segunda-feira, 23 jan 2017
Na atual realidade brasileira, pensa-se
o Direito como um grande aparato que tem por finalidade servir ao estado e àquelas
pessoas que estão ligadas a ele.
Todavia, o Direito vai bem além
de uma mera legislação criada pelos legisladores; o Direito é uma ordem espontânea, ou seja, algo que não foi
criado pela vontade deliberada de alguém — assim como a economia, que também não
foi criada por ninguém em especial.
Friedrich August von Hayek foi o
autor austríaco que mais escreveu sobre essa temática. E em quatro obras. Inicialmente, na obra Os Fundamentos da
Liberdade,
na qual ele analisa a constituição pela perspectiva liberal. Depois, escreveu uma grande obra dividida em
três tomos, Direito,
Legislação e Liberdade.
O volume I tem como título Normas e Ordem,
e é onde ele aborda o tema do Direito como ordem espontânea. Este é o livro a que irei me ater. O volume II fala sobra A Miragem da Justiça Social; e o volume III, A Ordem Política de um Povo Livre.
No volume I de Direito,
Legislação e Liberdade, Hayek analisa o Direito como uma
ordem espontânea e faz um aviso importante e essencial para quem tem a "arrogância
fatal" de pensar que algo tão complexo como o Direito poderia ser criado por
legisladores:
Cumpre,
portanto, pedir ao leitor que tenha sempre em mente, ao ler este livro, a
necessária e irremediável ignorância — de todos — da maioria dos fatos
particulares que determinam as ações de todos os diversos membros da sociedade
humana.
O Direito (no inglês, Law), como Hayek fala em seu livro, é algo que muitas vezes não era
possível ser reduzido a um texto ou determinado em algo escrito. O Direito sempre foi algo que as pessoas
cumpriam e seguiam sem saber exatamente a razão. E a história comprovou que um
grupo que seguia determinadas normas sempre obtinha mais prosperidade que aqueles
outros que não seguiam.
Hayek destaca que
Aprender
a partir da experiência, entre homens não menos que entre animais, não é um
processo essencialmente de raciocínio, mas sim de observância, disseminação,
transmissão e aperfeiçoamento de práticas que se impuseram porque deram bom
resultado.
Os indivíduos não têm como
enunciar isso já que essas normas não foram criadas por eles,
mas
passaram a governar as ações dos indivíduos porque as ações realizadas em
conformidade com elas alcançaram resultados melhores do que aquelas de
indivíduos ou grupos concorrentes.
(Hayek, 1985, p. 81)
Tal ideia é criticada pelas
pessoas que Hayek rotula de "construtivistas", aquelas que acreditam que todas
as normas somente serão válidas se forem criadas pelos legisladores. Para os construtivistas, essas normas
espontaneamente surgidas não seriam "racionais".
Todavia, os construtivistas
esquecem que muito do nosso aprendizado pode ocorrer pelo exemplo, pela
imitação ou analogia:
Este
é um problema que observamos mais de perto no aprendizado da linguagem pelas
crianças, capazes muitas vezes de compor corretamente expressões de grande
complexidade que nunca ouviram antes, mas que também ocorre em domínios como o
da conduta, da moral e do Direito, bem como na execução de muitas tarefas em
que somos orientados por normas que sabemos observar, mas somos incapazes de
verbalizar.
Darwin, por exemplo, não criou o
conceito de evolucionismo da Biologia e sim o pegou emprestado das ciências
sociais, o que obviamente não torna o trabalho de Darwin menos importante.
Segundo Hayek (1985, p. 91),
Foi
na análise de formações sociais como a língua e a moral, o direito e a moeda,
que, no século XVIII, os conceitos similares de evolução e formação espontânea
de uma ordem foram por fim claramente formulados, fornecendo as ferramentas
intelectuais que Darwin e seus contemporâneos conseguiram aplicar à evolução
biológica. Esses filósofos da moral do século XVIII e as escolas históricas do
direito e da língua bem poderiam ser denominados — como alguns teóricos da
língua do século XIX de fato se intitularam — darwinistas antes de Darwin.
Entretanto, um dos grandes erros
no 'darwinismo social' foi não entender a batalha de ideias e tomar por objeto
a "seleção de indivíduos e não a seleção de instituições e práticas; a seleção
de aptidões inatas dos indivíduos e não a daquelas culturalmente transmitidas"
(HAYEK, 1985, p. 92).
Outro grande equívoco que levou
ao descrédito a teoria do darwinismo social foi a ideia de que a teoria da
evolução consiste em 'leis de evolução'.
Mas tal fato não se confirma, uma vez que essas 'leis de evolução' se
pretendem como uma marcha inevitável da história.
Segundo Hayek:
a
teoria da evolução, em si, não fornece mais que a descrição de um processo cujo
resultado dependerá de enorme quantidade de fatos particulares, excessivamente
numerosos para que pudéssemos conhecê-los em sua totalidade.
