Nova York, essa licença é chamada de medalhão. Medalhões individuais (pertencentes a
taxistas) já foram vendidos por preços que chegam a US$ 700 mil. Já os medalhões corporativos (pertencentes a
empresas de táxi) já chegaram a ser vendidos por US$ 1 milhão. Em outras cidades — como Miami, Filadélfia, Chicago
e Boston —, as licenças giram entre US$ 300 mil e US$ 700 mil. Estes são os preços de uma licença para ter
um táxi e transportar passageiros. [N. do E.: como demonstrado neste artigo, ter um
medalhão de táxi em Nova York foi o melhor investimento do século XX].
Quando um comitê da prefeitura decide quem terá o direito de entrar no
mercado de táxis, um potencial entrante tem de entrar na fila para solicitar um
"certificado de necessidade e conveniência para o público". Quando isso ocorre, advogados dos taxistas
que já estão no mercado — mais frequentemente advogados das empresas de táxi —
são enviados para a audiência do comitê para argumentar que não há necessidade
nenhuma (não há conveniência para o público) de haver um novo participante no
mercado.
Já quando os medalhões são vendidos, o potencial comprador tem de ter o
dinheiro em mãos ou tem de se demonstrar apto a conseguir um empréstimo. Nos EUA, há até uma empresa — a Medallion Financial Corp. —
especializada em conceder empréstimos para a compra de medalhões.
[N. do E.: no Brasil, além dos custos para obtenção da licença, em cidades
como Belo Horizonte ou São Paulo a
placa de taxista chega a custar legalmente valores entre 90 e 120 mil
reais, além dos custos de transação incorridos. No mercado
negro, os valores podem variar significativamente e de cidade pra cidade. Em
municípios como São Paulo, uma licença para atuar em local privilegiado pode
alcançar no mercado negro valores
de até 150 mil reais, e uma placa em Porto Alegre pode custar
mais de 400 mil reais.]
Quais são, portanto, os efeitos da regulação estatal do mercado de serviços de
táxi? Quando um indivíduo tem de
apresentar um argumento jurídico, perante um comitê estatal, para entrar em um
mercado, quem tem mais chances de sair vencedor: um indivíduo com recursos
limitados ou empresas de táxi já estabelecidas e com poderosos advogados na
folha de pagamento?
Não sei quanto a você, mas a minha aposta está nas empresas de táxi já estabelecidas,
que saberão sempre utilizar o sistema estatal a seu favor para manter os
potenciais concorrentes fora do mercado.
Uma pergunta natural é: quem são as pessoas menos propensas a conseguir
concorrer com advogados corporativos e que não têm dinheiro de sobra para
conseguir comprar uma licença? Certamente,
pessoas de média ou baixa renda. Há várias
pessoas que têm carros, que estão desempregadas e que poderiam entrar no ramo
de transporte de passageiros, obtendo assim uma renda anual razoável. Mas elas hoje estão proibidas de fazer isso,
pois o estado não deixa.
Eis que entram em cena as empresas Uber e Lyft, que prestam serviços de
transporte de pessoas. Ambas as empresas
utilizam os serviços de motoristas autônomos (conhecidos como freelancers) cadastrados nessas
empresas, os quais fornecem serviços de transporte com seus próprios automóveis. Ambas as empresas operam por meio de
aplicativos de smartphone, os quais permitem que os usuários, por meio de um
clique no celular, peçam serviços de transporte. Esses pedidos são então direcionados para
motoristas cadastrados na Uber e na Lyft, os quais então fornecerão serviços de
transporte para essas pessoas.
A legalidade dessas empresas está sendo violentamente questionada
por empresas de táxi e por políticos a soldo de empresas de táxi (políticos que
recebem generosas doações de campanha de empresas de táxi). Ambos os grupos alegam que o uso de motoristas
que não possuem licenças de táxi é ilegal e perigoso.
Os motoristas cadastrados no Uber e no Lyft gostam da idéia de trabalhar
quando querem. Alguns deles trabalham em
tempo integral. Transportar passageiros
é uma boa maneira de ganhar um dinheiro extra.
Todos — os consumidores deste serviço e os prestadores deste serviço —
estão felizes com o arranjo, exceto as já estabelecidas empresas de táxi e os políticos
a soldo delas.
As empresas de táxi só conseguem manter seu monopólio porque o estado proíbe
a Uber e a Lyft de atuar legalmente. Ambas
as empresas também são proibidas de pegar passageiros em aeroportos, rodoviárias
e estações de trem.
Mas esse monopólio não irá durar muito.
Temos de ter essa esperança.
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