Em qualquer país, a vasta maioria da população não
tem nenhum interesse em conflitos de rua envolvendo grupos ideologicamente
diferentes. As pessoas já têm muitos problemas com os quais se preocupar, como
contas a pagar, criar os filhos, pagar planos de saúde, e manter o padrão de
vida sob as contínuas dificuldades do cotidiano, de modo que tudo o que elas
querem é que esses desajustados sumam.
Por isso, é claro que as pessoas normais ficaram
perplexas com as cenas ocorridas nas ruas de Charlottesville — uma pitoresca
cidadezinha no estado americano da Virginia, com uma universidade fundada por
Thomas Jefferson —, que foram tomadas por aproximadamente 500 neonazistas
gritando "os judeus não irão tomar nosso lugar!".
O que vimos nos vídeos e nas reportagens (veja pelo
menos os três primeiros minutos deste
vídeo) foi algo apavorante: um grupo de supremacistas que mais se parecia
com uma perigosa força paramilitar, oriundo de todos os cantos do EUA (nenhum
integrante da própria cidade), com uma visão de mundo que remetia ao período da
Segunda Guerra Mundial, carregando tochas, bandeiras e insígnias de estilo
nazista, e gritando slogans racistas e anti-semitas.
Era uma marcha completamente diferente de qualquer
outra coisa já vista no país. Não tinha absolutamente nada de semelhante com
nenhuma manifestação do Tea Party. Foi algo totalmente atípico e
verdadeiramente aterrorizante para os residentes daquela idílica cidade.
Em si, o movimento era completamente avesso aos
valores americanos, repleto de ódio, contrário às normas do comportamento
civilizado, verdadeiramente perigoso para a ordem pública, e de estranha origem
estrangeira. Não havia nada de liberdade de expressão naquilo tudo; era apenas
um grupo de pessoas fazendo ameaças. Não se tratava de pessoas querendo liberdade,
mas sim exigindo poder. Não se tratava de uma marcha sobre direitos humanos,
mas sim uma marcha fazendo ameaças a terceiros e exigindo poderes totalitários.
Em outras palavras, foi algo abertamente
deplorável. Na prática, representou a saída do armário de uma ideologia que até
então subsistia apenas nas franjas da internet, tornando-se agora mundialmente
conhecida.
As principais consequências práticas de toda essa
manifestação explícita de neonazismo serão um aumento da vigilância
governamental sobre todo e qualquer grupo que venha a ser considerado
(arbitrariamente ou não) uma ameaça à ordem pública, mais monitoramentos das
comunicações online, e mais restrições às organizações de cunho político —
tudo em reação às cenas ocorridas, e contando com a aprovação de um público
compreensivelmente assustado.
São exatamente eventos como este que fazem as
pessoas perderem suas liberdades básicas. Se os participantes desta marcha
neonazista realmente acreditavam estar lutando pela liberdade, conseguiram exatamente
o oposto. Mas também há o seguinte: grupos como estes prosperam com o
vitimismo. Eles nunca desaparecem, especialmente este, pois boa parte de seu
etos se resume a uma apologia ao coitadismo, dizendo o quanto as suas demandas
foram suprimidas e oprimidas por todos. Torne-os vítimas e eles prosperarão
ainda mais.
A mentalidade grupal
É difícil de ver e doloroso de ouvir. Mas essa
gente não desaparecerá tão cedo. Para pessoas cujas cabeças estão repletas de
uma ideologia violenta, o que aconteceu até agora (3
mortos e 20 feridos) ainda não é o bastante. Elas imaginam que com suas
marchas, suas bandeiras, seus uniformes, seus slogans, seus cantos e seus
gritos irão fazer com que a história dramaticamente mude a seu favor e contra
as pessoas que eles odeiam (majoritariamente, negros e judeus).
O que realmente causa essas coisas? É um erro dizer
que são apenas "pessoas ruins". Não se trata apenas de "pessoas ruins", mas sim
de idéias ruins. Idéias ruins são
como vírus que entram no cérebro e fazem pessoas imaginar coisas que não
existem. É como uma doença que a pessoa nem sabe que tem. Faz a pessoa
fervilhar de ódio por nenhum motivo aparente, desejar o extermínio de pessoas
que jamais fizeram nada de errado, e imaginar que batalhas sociais — que têm
zero chance de ser bem-sucedidas — trarão resultados positivos para elas.
