É inevitável: sempre que ocorre um caso de tiroteio
em massa nos EUA, desarmamentistas de todo o mundo renovam seu zelo confiscatório.
A lógica é impecável: se um doente mental utilizou armas para matar pessoas, então
a solução é confiscar as armas de quem não tinha nada a ver com o ocorrido.
É claro que, nos EUA, o alcance dos desarmamentistas
é muito mais restrito que no resto do mundo: praticamente ninguém no país fala
em proibir as pessoas de terem uma arma. Nem mesmo políticos abertamente de
esquerda — muitos dos
quais confessamente possuem armas em casa — defendem a proibição da venda
de armas. Ninguém sonha em proibir os americanos de comprarem livremente
revólveres, pistolas, espingardas e carabinas. O debate todo se restringe à
facilidade que um indivíduo tem para comprar armas de alto poder destrutivo (como
fuzis AR-15 e metralhadoras) sem ter de apresentar algum histórico.
Exatamente por isso, os desarmamentistas vivem
dizendo que os EUA, para eliminar o problema dos "mass shootings" (assassinatos
em massa praticados com armas de fogo), deveriam imitar o modelo de controle de
armas imposto pelo governo da Austrália.
Segundo eles, o desarmamento australiano é o mais
eficaz e incontestável exemplo de que restrições estatais ao acesso a armas de
fogo ajudam a reduzir homicídios, assaltos, chacinas e violências em geral.
Será?
O modelo australiano
Em 1996, após um horrível massacre
na cidade de Port Arthur, na Tasmania, perpetrado por um desequilibrado
mental, o governo da Austrália introduziu um programa que obrigou os proprietários de armas de fogo (todos registrados pelo
governo) a vender para o governo determinados tipos de armas em sua posse (majoritariamente,
rifles semi-automáticos e escopetas). O governo, então, prontamente destruiu essas armas.
Tal programa, que fez com que o estoque de armas de
fogo em posse de civis fosse reduzido em aproximadamente
20%, foi, na prática, um enorme programa de confisco de armas, pois os proprietários
se tornariam criminosos caso decidissem manter suas armas em vez de vendê-las
para o estado.
Desde a introdução destas medidas, as taxas de
homicídio na Austrália caíram e o país não mais vivenciou nenhuma chacina. Por causa
destes "resultados", a Austrália é recorrentemente citada como um exemplo de
sucesso de medidas desarmamentistas.
O problema, como sempre, é que a realidade é bem
mais complexa do que este narrativa promovida pelos desarmamentistas.
Surto
de crimes
Para começar, imediatamente após a lei do confisco de armas, houve um surto
de homicídios e de assaltos à mão armada.
Os
homicídios aumentaram
19% e os assaltos a mão armada aumentaram
69%. Os homicídios só começaram a cair oito anos após a implantação
da lei. Já o número de assaltos à mão armada não havia retornado para níveis pré-confisco
até 2011.

Gráfico
1: número total de homicídios na Austrália (homicídios causados por todos os
tipos de objetos)

