N. do E.: o artigo a seguir foi
adaptado à realidade brasileira
A
ideia de que a economia deve ser planejada chegou ao ápice ainda no longínquo
ano de 1937, quando a editora Prentice-Hall publicou um tomo de 1.000 páginas
intitulado The Planned Society: Yesterday,
Today, Tomorrow: A Symposium by Thirty-Five Economists, Sociologists, and
Statesmen. (A
Sociedade Planejada: Ontem, Hoje, Amanhã: Um Simpósio com 35 Economistas,
Sociólogos e Estadistas).
No
prefácio, o famoso historiador e sociólogo americano Lewis Mumford
escreveu que "a questão que nos aflige hoje não é se devemos planejar ou não a
economia, mas sim como devemos
planejá-la".
Todos
os colaboradores do livro — keynesianos, socialistas, comunistas e fascistas
— concordavam neste ponto, incluindo notáveis como Benito Mussolini, Joseph
Stalin e Sidney Hook.
Mas
ao menos o livro era honesto e sincero.
Ele colocava no mesmo balaio Stalin e Keynes, o fascismo e o New Deal,
mostrando que todos tinham as mesmas idéias econômicas. Os planos de cada um não eram idênticos,
obviamente, mas todos eles concordavam que o governo era "racional" e que o
livre mercado era "caótico", sendo, portanto, preferível ter "racionalidade" do
governo ao "caos" do livre mercado.
A
maioria dos autores defendia a "economia mista", um arranjo econômico que
mistura capitalismo e socialismo. Ludwig
von Mises, ainda
em 1921, já havia acabado com essa noção de que você pode
combinar o "melhor" do socialismo e do capitalismo. Não existe
isso de "o melhor" do socialismo, escreveu ele, pois mesmo uma
pequena quantidade de socialismo distorce o funcionamento de uma sociedade
livre. Qualquer tentativa de mistura é
necessariamente instável, e inevitavelmente levará a economia na direção do
estatismo.
Esta
previsão de Mises não apenas se concretizou, como, pior ainda, estamos hoje
vivenciando e sentindo suas consequências.
Nossa realidade
Apenas
veja a economia na qual você vive: não há uma única área dela que não seja
afetada pelos gastos
do governo, que passe incólume pelas consequências
dos déficits orçamentários, que não seja sufocada pela burocracia
e por impostos,
e que não seja estritamente
controlada e protegida por agências reguladoras.
Defendido
por quase todos os economistas, o estado regulatório hoje domina e arruína a
economia. O comunismo perdeu, mas a social-democracia triunfou
e reina soberana.
Na
economia mista na qual vivemos, é função do estado planejador: garantir o
"pleno emprego" (dado que as próprias políticas do governo federal geram
desemprego); estimular a "inovação tecnológica" (não por meio do mercado, mas
por meio de subsídios); garantir uma "justa" distribuição de renda (premiando os
parasitas — principalmente os grandes
empresários ligados ao governo — e punindo os
produtivos); controlar
o comércio estrangeiro (e também o doméstico);
e manter várias
empresas estatais para o bem do povo (ao mesmo tempo em
que espolia
o próprio povo em prol dos burocratas dessas estatais).
O
estado planejador também se autoimpõe algumas proibições. Ele jamais deve expressar alguma defesa da
propriedade privada, jamais deve criticar grupos de interesse e minorias
organizadas (exceto quando sejam anti-governo), jamais deve tecer elogios à
função coordernadora exercida pelo sistema de preços, jamais deve ter dúvidas
quanto ao uso do seu poder (este só existe para o bem), jamais deve defender
redução de impostos, e jamais deve identificar o livre mercado como a real
fonte de prosperidade.
Para
o estado planejador, tudo o que há de bom é decorrência de suas ações; e tudo o
que há de ruim é culpa de interferências de externas.
Mais
ultrajantes ainda são as mentiras patológicas.
Os políticos, burocratas e todos os seus defensores insistem em querer
nos fazer acreditar que:
1)
o Banco Central é o guardião da moeda — sendo que a moeda, em apenas 22 anos,
já perdeu
82% do seu poder de compra.
2)
o governo pode impedir ou, no mínimo, amenizar os ciclos econômicos — sendo
que suas
políticas são a própria causa deles;
3)
o governo pode criar um pleno emprego — sendo que suas políticas econômicas
não apenas destroem empregos como ainda impedem a criação de novos empregos ao
artificialmente encarecer
a mão-de-obra, ao criar burocracias que atazanam
os pequenos empreendedores e ao criar um terrorismo
tributário que coloca qualquer empreendedor na condição de
criminoso;
4)
o governo pode desenvolver novas tecnologias — sendo que suas próprias
regulamentações proíbem o surgimento
e o desenvolvimento
de várias inovações que aniquilam as reservas de mercado de um cartel protegido
pelo governo.