A implausibilidade de suas idéias é mascarada por
uma psicologia de grupo. São pessoas que formam grupos compostos exclusivamente
por indivíduos que pensam exatamente igual e que incitam uns aos outros a ter
os mesmos ressentimentos em relação a terceiros e a sonhar com novos poderes
que conseguirão adquirir caso ajam agressivamente, impetuosamente e com
determinação. Eles evocam os "culpados de sempre" (negros, judeus, mulheres,
gays) e passam a acreditar que a única solução para as suas aflições (como
dito, são pessoas inerentemente vitimistas) é destruir todos esses culpados por
meio de uma grande insurreição, após a qual eles assumirão o poder e governarão
para sempre.
Sim, parece insano. Mas se há algo que a história
sempre demonstrou é que nenhuma ideia é insana demais para ser descartada por
um grupo infectado pelo desejo de mandar. Qualquer meio para se alcançar este
fim serve.
As raízes ideológicas
Com efeito, tudo o que já aconteceu até agora, com
uma real destruição de vidas e propriedade, já foi muito além da política
convencional, e pressagia algo verdadeiramente terrível do passado, algo que
muitos de nós imaginávamos que não mais se repetiria.
Boa parte da mídia relata que tudo começou com uma
desavença sobre o destino de uma estátua do general Robert E. Lee, que comandou
os confederados durante a Guerra Civil americana. A estátua está localizada no
centro de Charlotesville e a câmara de vereadores aprovou sua derrubada. Os
neonazistas não teriam gostado disso e teriam ido para lá para protestar, com
tudo terminando em violência.
Mas a
realidade é que essa questão da estátua foi apenas um pretexto, e se tornou uma
forma de desviar a atenção em relação à real motivação de tudo.
O que
realmente aconteceu foi uma explosiva expressão de uma ideia que já vinha sendo
fermentada há um bom tempo, e que foi transformada em um movimento maligno que
já vinha ganhando tração nos subterrâneos. Após o fim da Segunda Guerra, quase
todo mundo imaginava que a ideologia nazista estava extinta da terra e que a
única ideia totalitária que ainda trazia ameaças à liberdade era o comunismo.
Isso pode até ter sido verdade por algumas décadas, mas as coisas começaram a
mudar na década de 1990, quando novas e violentas tendências estatistas
começaram a surgir.
Nos
últimos dois anos, escrevi copiosamente sobre a história mais profunda destas
violentas tendências estatistas, as quais podem ser alternadamente descritas
como nazismo, fascismo, direita alternativa, supremacia branca, nacionalismo
branco e, o meu preferido (criado
por Ludwig von Mises), hegelianismo de direita.
Analisei
as obras de pessoas como Johann Fichte, Friedrich List, Houston Stewart
Chamberlain, Thomas Carlyle, John Ruskin, Charles Davenport, Oswald Spengler,
Carl Schmitt, Julius Evola, Giovanni Gentile e outros (vários de meus escritos
sobre essas pessoas podem ser encontrados aqui). Todas essas
idéias já existiam muito antes de Hitler e dos nazistas — e causaram enormes
estragos no mundo muito antes do Holocausto — e continuam existindo muito
depois deles.
Sim, é bem
verdade que provavelmente nenhum daqueles criminosos em Charlotesville tenha
lido esses pensadores. Sendo assim, como podemos atribuir alguma culpa a eles?
O
problema é que idéias são estranhamente mágicas, como um DNA espiritual que
viaja no tempo, movendo-se de cérebro para cérebro como uma mutação genética, e
tão imprevisível quanto. Keynes estava certo ao dizer que a maioria dos
políticos é escrava de algum economista defunto; da mesma maneira, aqueles
violentos baderneiros são escravos de algum filósofo defunto que odiava a
ascensão de uma liberdade universal ao redor do mundo durante o século XIX, e
que estava determinado a refreá-la.
Ao mesmo
tempo, é necessário haver algum canal de transmissão para as idéias. Os líderes
deste movimento servem bem ao propósito, mas há uma raiz mais profunda.
Sempre
fui extremamente relutante em mencionar aquele que pode ser o mais influente
tratado neonazista da história, e que certamente está por trás da ascensão deste
violento movimento nas décadas mais recentes. No entanto, considerando-se os
últimos acontecimentos, chegou a hora. O livro se chama The Turner
Diaries, escrito por "Andrew McDonald", que na verdade era apenas um
pseudônimo para William L. Pierce, um brilhante cientista cuja mente foi
completamente infectada pela ideologia nazista exatamente por ele ter sido um
voraz leitor dos autores acima mencionados.
