Por
que uma criança deve estudar?
Para
ser formada como cidadã que terá um papel na sociedade, trabalhando para ter
seu sustento, para realizar seus sonhos e colaborar com os menos favorecidos.
O
estudo não tem um fim em si mesmo, do tipo "o estudo dignifica o homem". Não, o
trabalho e a criação de valor é que dignificam o homem. O que você realiza é
o que lhe dignifica. Logo, em uma determinada fase de sua vida, você
supostamente deveria se preparar para, na próxima fase, produzir e gerar valor.
O
estudo sem propósito é perda de tempo. Sim, essa afirmação soa quase que como
uma heresia escandalosa aos ouvidos de quem, por anos, foi condicionado a pensar
no estudo como atividade-fim e não como um meio. Estudar por estudar é típico
de alguém que ainda não encontrou seu propósito na vida, e por isso continua
mecanicamente apenas fazendo as coisas por fazer.
No
entanto, o ato de estudar — ou seja, participar de uma classe a fim de
adquirir informações sobre as disciplinas definidas pelo governo via Ministério
da Educação — está muito longe de ser o suficiente para preparar alguém para
adquirir relevância na sociedade. Até porque a definição do currículo escolar
foi feita há quase um século.
Já
o atual modelo de escola compulsória, o qual copiamos do resto do mundo
ocidental, foi criado ainda no início da Era Industrial. E sua função era
preparar a mão-de-obra oriunda do campo para as indústrias. Consequentemente, o
modelo de organização e agremiação das escolas era um simples espelho do modelo
organizacional das fábricas: os sinais tocando entre as aulas, indicando que
uma acabou e que outra deve começar; os sinais anunciando o início e o fim do
recreio; as filas e a ênfase na obediência e submissão; o ambiente maçante; as
fileiras de jovens sentados passivamente em suas carteiras escolares obedecendo
a seus professores; os professores obedecendo aos supervisores e ao diretor
etc. — tudo isso foi modelado de acordo com a organização das fábricas.
O
problema é que já deixamos a Era Industrial há muito tempo e estamos entrando
na Era da Imaginação.
Mas o modelo escolar continuou estagnado na era das fábricas.
Os empregos do futuro ainda nem
foram inventados
O
mundo mudou, as necessidades mudaram, as ferramentas são outras e a quantidade
de informação a que nossos jovens são expostos é muito maior. Não é por acaso
que, como consequência dessa realidade, testemunhamos o aumento
brutal no diagnóstico de TDAH — Transtorno de Déficit de Atenção por
Hiperatividade —, o que fez com que drogas como a Ritalina tenham encontrado
no Brasil seu segundo maior mercado consumidor do mundo. Será que nossas
crianças é que estão doentes ou seriam as nossas escolas?
Em um mundo onde as informações estão acessíveis a todos, à distância de apenas
um clique, aquela escola que tem o papel de transferência de conteúdo se torna
a cada dia mais insignificante.
Por isso, o modelo educacional vigente está falindo e definhando a cada ano. E isso
está acontecendo sem que muitos envolvidos nesse processo sequer estejam
percebendo. E não percebem porque ainda continuam acreditando firmemente que esse
modelo é o que melhor prepara para as formas mais convencionais de sustento de
um cidadão, que é o emprego.
Só
que o emprego tradicional, na forma como conhecemos, perde valor a cada dia, ao
mesmo tempo em que outras formas de produção ganham mais espaço no mundo.
Marketing multinível, produção de conteúdo na internet, youtubers,
micro-franquias, vendas diretas, marketing digital e vários outros modelos têm
crescido ao redor do mundo e já contam com milhões de pessoa dedicando-se a
eles.
Em
seu livro Now
You See It, a educadora Cathy Davidson diz que 65% das crianças que estão
entrando hoje na escola irão trabalhar em empregos no futuro que ainda nem
foram inventados. Escreve ela: "Nessa era de mudanças cada vez mais velozes,
estamos aplicando a nossas crianças as mesmas provas e lições de casa que foram
criadas para nossos tataravôs".
Não
quero entrar no mérito de discutir sobre cada uma dessas profissões tecnológicas
que hoje estão em voga, mas a existência delas e seu crescimento são a maior
prova de que as pessoas estão cansadas de se sentir escravas, de terem suas
agendas tomadas e não terem tempo para usufruir a família e a vida em troca de
um salário sobre o qual não têm controle.
