segunda-feira, 2 jan 2017
Economistas austríacos nunca foram dados a
exercícios de futurologia, pois acreditamos que a metodologia adequada para a
ciência econômica não se
presta a tal. No entanto, isto não nos impede de anteciparmos qualitativamente
o comportamento de algumas variáveis, mediante a simples aplicação da análise
praxiológica.
Estamos atravessando a pior crise econômica de nossa
história, talvez apenas comparável à do governo de Campos Sales
(1898-1902), gestada ainda no governo de Deodoro da Fonseca (1889-1891), cujo
ministro da Fazenda, Rui Barbosa, destruiu a economia com a loucura do
encilhamento, uma bolha de crédito inacreditável[1].
O sucessor de Rui, o médico homeopata Joaquim Murtinho,
prescreveu então uma receita bastante ortodoxa e alopata (como teria que ser)
para consertar os enormes estragos provocados pelo jurista que não entendia de economia;
um remédio forte e cujo amargor perdurou durante todo o governo de Campos Sales. Preparou
então Murtinho, em meio à forte recessão purificadora, o terreno para que o
governo seguinte — o de Rodrigues
Alves — pudesse fazer a colheita, como de fato aconteceu, já que foi o
mais próspero da Primeira República.
Essa pequena digressão àquele período parece-me
apropriada não apenas pela intensidade das duas recessões, mas também porque
Campos Sales dispôs-se a atacar de frente o problema, sem se importar com sua
popularidade, como se deveria esperar de qualquer estadista de boa estirpe.
O que nos conduz à pergunta: estará Temer de fato, a
exemplo de Salles, disposto a mergulhar de cabeça nas profundas reformas que o
setor público está a exigir, sem se importar, como
tem afirmado, com a baixa popularidade? Se estiver, terá ele o apoio
necessário de sua base parlamentar para que as reformas avancem e para que não
se limitem a medidas de "meia bomba"? E mais, saberá seu Banco Central resistir
às fortíssimas pressões para que diminua a taxa básica de juros, oriundas de
todos os setores da sociedade, impregnados de keynesianismo vulgar?
Parece oportuno lembrar que, diferentemente da
recessão de Campos Sales, a atual está acompanhada de uma crise política com poucos
precedentes em toda a nossa história, em que ocorreu o impedimento da
presidente eleita em 2014, em que Temer não dispõe da base popular de um
presidente efetivamente eleito como tal, em que o ex-presidente da Câmara está
preso e o do Senado envolvido em diversos processos por suspeita de corrupção,
em que o ex-presidente Lula poderá ser preso e, aditivamente, o Judiciário e o
Legislativo recorrentemente se comportam como gato e rato.
A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) é,
de longe, a que explica melhor as causas das flutuações
econômicas, a que analisa com acerto em que consistem as recessões e,
adicionalmente, a que mostra o caminho para sair das estagflações. A recessão
consiste na eliminação pelos agentes econômicos dos maus investimentos que foram
incentivados pelo governo no passado, quando bombeou crédito
artificialmente barato na economia (isso aconteceu no Brasil entre 2007 e 2014).
E a saída da recessão não requer nenhum remédio milagroso à la Keynes,
mas sim que o Banco Central e o Tesouro estanquem a hemorragia de crédito
barato e espere o tempo passar, para assim eliminar as alocações equivocadas de
recursos que foram feitas. Isso, ao menos, já está sendo feito.
Essa teoria explica a recessão de Campos Sales, a de 1921 nos Estados Unidos, a
Grande Depressão dos anos 1930, a Grande Crise de 2008 e a atual crise brasileira. Se
os economistas se dedicassem a estudar a Teoria Austríaca dos Ciclos
Econômicos, suas análises certamente seriam infinitamente melhores do que as
que vemos diariamente por parte da mainstream, que se limitam à
repetição de clichês keynesianos e, às vezes, monetaristas.
Mas não basta que o governo — como escrito acima —
se limite a estancar a expansão do crédito e esperar o tempo passar, pois temos
um grande problema a ser resolvido, sem o qual a própria atitude acertada de
estancar o crédito e deixar passar o tempo pode ficar impossibilitada. Trata-se
do enorme, gigantesco e monumental desajuste nas contas do
setor público; da tacanha, estúpida e obtusa burocracia; da
sufocante, abafadiça e asfixiante carga tributária; da
incoerente, disparatada e despropositada lei trabalhista; da
parva, estulta e pacóvia compulsoriedade do imposto sindical e dos
demais componentes do
custo Brasil.
