quarta-feira, 18 0aio 2016
Jamais menospreze a capacidade destruidora do
socialismo: a Venezuela, ainda na década de 1970, estava entre os 20 países mais ricos do mundo. Bastou pouco mais de uma década de
bolivarianismo para jogar a população do país na mais completa mendicância.
Tudo começou quando, em sua fome por poder, o
falecido Hugo Chávez prometeu redistribuir a riqueza do país para os mais
pobres (sempre começa assim). O pai do
"socialismo do século XXI", ao que tudo indica, desconhecia a máxima econômica
de que, para que os recursos possam ser redistribuídos para as massas, eles têm
antes de ser produzidos.
E impedir a produção é exatamente aquilo que o
socialismo faz.
A situação começou realmente a degringolar com a destruição da moeda. Quando a moeda perde seu valor, toda a
economia se deteriora. Sendo a moeda a metade de toda e qualquer transação
econômica, se ela deixa de funcionar, você retorna a um estado de escambo.
Ninguém aceita abrir mão de bens — principalmente alimentos e outros produtos
essenciais — em troca de uma moeda sem poder de compra nenhum. Escassez
e desabastecimentos se tornam a consequência inevitável.
Uma moeda em contínuo enfraquecimento
— que nenhum venezuelano quer portar e que nenhum estrangeiro está disposto a
aceitar em troca de dólares (o que inviabiliza importações até mesmo a de
produtos básicos e essenciais, como remédios) — e um controle total de preços
decretado pelo governo levaram a uma escassez generalizada de bens essenciais
na economia.
Um país tem de ou produzir o que consome ou
importar. A produção doméstica
praticamente acabou e nenhum estrangeiro aceita trocar dólares por bolívares
venezuelanos, o que significa que praticamente não há importações.
Após 15 anos de revolução bolivariana, a Venezuela
está mergulhada na maior crise econômica da sua história. O paraíso socialista criado por Hugo Chávez e
aperfeiçoado por seu sucessor Nicolás Maduro vem quebrando paradigmas e
alcançando façanhas: já conseguiu gerar escassez e racionamento de papel
higiênico, comida,
remédios, cerveja, eletricidade e
até mesmo água.
O país está em hiperinflação. Organismos
internacionais, em uma projeção conservadora, estimam uma inflação
de preços de 720% para este ano.
E as consequências não estão sendo bonitas.
Saques,
mortes, e cachorros como alimentos
Não é nenhum exagero dizer que a situação da
Venezuela já alcançou um ponto sem retorno.
O caos se tornou irreversível.
Eis uma foto de Caracas na sexta-feira passada:

De um lado, a polícia. De outro, cidadãos venezuelanos protestando
pelo fato de seus filhos estarem morrendo por falta de comida e remédios, e por
não terem água e nem eletricidade.
Ainda no início de 2015, toda a distribuição de
alimentos na Venezuela foi colocada sob
supervisão militar. Em seguida, o
governo impôs um sistema de checagem
de digitais para se certificar de que a mesma pessoa não esteja comprando
itens básicos mais de uma vez na mesma semana. Em seguida, filas nos supermercados se
tornaram rotinas. Os venezuelanos passaram a ter de pedir permissão para faltar
ao trabalho e assim poder ficar o dia inteiro em
longas filas nas portas dos poucos supermercados que ainda tinham
produtos à venda.
Isso inevitavelmente os empurrou para o mercado negro. A situação ficou tão escabrosa que os
traficantes de drogas abriram mão de seu ofício em tempo integral e passaram a
se especializar
no mercado paralelo de alimentos.
Agora, a escassez e a fome chegaram a tal ponto, que
os venezuelanos estão caçando cachorros, gatos e até mesmo pombos para poder
comê-los.
Segundo o PanAm Post:
Ramón
Muchacho, prefeito de Chacao (uma subdivisão administrativa de Caracas), disse
que as ruas da capital venezuelana estão repletas de pessoas matando animais
para comê-los.
Em
seu Twitter, Muchacho relatou que, na Venezuela, é uma "realidade dolorosa" o
fato de que pessoas estão "caçando gatos, cachorros e pombos" para aliviar sua
fome. As pessoas também estão catando
restos de vegetais das lixeiras e do chão para se alimentar. [...]
Seis
oficiais das forças armadas da Venezuela foram presos por roubarem bodes para
matar a fome, uma vez que não havia mais comida em seus quartéis.
