Em cada Natal das últimas 3 décadas, os romenos relembram
a
revolução
ocorrida em 25 de dezembro de 1989, quando o regime comunista foi derrubado.
O ditador
Nicolae Ceausescu
e sua mulher Elena Ceausescu foram capturados e fuzilados, com o evento sendo
transmitido ao vivo pela televisão.
Alerta:
cenas fortes
São poucos os romenos que se lembram com algum afeto
da era comunista. A maioria se lembra do
regime como ele realmente foi: uma época de pobreza, medo, e ausência de
liberdade.
No início da década de 1980, Ceausescu já havia
exaurido todo o capital que a Romênia acumulara. A população romena sofreu severas privações quando
o governo tentou quitar de uma só vez toda a dívida externa do país (de
aproximadamente 13 bilhões de dólares). As
privações incluíam racionamento de eletricidade e de água quente (sob invernos
rigorosos).
Talvez uma das privações mais penosas foi o "programa
científico de alimentação", o qual estipulava quantidades máximas de produtos
que uma pessoa podia comprar por mês.
A
alimentação "cientificamente" controlada pelo governo
É interessante constatar como os fracassos do
socialismo não apenas se originam das mesmas causas, como também tendem a se
manifestar de maneiras incrivelmente similares.
Assim como os venezuelanos de hoje enfrentam escassez e longas filas, aproximadamente
30 anos atrás, do outro lado do Oceano Atlântico, os romenos também tinham o
hábito de passar várias horas parados em filas que se formavam perante
prateleiras vazias.
A diferença é que, para os romenos, tal situação
rotineira já havia deixado de ser uma mera "crise temporária", que é
como a atual situação da Venezuela ainda é descrita pelo governo. Tudo já
era tristemente rotineiro.
E, assim como o governo da Venezuela se gaba de sua
"boa organização" para controlar as filas dos
supermercados e impedir que as pessoas comprem duas vezes na mesma semana,
o regime comunista da Romênia, que já estava no poder havia mais de duas
décadas, dizia que o racionamento de alimentos era uma medida voltada para
promover a saúde e melhorar a qualidade de vida!
Em 1982, Nicolau Ceausescu instituiu
um "programa científico de alimentação" para o país, no qual
quantidades de leite, ovos, carne, peixe etc. eram listadas, ao mesmo tempo,
como recomendações de dieta e como quotas permitidas para a compra. À
medida que o tempo foi passando, essas rações se tornaram cada vez mais
escassas.
As compras podiam ser feitas somente por meio de um cartão
de racionamento, no qual tais quantidades eram marcadas. A ração incluía as seguintes quantidades
mensais:
Frango — 1 kg
Carne suína ou bovina — 500g (não havendo, deve ser
substituída por carne enlatada da URSS)
Frios ou patê de fígado — 800g
Queijo - 500g (a cada 3 meses)
Manteiga — 100g
Azeite - 1 litro
Açúcar - 1 kg
Farinha - 1 kg (a cada 3 meses)
Ovos — 8-12
Pão - 300g/dia
O governo tinha várias explicações para essas limitações. Além de dizer que o estado estava preocupado
em fornecer aos cidadãos uma dieta equilibrada e saudável, também havia a
justificativa de que se estava combatendo os "especuladores" que estavam
estocando comida.
O cartão de racionamento, no entanto, não garantia
que os alimentos de fato estariam disponíveis, de modo que a maioria desses
produtos só era obtida se você fosse um dos primeiros da fila. Com o tempo, isso gerou o ditado que dizia
que, no comunismo, uma boa relação — ser amigo de um funcionário de uma
mercearia estatal, que garantiria que você conseguisse todos os itens do cartão
— era mais valiosa do que ter um imóvel no capitalismo.
Além dos alimentos, a gasolina também foi racionada
em apenas 25 litros por mês, e a fila para conseguir o combustível
frequentemente envolvia um esforço conjunto, no qual dois amigos se revezavam
na fila em turnos diários, dentro do mesmo carro, esperando seu momento para
abastecer. Enquanto um ficava na fila, o outro ia trabalhar.
E para garantir que os romenos não iriam consumir
muita gasolina, o governo adotou um rodízio, segundo o qual os carros não
poderiam circular nos fins de semana dependendo do número final de suas
respectivas placas.
Adicionalmente, para sobreviver ao inverno,
aquecimento e água quente só estavam disponíveis durante algumas horas do
dia. Assim como televisão e eletricidade.
À época, as autoridades comunistas gostavam de se
gabar dizendo que os cidadãos romenos usufruíam todos os benefícios da vida
moderna, mas nenhuma de suas injustiças
Uma
revolução silenciosa
Em paralelo a tudo isso, um contrabandista de fitas
VHS e uma tradutora de inglês contrabandearam para a Romênia e dublaram para o
romeno milhares de filmes ocidentais, especialmente filmes de ação. Estes filmes foram então distribuídos e
ilegalmente exibidos para grupos de 20 a 30 pessoas de cada vez.
Desta maneira, amontoados perante uma televisão que
lhes mostrava amenidades básicas com as quais nem sonhavam existir, os romenos foram se tornando dolorosamente cientes de sua pobreza e
isolamento. As revoltas populares foram
se intensificando e a queda do regime comunista, algo inevitável, ocorreu antes
do fim da década.
Essa história virou um documentário intitulado "Chuck Norris contra o Comunismo" (aqui o teaser, aqui o website, e aqui uma reportagem visual do
The New York Times).

Um
Natal normal
Após 1990, os cardápios para a ceia de Natal dos
romenos não mais foram submetidos a concessões institucionais — e nem os cardápios
de nenhuma outra refeição.
Mas talvez o fato em relação ao qual eles estão mais
felizes é o de poder celebrar o Natal sem o temor de serem denunciados pelos
vizinhos para a polícia secreta.