Não se preocupe com o excesso de adjetivos, mas com
o excesso exorbitante, hiperbólico e supino do estado na vida dos
brasileiros. Essa é, sem qualquer dúvida, a raiz do problema.
Vamos resumir todas essas dificuldades em uma
palavra: reformas. E voltar às questões a que me referi acima: se
Temer está ou não disposto a realizá-las na intensidade e profundidade
necessárias e se terá ou não base no Congresso para isso.
Minha resposta a essas duas indagações,
infelizmente, é: não e não. Por quê?
Não há como acreditar que sim. Senão, vejamos. A
chamada PEC do Teto foi
um exemplo: um avanço sem dúvida, mas insuficiente e que mesmo assim provocou
enormes reações. A reforma
do ensino médio proposta seguiu o mesmo caminho. As medidas de
desburocratização recentemente
anunciadas são de uma timidez impressionante. A proposta de reforma da
previdência não toca na essência do problema, que é o regime de repartição, que deveria ser alterado para o
de capitalização e com extinção da obrigatoriedade da previdência estatal.
A equipe econômica há poucos dias convocou uma
coletiva de imprensa para anunciar
algumas medidas tópicas, sem qualquer profundidade.
Em suma, vamos recorrer a uma metáfora: se os
governos do PT se comportavam como cachaceiros que perderam o caminho de casa,
o de Temer mais parece um bêbado que se lembra de onde mora, mas que caminha a
passos lentos, dois para frente, um para trás, outro para o lado...
Gostaria de escrever que 2017 será o ano da saída da
crise e do controle da inflação, mas para isso seria necessário, primeiro, que
o governo tivesse plena convicção não apenas de que as reformas são
necessárias, mas também da profundidade a ser exigida nessas reformas; segundo,
que tivesse base parlamentar sólida e não sujeita às chuvas e trovoadas que se
abatem sobre o sistema político e que têm sido ainda mais fortes nestes tempos
de Lava-Jato; e terceiro, que também se faria necessária uma reforma de nossa
constituição socialista, mas isso está por ora fora de cogitação.
A TACE é bastante clara: para vencer a estagflação
basta que o governo deixe que os maus investimentos do passado sejam liquidados
pelo próprio mercado e que o banco central pare de expandir o crédito e manter
as taxas de juros em níveis artificiais.
Contudo, sem uma profunda e contundente
reforma no regime fiscal e na estrutura do estado, dificilmente um governo poderá manter essas
diretrizes, pois o crescimento
da dívida interna mais cedo ou mais tarde exigirá que o déficit seja
financiado pela expansão da moeda. Por isso, sem essa reforma — e nunca é demais
frisar — profunda, o bêbado continuará sabendo como chegar a sua casa, mas não
conseguirá fazê-lo.
O
que deveria ser feito
A solução não requer — e nem tolera — remendos.
Basta de ajustezinhos temporários que nem o velho inglês da conhecida expressão
vai desejar ver. Que se ponha um ponto final na velha prática do estado de
cobrar dos cidadãos seus próprios erros do passado, apenas para que possa
repeti-los no futuro.
Em outras ocasiões, já apontamos aqui tudo o
que deveria ser feito. Vale a pena repetir quais as reformas estruturais no
estado brasileiro de que tanto o país está carecendo.