Adicionalmente,
o aumento do trânsito nas grandes cidades, com filas intermináveis e
engarrafamentos de desafiarem os nervos, em conjunto com o aumento da violência
urbana não só estimulam ainda mais esse tipo de ocupação, como também tem
provocado um aumento nos casos de síndrome do pânico. Como resultado, o consumo
de educação pela internet, por exemplo, não para de crescer.
Por que alguém vai pegar um carro, dirigir por minutos ou horas, correndo risco
de ser assaltado, gastando com estacionamentos cada vez mais caros, para ir a uma
faculdade ou mesmo a um curso qualquer? Muito mais racional é estudar online:
gasta menos, gasta com qualidade e ainda sobra mais tempo para trabalhar,
construir seus projetos, fazer outras coisas de que gosta ou simplesmente viver
a vida.
Conteúdo
Não
me entendam mal: eu vejo muito, mas muito mesmo, valor na pré-escola. É o
momento em que a criança adquire algumas de suas primeiras experiências
sociais, em que desenvolve suas habilidades cognitivas, sua coordenação motora
e é alfabetizada. É uma educação altamente produtiva.
Da
1ª à 4ª série, a concentração em português, matemática e ciências traz um
conteúdo interessante e importante para a base da educação dessa criança. O
problema é que o formato falido da educação vigente já começa a colocar a
cabeça para fora: uma sala enfileirada, a maldita prova que induz a decoreba e
a busca por notinhas na média começam a aparecer nessa fase. Uma pena, pois,
apesar desse formato deletério, o conteúdo dessa fase é bem importante.
É
da 5ª série até o último ano do ensino médio que tudo desanda. Ou seja, entre
os 11 e 17 anos. Algum pedagogo infeliz definiu esse conteúdo a ser despejado
no cérebro dos jovens. A quantidade de informações inúteis, desnecessárias e
irrelevantes é impressionante: vai desde decorar os principais nomes do
parnasianismo (lembra?) até cada etapa do ciclo de reprodução das samambaias.
Nessa
fase, seria imensamente importante a preparação para a vida. E não me refiro à
preparação para o emprego, não. Falo de preparação para a vida, mesmo.
Até
hoje, sou capaz de montar no mínimo 70% de uma tabela periódica, com os elementos
químicos e suas posições organizadas em grupos. Até hoje não me esqueci e não
me pergunte por quê. O fato é que essa informação ocupa um espaço valioso em
meu cérebro e não me serve para nada. Talvez se eu trabalhasse com farmácia ou
química industrial tivesse algum valor, mas não para 99% das pessoas. Se é
inútil para 99% das pessoas, por que perder tempo com isso na escola? Mais ainda:
por que exigir que o aluno saiba isso para ser aprovado e liberado da escola?
Sem
entrar em muitos detalhes, atrevo-me a dizer que mais de 70% do que se estuda
entre a 5ª série e o 3º ano do ensino médio não tem sentido algum, não fará
nenhuma diferença na vida futura deste indivíduo e será relegado ao
esquecimento tão logo ele saia da escola. Se você duvida, tente relembrar aí
tudo o que você aprendeu na escola. Em seguida, veja quanto disso você aplica
no seu dia a dia.
Quais deveriam ser as prioridades
Caso
eu pudesse montar uma escola com currículo próprio, sem ter de me submeter às
ordens do MEC (hoje, sou proibido pelo governo de fazer isso), daria ênfase aos
seguintes itens:
1.
Falar em público - Estatisticamente, falar em público é o
maior medo das pessoas. Elas não têm boa oratória. E oratória é muito
importante para o crescimento profissional e liderança. Como pode alguém passar
mais de 15 anos participando de uma educação que não o prepara para ter uma boa
oratória? Foi falta de tempo? Não. Você estava ocupado estudando as briófitas,
as mitocôndrias ou decorando os gases nobres.
2.
Direito - Não me refiro ao Direito estudado por quem
deseja ser um advogado, mas ao direito de cada indivíduo. As regras do jogo.
Quer jogar o jogo sem saber as regras? Falo em direito civil, direito
tributário, direito comercial etc. Pelo menos o básico de cada um.
3.
Nutrição - As taxas de obesidade crescem em todo o
mundo. Nutrição é algo que seria estudado todas as semanas.
4.