Recomendo
ferrenhamente não ler este livro.
Uma vez lido, é impossível esquecê-lo. Não dá para apagá-lo de sua mente. Este livro se tornou a bíblia dos
neonazistas. Lembro-me vivamente da primeira vez que o li. Foi uma experiência
aterrorizante, a qual me abalou profundamente. Foi ali que comecei a perceber a
nova tarefa que nos esperava: combater este horror com cada joule de nossa
energia intelectual.
O livro,
que é uma história de ficção, narra o surgimento de uma pequena junta de
nacionalistas brancos que decide reverter o curso da história mundial por meio
de uma série de assassinatos, começando com judeus, depois indo para os negros,
depois para os comunistas, depois para os comerciantes e empreendedores e,
então, inevitavelmente, para os libertários (sim, eles também nos odeiam).
O que
você aprende no livro é que este movimento é absolutamente socialista, só que
de uma maneira distinta do típico socialismo de esquerda. Eles não são camisas
vermelhas, mas sim camisas marrons. Logo, eles têm uma agenda diferente. A luta
deles não é a luta de classes, mas sim a luta de raças, a luta de religião, a
luta de gêneros, e a luta pela identidade nacional. O que é totalmente
explícito é que se trata de um movimento coletivista, anti-mercado,
anti-libertário e estatizante até o âmago.
E o que ocorre no livro? A junta insufla as massas a ficar do seu lado por meio
de um crescente banho de sangue, adquire o controle do governo, estabelece um
estado socialista responsável por planejar centralizadamente a economia, assume
o controle de todo o estoque nuclear do mundo e então dizima todos os
não-brancos do mundo.
Desculpe
o spoiler.
O código genético
Não é
segredo nenhum que este livro sempre foi o manifesto que converte, agrega e
norteia os neonazistas. O verbete da Wikipéedia
traz várias fontes a respeito.
Sendo assim,
por que alguém criaria todo um movimento baseado nas ideias de um livro tão
horrendo? De novo, a mente humana é capaz de imaginar coisas terríveis, e aquilo
que imaginamos ser verdade influencia ações. Idéias têm consequências. Uma
pessoa que tenha acompanhado a transmissão dessas idéias ao longo das últimas
décadas consegue ver para onde tudo isso pode ir.
O que
acontece agora? De um lado, um robusto movimento de esquerda está explorando esses
acontecimentos com o intuito de contra-balançar essa crescente ameaça
neonazista, a qual eles atribuem à ascensão da "direita". De outro, há um
governo pronto para explorar o conflito entre esses dois grupos estatistas para
atacar ainda mais nossas liberdades. Trata-se da tempestade perfeita.
Nossa tarefa
E é
exatamente por isso que é tão importante que nós libertários falemos
abertamente a verdade, e com convicção e coragem. Simplesmente não podermos
permitir que a esquerda seja a única voz ideológica de oposição a isso.
Sendo assim,
o que fazer? A resposta jaz na fonte do problema. Toda a bagunça começou com idéias
ruins. O único meio disponível — e é o mais poderoso de todos — é combater idéias
ruins com idéias boas. Todos nós temos de nos atirar, e com grande empenho, nesta
batalha intelectual, desmascarando esse inimigo.
E quais são
essas boas idéias? O progresso
dos últimos 500 anos nos mostra exatamente quais são: harmonia
social, direitos humanos (cada indivíduo tem o direito de que não retirem sua
vida, sua liberdade e sua propriedade honestamente adquirida), aspiração a uma
dignidade universal, a economia de mercado como um meio para a paz e a
prosperidade, a convicção de que todos nós podemos cooperar visando a uma
vantagem mútua, e, acima de tudo, a beleza e a magnificência da própria ideia
da liberdade.
Todos os
que veneram a paz, a prosperidade e o progresso humano não devem se desesperar,
mas sim se dedicar com ainda mais afinco à missão de substituir idéias ruins
pelas boas. Nossos antecessores nesta missão tinham chances muito menores que
as nossas, e ainda assim prevaleceram. E eram numericamente muito menores do que
nós.
Iremos prevalecer
também, desde que pensemos, falemos e atuemos com coragem e convicção em prol
de tudo aquilo que é verdadeiro. É assim que este ciclo de violência envolvendo
rótulos (fascismo e socialismo, nazismo e comunismo, direita e esquerda) será derrotado e substituído.
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Leia também:
Por que o nazismo era socialismo e por que o socialismo é totalitário