5)
é o governo quem melhora nosso padrão de vida — sendo que, sempre que o
governo decide criar
políticas para melhorar nosso padrão de vida, este desaba.
6) o governo nos protege de monopólios e oligopólios
capitalistas — sendo que quem cria cartéis, oligopólios, monopólios e reservas
de mercado é e sempre foi exatamente o governo, seja por meio de
regulamentações que impõem barreiras à entrada da concorrência no mercado (via agências
reguladoras), seja por meio de subsídios a
empresas favoritas, seja por meio do protecionismo via obstrução de
importações, seja por meio de altos tributos que
impedem que novas
empresas surjam e cresçam.
7) o governo protege o consumidor e estimula a
concorrência — sendo que, principalmente nos grandes setores, a concorrência
foi abolida pelo governo, em prol das grandes empresas já estabelecidas e
contra os interesses dos consumidores. Setor
bancário, aéreo, telefônico, internet, elétrico, postos de gasolina etc.
— em todos eles a concorrência foi abolida pelas agências reguladoras para
proteger as empresas já estabelecidas e prejudicar a liberdade de escolha dos
consumidores.
8) o governo reduz a desigualdade — sendo que suas políticas
de subsídios a grandes empresas, tarifas protecionistas e crédito farto e
barato não apenas garantem renda para os mais ricos, como também destrem o
poder de compra dos mais pobres.
Briga
de gêmeos
Economistas heterodoxos e economistas
convencionais se revezam na tarefa de fornecer conselhos econômicos ao
presidente da vez. Ambos, no entanto, são
meras ferramentas a serviço do estado intervencionista. Ontem, a função deles
era controlar preços, estatizar o crédito e estimular o consumismo; hoje, a função deles é
equilibrar o orçamento e manter "oferta e demanda em equilíbrio". Isso, é claro, não significa que irão deixar
o livre mercado funcionar, mas sim que irão mover as alavancas na máquina de
planejamento com "mais eficiência".
Os heterodoxos acreditam que o que move a economia é
o consumo; portanto, a demanda deve ser estimulada por mais gastos do governo,
mais déficits orçamentários e mais crédito subsidiado. Isso, supostamente, compensará as deficiências do setor privado.
Já os convencionais acreditam que a economia é
guiada pela oferta, e que ela entra em recessão por inúmeros fatores, dentre
eles um medo irracional de investir que acomete os empreendedores.
Embora os convencionais possuam melhores políticas econômicas
que os heterodoxos, ambos estão errados.
Para começar, ambos pressupõem que exista algo
chamado "oferta
agregada", "demanda
agregada" e "demanda
efetiva", a qual aglomeraria em uma única variável os valores e ações de
consumidores e produtores. Isso obscurece a economia verdadeira.
E essas agregações obscurantistas não se resumem
apenas à "oferta" e à "demanda". Os planejadores
também discutem categorias como 'capital' e 'investimento' como se ambos fossem
homogêneos, representando esses agrupamentos totalmente diversos por meio de
letras em seus modelos macroeconômicos.
Para eles, o estoque de capital é uma grande massa
amorfa resumida pela letra K, a qual é jogada numa equação
cuidadosamente montada para representar toda a economia, e a qual é esperada gerar
informações úteis para se poder planejar melhor a economia.
Obviamente, ambas as visões pressupõem que os
burocratas do governo são mais espertos e oniscientes do que todos os indivíduos
livres da sociedade praticando trocas livres e voluntárias, poupando, investindo,
produzindo, vendendo e comprando voluntariamente no livre mercado.
O
verdadeiro papel do economista
Apenas imagine que você tivesse de planejar as
finanças domésticas do seu vizinho, sobre o qual você nada sabe, e não tendo informação
nenhuma precisa sobre a renda, as preferências, e as habilidades dele. Mais ainda: você sabe que todas essas variáveis
se alteram continuamente. Você seria
capaz de tal tarefa? Pois os
planejadores econômicos do governo vêm tentando fazer exatamente isso há décadas. E para toda a economia.
Para se safarem dessa crítica, os planejadores separam
a economia em duas esferas: a "micro" e a "macro". Em seguida, alegam que as decisões dos indivíduos
na esfera micro em nada afetam o quadro geral.
Embora seja verdade que, por exemplo, um indivíduo sozinho não pode
alterar a taxa de poupança líquida de toda a economia, o fato é que não haveria
taxa de poupança líquida sem decisões individuais.
É exatamente dos milhões de decisões tomadas
diariamente por indivíduos que a economia é formada e criada; e a única função do
economista é tentar entender e explicar como tudo isso acontece. Ele não tem de tentar controlar ou onerar
esse processo.