Gráfico 2: número
total de assaltos à mão armada na Austrália
Não há nenhuma teoria apresentada pelos desarmamentistas sobre por que os
números subiram e por que demoraram tanto para cair. Tampouco há qualquer referência
a isso na literatura desarmamentista.
Mas esses dados ainda são os menos importantes de todos.
Quantidade de armas em posse dos
australianos já voltou a níveis pré-1996
Um quesito muito mais importante é o fato de que a quantidade de armas
em posse dos australianos já voltou ao mesmo nível de antes do programa de
confisco.
Um
estudo da universidade de Sydney, de 2013, mostra que os australianos,
naquele ano, já estavam em posse da mesma quantidade de armas que tinham à época
do massacre de Port Arthur. Segundo o estudo, houve um contínuo e maciço aumento
na quantidade de armas importadas pela população do país nos últimos 10 anos,
sendo que o número de armas em mãos de civis já estava, em 2013, no mesmo nível
em que estava em 1996.
Talvez isso ajude a explicar por que o número de homicídios e de assalto
à mão armada só voltou a cair vários anos após a implantação da lei. E, obviamente, também um maior e mais eficaz trabalho policial
Na Nova Zelândia foi diferente. Mas o
resultado foi o mesmo
Sim, não houve nenhuma chacina na Austrália depois da implantação da lei
do controle de armas em 1996, mas isso, por si só, não prova nada. Um estudo de
2011 publicado pelo Justice
Policy Journal comparou as tendências estatísticas de tiroteios em massa
antes e depois de 1996 na Austrália e na Nova Zelândia.
A Nova Zelândia é vizinha da Austrália e ambos os países são muito
similares em termos sociais, culturais e econômicos, além de terem tido a mesma
colonização e terem o mesmo chefe de estado (a Rainha da Inglaterra). Mas, ao
contrário da Austrália, a Nova Zelândia não implantou controle de armas. O país
manteve legais e disponíveis os mesmos tipos de armas (armas semi-automáticas de
estilo militar) que o governo australiano confiscou em 1996.
Assim, em termos estatísticos, a Nova Zelândia serve como um extremamente
útil grupo de controle para observar quaisquer efeitos que o controle de armas
possa ter tido nos tiroteios em massa.
E os autores do estudo descobriram que, após levar em conta a diferença no
tamanho da população, Austrália e Nova Zelândia não apresentaram tendências estatisticamente
distintas no que tange a chacinas e tiroteios em massa antes ou depois de 1996.
Com efeito, a Nova Zelândia não teve nenhum tiroteio em massa desde 1997, "não obstante
a disponibilidade naquele país de todos os tipos de armas que foram banidas na Austrália".
Nenhuma mudança nas tendências
Já vimos que o número total de
homicídios aumentou após o controle de armas, e voltou a cair oito anos depois
(o que coincidiu com o aumento de armas em posse dos australianos).
Mas o que podemos dizer em relação à tendência das taxas de homicídios
causados apenas por armas de fogo? Ou
mesmo suicídios por armas de fogo?
Estas questões foram respondidas por um estudo de
2016 feito pela AMA (American Medical Association - Associação Médica Americana),
o qual examinou as tendências estatísticas dos homicídios e dos suicídios por
armas de fogo antes e depois da adoção do controle de armas em 1996. Os autores
não encontraram nenhuma evidência estatisticamente significativa do controle de
armas em relação às taxas de homicídio por armas de fogo: a tendência de queda que já existia antes de 1996 se manteve inalterada
após 1996.

Gráfico 3: Homicídios
por armas de fogo (para cada 100.000 habitantes)
E isso bate com evidências de outras pesquisas já feitas. Por exemplo,
os autores de um estudo
publicado no International Journal of
Criminal Justice relatam que "Embora o número total de estudos
revisados por pares sobre os dados das séries temporais seja relativamente
pequeno (menos de 15 estudos), nenhum desses estudos descobriu qualquer impacto
significativo das mudanças na legislação australiana sobre a já declinante tendência
nos homicídios por arma de fogo".
Por outro lado — e os desarmamentistas se apegam a isso, pois foi o que
restou —, os autores do estudo da AMA descobriram que o declínio nas taxas de suicídios
se acelerou após o controle de armas. Porém, os próprios autores concluíram que
"não é possível determinar se a mudança nas mortes por armas de fogo podem ser atribuídas
ao controle de armas" porque "o declínio no total de suicídios e homicídios não
relacionados a armas de fogo foram de magnitude ainda maior".
Em outras palavras, dado que, após o controle de armas, as taxas de suicídio
sem uso de arma de fogo se reduziram a um ritmo muito maior do que as taxas de suicídio
por armas de fogo, não se pode concluir que o controle de armas seja a razão
por que as taxas de suicídio por armas de fogo caíram.
Conclusão
Basicamente, os desarmamentistas que recorrem ao exemplo australiano construíram
toda a sua argumentação em análises preguiçosas dos dados. Com efeito, o mais provável
é que não tenham feito análise nenhuma. Se algo, a Austrália prova o exato
oposto do que os desarmamentistas querem.
Um programa nacional de confisco de armas, que reduziu o estoque de
armas em posse dos civis em 20%, coincidiu com um surto no total de homicídios
gerais e de assaltos à mão armada. Vários anos depois, após a população já ter
se rearmado — embora com armas de poder de fogo menor —, o total de homicídios
gerais e de assaltos à mão armada voltou a cair.
Simultaneamente, a taxa de homicídios por arma de fogo, que já estava em
acentuada queda antes do controle de armas, continuou caindo após o controle de
armas. E seguiu caindo com a mesma intensidade após a população ter voltado a
se armar.
No final, ninguém consegue apontar uma única evidência clara de que a
lei de 1996 causou um efeito significativo na taxa de homicídios por armas de
fogo. Isso não só é constrangedor, como ainda vai contra tudo o que os
desarmamentistas acreditam quanto à natureza da relação entre armas e taxas de homicídio.
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