A ideia de que haverá uma marcha
histórica e predeterminada não tem qualquer relação nem com a legítima teoria
da evolução, nem com a ideia de ordem espontânea e nem com a ideia de "grande
sociedade", para utilizar as palavras de Karl Popper.
Essas ideias predeterminadas se
baseiam nas concepções do historicismo de Comte, Hegel e Marx, que acreditavam,
de maneira puramente mística, que a evolução seguiria cursos já determinados e conhecido,
mas que somente esses "iluminados" conseguiam vislumbrar.
Ainda segundo Hayek:
Tais
abusos do conceito de evolução em disciplinas como antropologia, ética e também
o Direito, abusos que por algum tempo o levaram ao descrédito, tiveram por base
uma concepção equivocada da natureza da teoria da evolução.
Todavia, isso não destoa do fato
de o Direito ser uma ordem espontânea que decorre desse evolucionismo.
E isso fica claro se trouxermos a
teoria da evolução para o seu significado correto, sendo o Direito uma
estrutura complexa que somente poderá ser compreendida como resultado de um
processo de evolução em que "o elemento genético é inseparável da ideia de
ciências teóricas" (MENGER, 1963, página 94).
Tal evolução foi muito mais bem
percebida no Direito Consuetudinário (Common
Law) da Inglaterra. À época, o
Direito precisava ser descoberto em cada caso concreto que era trazido pelas
partes para ser decidido por um juiz, o qual buscava a solução ideal para o
conflito respeitando os precedentes anteriores da corte, de forma que "as leis
eram determinadas por tribunais que independentes do poder que organizava e
dirigia o governo" (HAYEK, 1985, p. 235).
Já no Direito Estatutário, Civil Law, o positivismo jurídico tem
por pretensão a "arrogância fatal" de buscar uma previsibilidade em todo o
sistema jurídico, dando a entender que o Direito poderia ter sido criado por
burocratas, e que, com isso, haveria uma maior segurança jurídica.
Todavia, o que se viu do decorrer
da história, principalmente da história recente do mundo moderno — já que o
positivismo jurídico é algo relativamente novo, tendo seu marco inicial com o
Código Civil Francês de Napoleão, em 1804 —, foi uma extrema insegurança
jurídica onde quer que esse sistema (Civil
Law) tenha sido implantado, sendo o Brasil um exemplo disso.
Já nos países que seguiram a
ideia de Common Law, sendo a
Inglaterra o bastião dessa ideia, o "aparente caos" — uma vez que não há um controle central na mão dos
burocratas, com o Direito sendo estabelecido caso a caso — permitiu uma maior
liberdade ao indivíduo, já que o Direito não era criado de forma abstrata e
absurda (muitas vezes com o objetivo de beneficiar amigos do rei, como é feito
no Civil Law).
No Brasil, com o Novo Código de Processo Civil, publicado em março de 2015,
deveremos ter um maior respeito ao precedente, se aproximando um pouco mais de
como funciona o Common Law, sendo os
juízes, desembargadores e ministros obrigados a seguir os precedentes da corte,
o que vai gerar uma maior segurança jurídica e, obviamente — como é típico de
uma Ordem Espontânea — uma complexidade muito maior. É uma evolução, ainda
longe do ideal, mas uma evolução.
Para finalizar, nada melhor do
que as palavras de Bruno
Leoni (2010, p. 23) para os advogados e juristas em geral:
Parece
que o destino da liberdade individual na atualidade é ser defendida
principalmente por economistas, em vez de advogados e cientistas políticos.
No
que diz respeito aos advogados, talvez a razão para isso seja que estes são, de
alguma forma, forçados a falar com base em seu conhecimento profissional e,
portanto, em termos de sistemas contemporâneos de lei.
Como
teria dito lorde Bacon: "Falam como se fossem compelidos." Os sistemas legais
contemporâneos aos quais estão amarrados parecem reservar uma área cada vez
menor à liberdade individual.
Esse
chamado de Bruno Leoni é essencial à advocacia, uma classe que deveria ter como
missão defender a liberdade individual e não ser subserviente aos políticos de
plantão.
A advocacia, profissão liberal
por excelência, deve lutar diariamente para que os Direitos Humanos — vida,
liberdade e propriedade — sejam respeitados, para que o indivíduo possa
exercer sua liberdade política, jurídica, social e econômica todos os dias.
Se você estuda ou estudou essa ordem
espontânea que é o Direito, tente sair daquilo que os seus professores
estatistas ensinaram e siga as belas palavras do meu amigo Rafael
Saldanha: "o
Direito não apenas é anterior ao estado, como também é uma ferramenta valiosa
para se proteger do estado e de outros criminosos."
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Referências
Bibliográficas
HAYEK,
Friedrich August von. Direito Legislação e Liberdade – Vol. I – Normas e Ordem.
Ed. Visão, 1985.
LEONI,
Bruno. A Liberdade e a Lei. Ed. Instituto
Ludwig von Mises, 2010.
MENGER, Carl. Problems of Economics and Sociology. Ed.
Urbana, 1963.