À medida que o desespero vai se intensificando, a
criminalidade se torna inevitável.
De acordo com o jornal britânico The
Daily Mail, um homem acusado de tentar assaltar as pessoas nas ruas de
Caracas foi cercado por uma turba de cidadãos igualmente desesperados,
espancado e queimado vivo. O vídeo (clique aqui) mostra o
homem sendo espancado e queimado vivo. (Desnecessário enfatizar que as cenas são
fortíssimas; veja apenas se seu estômago for bem treinado).
Também na semana passada, o país vivenciou uma nova
onda de saques que resultou em pelo menos dois mortos, inúmeros feridos, e
milhões de dólares em perdas e danos.
Na
manhã de quarta-feira, 5 mil pessoas saquearam um supermercado na cidade de
Maracay, uma das mais ricas do país.
De acordo com o relato dos comerciantes, as intermináveis filas a que os
venezuelanos são submetidos diariamente apenas para comprar itens básicos não
puderam ser organizadas naquele dia. À medida que o tempo ia se passando, os cidadãos
desesperados foram ficando cada vez mais ansiosos e temerosos de não
conseguirem comprar comida. E então eles
simplesmente começaram a pular os cercados e invadiram o supermercado.
"Não há arroz, nem macarrão e nem farinha", disse
o venezuelano Glerimar Yohan. "Há apenas fome".
Ano passado, em uma situação incrivelmente similar, houve um tumulto em um supermercado estatal do país (que havia anunciado a venda de comida subsidiada) no qual milhares de pessoas entraram em conflito com a Guarda Nacional, que utilizou gás lacrimogêneo para dispersar a população. Uma idosa de 80 anos foi pisoteada até a morte. E 75 pessoas ficaram feridas.
Um pouco diferente do prometido paraíso socialista,
no qual haveria fartura para todos, o vídeo abaixo mostra pessoas quase saindo
no braço para conseguir um simples pacote de arroz.
Ao longo das duas últimas
semanas, várias províncias do país testemunharam saques a farmácias, shoppings,
supermercados e caminhões que transportavam alimentos. Em vários supermercados, gritos de "estamos
com fome!" ecoavam. No
dia 27 de abril, a Camara Venezolana
de la Industria de Alimentos (Cavidea) relatou que os produtores de
alimentos do país tinham estoques para apenas mais 15 dias.

Na Venezuela, quando a ração se torna ainda mais escassa é assim que os
supermercados terminam o dia
Com uma moeda morta, com um sistema de preços
completamente desorganizado, e com tudo sob estrito controle estatal, a única
coisa que resta é assistirmos a essa sociedade implodir. Oscar Meza, diretor do Instituto Cendas (Centro de Documentacion e Análisis Social), disse que os índices de
escassez e de inflação para maio serão os piores da história. "Estamos oficialmente declarando maio como o
mês em que a inanição geral começou na Venezuela", disse ele ao portal Web
Noticias Venezuela.

"Estamos oficialmente declarando maio como o mês em que a inanição geral
começou na Venezuela" disse uma ONG que mensura inflação e escassez
Eis um vídeo que faz uma compilação das
rotineiras cenas de violência e de saques a estabelecimentos comerciais e a caminhões
que transportam comida.
A
Venezuela e o lápis
Talvez a maior estupidez promovida pelo socialismo é
a ideia de que, ao impor controle de preços e ao proibir o lucro, o governo
conseguirá fazer com que os alimentos se tornem mais abundantes e mais
baratos. A privação dos venezuelanos
gerada pela escassez de comida é exatamente a consequência do controle de preços imposto
pelo governo, o qual gera apenas desabastecimento e fome.
A inanição é apenas um sintoma de um colapso
econômico mais amplo, que perpassa toda a cadeia de produção, e que foi gerado
por decretos do governo.
Em 1958, o legendário libertário Leonard Read
escreveu o ensaio Eu, o Lápis, no qual,
ao explicar como um simples lápis é fabricado, utilizando componentes oriundos
de diversas partes do mundo e fabricado por pessoas visando ao lucro, ele demonstrou
o poder da liberdade econômica. Um lápis
é criado por meio das decisões voluntárias de milhares de indivíduos, operando
livremente e de acordo com seu interesse próprio. E, ainda assim, todos agem em perfeita e
coordenada harmonia.