No livre mercado, não há a necessidade de
planejadores tentarem "equilibrar" oferta e demanda. As próprias transações diárias e voluntárias
de milhões de consumidores, em conjunto com empreendedores que se arriscam em
seus empreendimentos, já fazem isso. É a
economia mista quem cria a demanda para que planejadores econômicos queiram
gerenciá-la.
Contrariamente às suas pretensões, os economistas
seriam de pouca serventia aos empreendedores em um livre mercado. O
economista não pode prever as futuras demandas do consumidor e os custos
futuros tão bem quanto os empreendedores; afinal, se ele pudesse, então ele seria
o empreendedor. Sabemos que o empreendedor está onde está precisamente
por causa de sua superior habilidade de previsão do mercado.
As pretensões dos economistas, econometristas e de
outros "modeladores" de que eles podem prever com precisão e acurácia
a economia irá sempre soçobrar perante a simples, porém devastadora, indagação:
"Se você pode prever tão bem, por que você não está no mercado de ações,
onde previsões acuradas geram ricas recompensas?"
Não adianta rejeitar tal pergunta — como muitos têm
feito — alegando que ela é "anti-intelectual"; este é exatamente o
teste rigoroso a ser enfrentado pelo pretendente a oráculo econômico.
Ludwig von Mises demonstrou a falácia do termo
"modelagem", que é muito popular e que surgiu erroneamente (junto com
muitas outras falácias cientificas) de uma analogia com as ciências físicas —
nesse caso, a engenharia. Os modelos de engenharia fornecem a exata dimensão
quantitativa — em uma miniatura proporcional — do mundo real. Porém, nenhum
"modelo" econômico pode fazer algo parecido.
O papel do economista em uma sociedade livre,
portanto, é puramente educacional.
Mas quando o governo intervém no mercado, a
"utilidade" do economista se expande. A razão é que ninguém sabe, por
exemplo, quais serão as demandas dos consumidores no futuro,
em uma determinada área. Em um ambiente de livre mercado, o economista
será naturalmente substituído pelo prognosticador empreendedorial. Porém,
quando o governo se intromete no mercado, criando várias intervenções e
regulamentações, as coisas ficam muito diferentes, pois o problema agora é
saber precisamente quais serão as consequências dos atos do
governo.
Conclusão
Quanto a economia mista nos custa? Impossível saber.
Impossível calcular os efeitos das tecnologias que deixaram
de ser criadas, das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que
deixaram de ser gerados, das recessões geradas pelas políticas
do governo, da destruição
da moeda efetuada pelo governo, e dos preços artificialmente mais altos por
causa de impostos, burocracia, regulamentações e gastos do governo.
Sabemos apenas que o efeito é gigantesco e
destruidor. E está só aumentando.
Mas se a economia mista é todo esse desastre, por
que ainda insistimos nela?
Simples: porque ela permite que aqueles bem-conectados
politicamente espoliem a
todos nós em um arranjo social-democrata disfarçado de "capitalismo democrático".
Porque ela permite que grandes empresas não concorram
abertamente no livre mercado — no qual teriam de encarar desafios e sofrer
prejuízos —, em vez disso sendo protegidas e socorridas pelo governo.
Porque ela permite que grandes empresários ganhem
dinheiro por meio de privilégios especiais concedidos pelo governo em vez de
por meio da produção de bens e serviços de qualidade, e da satisfação dos consumidores.
Porque ela permite que algumas pessoas alcancem seus
objetivos por meio da violência, da fraude e do roubo.
Porque os grandes empresários sempre preferem
receber subsídios, privilégios, e ser protegidos por tarifas de importação e
agências reguladoras.
Porque a classe política prefere viver
parasiticamente à custa do trabalho dos outros e adora exercer seu vasto poder
sobre toda a população.
Porque lobistas e grupos de interesse sempre conseguem
(tanto de forma legal quanto ilegal, mas sempre imoral) ganhar benefícios
especiais quando recorrem ao estado.
Porque milhões de indivíduos preferem ganhar a vida
trabalhando para o governo, onde os salários são gordos, há estabilidade e as cobranças
são quase inexistente, e não na iniciativa privada, onde há cobranças, exigência
de resultados e nada é garantido.
Porque outros milhões preferem viver de assistencialismo.
O único antídoto contra a economia mista é a adoção de
um mercado livre e irrestrito, sem protecionismos, privilégios e barreiras à
entrada em qualquer mercado. Mas isso inevitavelmente
passa pela redução brutal do tamanho do governo e pela consequente assunção de
responsabilidade própria por cada indivíduo — do pobre ao megaempresário
protegido —, que não mais poderá contar com o dinheiro alheio para viver.
Mas tamanho nível de responsabilidade própria ninguém
quer.
O
livro A Sociedade Planejada, citado lá
no início, não mencionou tudo isso, mas é fato que vivenciamos hoje o inevitável
resultado de tudo aquilo que ali foi recomendado.