Eis as mais básicas:
(1ª) Já que é ainda muito prematuro falar em extinção do monopólio
estatal da moeda, que pelo menos se dê ao Banco Central a
"independência" ou autonomia prevista desde sua criação, em
31/12/1964, pela lei 4.595 (mas que só ocorreu na gestão de seu primeiro
presidente, Denio Nogueira, no governo Castello Branco), desamarrando os
mandatos de seus presidentes dos mandatos do presidente da República. O
objetivo é fazer de tudo para termos e mantermos uma
moeda forte;
(2ª) Privatizações em massa (aqui um plano mais
radical e aqui um
plano mais moderado) e sem medo de enfrentar resistências políticas e de
"movimentos sociais", na certeza de que deixará um país melhor para
seus sucessores;
(3ª) Abolição das vinculações de receitas
orçamentárias;
(4ª) Reforma tributária profunda, voltada para
vigorosa simplificação e não menos vigorosa redução da carga tributária;
(5ª) Inserção sem medo e sem ideologia na economia
mundial;
(6ª) Extinção de todas
as agências reguladoras e abolição de
proibições à entrada e saída de empresas nos mercados;
(7ª) Mudança radical na política externa, com a
desvinculação do Mercosul e a assinatura de acordos que realmente interessem ao
país (e não a esse ou aquele partido);
(8ª) Estímulos ao empreendedorismo, mediante medidas
de desburocratização
e criação de facilidades para a abertura de empresas nacionais e estrangeiras,
de todos os tamanhos;
(9ª) Reforma previdenciária;
(10ª) Extinção do BNDES;
(11ª) Reforma trabalhista, com a extinção da anacrônica CLT;
(12ª) Garantia absoluta dos direitos de propriedade
e punição de todo e qualquer movimento que os desafiar;
(13ª) Despolitização e da educação e da saúde, libertando-as da
estatização e da ideologização;
(14ª) Fortalecimento da federação, com a consequente
descentralização administrativa, de receitas e de decisões, ora concentrada na
União;
(15ª) Alteração na lei penal e modernização das
polícias, para que o crime passe a não compensar;
(16ª) Em um prazo maior, reforma constitucional;
(17ª) Reforma política.
Estas são apenas algumas das medidas que, ao lado de
outras, sem dúvida contribuiriam para a criação de um ambiente estável e
propício para que indivíduos e empresas, em ambiente de liberdade econômica e
de garantia de direitos, pudessem trabalhar em paz, regidos pelo axioma da ação
humana e colocar nossa sociedade nos trilhos do desenvolvimento.
Tudo isso não poderá, infelizmente, ser feito em
meia hora, ou em um mês, ou em um ano, ou em um governo curto como deverá ser o
de Temer; é tarefa para, no mínimo oito a dez anos, porque envolve, antes de
qualquer anúncio de "medidas" por parte de um ministro da Fazenda,
uma verdadeira revolução cultural, no sentido de mudar o conceito que os
brasileiros têm acerca de suas relações com o estado, do que dele devem esperar
e do que não devem esperar.
O
que realmente será feito
Mas o que realmente esperar de 2017?
No atual quadro, infelizmente, pouco podemos esperar
de positivo. É evidente que melhoramos em comparação com o governo anterior,
mas seria preciso melhorar muito mais.
Aposto, então, em uma e outra reforma tópica e sem
profundidade, capazes de conter a expansão desmedida dos gastos públicos, mas
incapazes de proporcionar o ambiente que se faz necessário para que as forças
de mercado possam operar de maneira a conduzir o ébrio até a sua casa em
segurança.
Assim, a medida usada pelos economistas mainstream —
o PIB — deverá apresentar no período de janeiro a dezembro um crescimento
próximo de zero, talvez ligeiramente positivo, se os empecilhos políticos não
forem muito fortes.
Quanto à inflação de preços, poderá ficar próxima ao
centro da meta estabelecida para o ano, desde que esses empecilhos também não
sejam muito relevantes e desde que o Banco Central não tente conter a valorização
do real ou se aventure em diminuir a taxa básica de juros sem a devida
contrapartida da solução para o problema fiscal. Como isso não deverá
acontecer, a inflação de preços poderá ficar bastante próxima da de 2016,
estourando, portanto, a meta para 2017 (altos 4,50%).
O desemprego — que não é, como a maioria
supõe, a "cura" para a inflação, mas sim consequência da inflação
monetária —, deverá apresentar resistência ao longo de todo o ano, sem
qualquer queda acentuada.
Peço desculpas ao leitor se o deixei com uma
sensação de frustração, mas a verdade é que o realismo cobra sempre o preço
justo, enquanto as ilusões exigem juros em bola de neve.
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[1] Logo
após a Proclamação da República, o déficit público explodiu. Segundo Mario
Henrique Simonsen, o governo simplesmente imprimiu dinheiro para pagar esse
déficit. Em 1890, o dinheiro em circulação aumentou 51,6%; em 1891, mais 71,8%.
Essa avalanche inflacionária, causada pela monetização dos déficits, levou a
uma especulação financeira, que foi o encilhamento propriamente dito. Sem essa
criação de dinheiro para financiar os déficits do governo, não havia como os
bancos da época saírem emprestando a rodo para bancar a especulação.
Veja que, em economia, mudam-se os métodos, mas as causas e consequências são
basicamente as mesmas. Se você joga dinheiro na economia, esse dinheiro será
utilizado em algum investimento voltado ou para se proteger da inflação ou para
lucrar.