Praticamente todas as ações descritas na criação do
lápis são ilegais, não-lucrativas e pessoalmente perigosas na Venezuela de
hoje.
Veja o que aconteceu com todo o sistema de
transporte. De um lado, os trabalhadores
precisam se locomover até seu local do trabalho. De outro, as peças e os componentes têm de
ser entregues às fábricas. Os estoques
têm de ser vendidos para o varejo. E os
tratores têm de arar os campos. Mas tudo
isso foi abolido na Venezuela.
O fabricante de baterias de carro em Caracas não consegue importar seus
componentes, e o controle de preços imposto pelo governo o proíbe de ter
lucros. Para trocarem a bateria de seus
carros, os consumidores têm de fazer fila na porta das fábricas — as quais, para
cortar custos, não mais estão utilizando o varejo para distribuir seus bens —
desde o início da madrugada. Só que,
além de serem necessários vários dias para se completar a transação, a bateria
antiga do carro tem de ser dada em troca.
Isso significa que, se ela houver sido roubada — algo bastante
corriqueiro na Venezuela —, o cliente tem de apresentar um certificado
especial de uma delegacia de polícia, comprovando o roubo.
Uma mulher estava aos prantos às portas de uma
fábrica. Ela já havia perdido vários
dias de trabalho esperando na fila.
Quando finalmente foi atendida, recebeu a notícia de que o certificado
que ela apresentou para comprovar que sua bateria havia sido roubada não tinha
validade.
Mas não são apenas baterias de carro que estão
escassez. Gangues estão invadindo
fazendas e armazéns e desmontando completamente tratores e demais equipamentos
agrícolas, os quais são vendidos a preços altíssimos no mercado negro
exatamente porque se tornaram escassos.
Essa é apenas mais uma dor de cabeça para os agricultores.
Chávez, com sua reforma agrária (outro mantra
socialista), já havia confiscado as terras mais produtivas do país e as
distribuído para os chavistas, os
quais nada entendem de agricultura. E,
mesmo nas terras que não foram confiscadas, a destruição do sistema de preços e
a desorganização da economia fizeram com que o plantio desabasse. A maior parte das sementes utilizadas na
Venezuela é importada. Porém, como não
há dólares, elas não mais existem.
Adicionalmente, os agricultores estão relutantes para plantar quando os
custos são altos e os preços de venda, controlados. Ninguém quer produzir em troca de uma moeda
que nada vale. A maior parte da produção
é destinada ao consumo próprio.
A pecuária se tornou igualmente menos produtiva,
ainda mais agora que os apagões
diários estão interrompendo o funcionamento das máquinas elétricas que produzem
o leite. Os poucos caminhões que ainda
circulam para distribuir alimentos são frequentemente saqueados.
A oferta de proteína sumiu. Os ovos desapareceram das prateleiras dos
supermercados. Em outubro do ano
passado, sete fábricas de conservas de atum, que empregavam 3.000 pessoas,
tiveram de fechar as portas, pois não conseguiam dólares com o Banco Central
para pagar os fornecedores estrangeiros que forneciam os materiais para sua
produção, como peixe e latas.
Até mesmo remédios básicos, como uma simples
aspirina, sumiram.
Conclusão
Ao passo que uma guerra civil parece inevitável, Nicolás
Maduro segue no comando, disposto a continuar utilizando os venezuelanos como
cobaias neste seu experimento socialista (em condições quase que de laboratório).
A nós, observadores externos, resta apenas torcer
para que essas cenas chocantes se mantenham relegadas às ruas dos paraísos socialistas. E que elas sempre sirvam de lição para nos
lembrar do que é o socialismo na prática.
Por fim, vale ressaltar que, ironicamente, os venezuelanos
muito ricos — aqueles a quem Chávez jurou que iria esmagar — ainda têm dólares,
e não estão passando fome. Quem realmente
está sofrendo ao ponto de morrer de fome são os pobres e os proletários,
aqueles mesmos que os socialistas juram amar.
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Mary
Anastasia O'Grady é editora do The
Wall Street Journal e faz a cobertura de eventos da América Latina.
Andrea Rondón García,
doutora em direito pela Universidad Central de Venezuela e diretora acadêmica
do Instituto Ludwig von Mises Venezuela. É também professora da
Universidad Católica Andrés Bello.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von
Mises Brasil.