Finanças pessoais - Esse é crucial. Cálculo de juros
para financiamentos, entender como os juros compostos podem elevar o patrimônio
do poupador (e destruir o do devedor), entender as consequências do seu nível
de endividamento, aprender negociação, gestão de patrimônio etc. É
inacreditável que se perca tanto tempo em uma escola sem que o indivíduo sequer
aprenda o básico sobre como gerir a própria vida.
5.
Inteligência emocional - Como reagir a situações
adversas. Aprender a perder para ganhar. Saber se colocar no lugar dos outros.
Empatia. Liderança (de novo). Saber trabalhar em grupo. Como lidar com a
ansiedade, com as frustrações, com o medo etc.
6.
Empreendedorismo - Não apenas na forma de se ter
uma empresa, mas também como empreender em uma carreira profissional. Empreender
com a mesada. Estímulos para startups na internet. Blogs. Conteúdo no YouTube e
redes sociais com o foco na criação de audiências.
7.
Esporte em alta performance - O esporte traz consigo
ensinamentos importantíssimos para a vida. Foco, trabalho em equipe,
inteligência emocional, determinação, trabalho em grupo. O esporte é riquíssimo
para o desenvolvimento dessas habilidades. Mas não seria compulsório.
8.
Primeiros socorros e conhecimentos sobre o atendimento de jovens, velhos e crianças
- Este fala por si mesmo.
9.
Política e sociologia de forma isenta e não-doutrinária
- Este seria o mais difícil, mas é possível de ser feito.
10.
Serviço social e trabalho voluntário em comunidades carentes
- Além da experiência valiosíssima de lidar com os mais necessitados, a
abordagem humana e o fato de ter acesso às contradições da sociedade causadas por políticas desastradas
trariam questionamentos valiosos para os futuros pensadores.
11.
Idioma estrangeiro com qualidade - O inglês é uma
disciplina estudada em todas as escolas, mas menos
de 3% da população dominam o idioma. Eis mais uma fragorosa prova do retumbante
fracasso do modelo educacional vigente. É inaceitável que menos de 100% de
nossos alunos cheguem ao final do ensino médio e não falem no mínimo 3 idiomas.
Há tempo para isso, mas a competência das escolas atuais passa longe.
12.
Língua portuguesa, interpretação de textos e redação.
Uma atividade a ser desenvolvida todos os dias. Treinando a forma e
desenvolvendo pensadores que se expressam muito bem, tanto de forma oral como
escrita. Quem não sabe se comunicar bem por escrito não terá capacidade de
liderar. Seus relatórios não serão bem compreendidos e seus pedidos/ordens serão
mal executados. E isso influenciará diretamente a qualidade dos bens ou serviços
que você fornece. Peça a um grupo de 100 jovens recém-formados em uma
universidade para escreverem uma redação e sinta o terror.
Responsabilidades
O
governo sempre esteve integralmente no controle da educação. Pouco importa se a
escola é particular ou pública: elas seguem o currículo do MEC, que é compulsório.
Se uma escola decidir ensinar tudo o que disse acima — e abolir a tabela
periódica, as mitocôndrias, as briófitas e o parnasianismo, por exemplo —,
ela, mesmo privada, poderá ter seu registro cassado e seus alunos terão um
diploma não reconhecido.
Logo, o governo é o responsável único por esse modelo pouco produtivo de
educação.
Até
2014, fui sócio de um grupo educacional expressivo com mais de 1.800 escolas de
ensino médio e fundamental no Brasil, com mais de 500 mil alunos. Conheço bem o
que digo. Meus filhos — 15, 13 e 4 anos de idade — sabem tudo o que penso a
respeito desse assunto e por dois anos ficaram fora da escola. Estudaram em
casa, enquanto moramos na Espanha e Inglaterra. Em Portugal, eles voltaram para
uma escola convencional, mas a educação deles não pertence a essa escola, ainda
que seja considerada uma das melhores da Europa. Eles aprenderam a jogar o jogo
e nos dedicamos a prepará-los dentro de outros paradigmas, muito longe de
alguns conceitos ensinados lá dentro.
Talvez
um dia, se o governo permitir, eu realize o sonho de construir uma escola que
contrarie tudo isso, que peite esse esquema, que ignore a falsa importância de
um diploma e que forme pessoas para serem relevantes na sociedade com todas as
habilidades acima, em vez de uma manada de seres humanos padronizados em busca
de um diploma para arranjarem um emprego e pagarem suas contas.
E
eles agem assim porque foram ensinados assim, treinadas assim e adestradas
desse jeito desde tenra idade.
_________________________________________
Leia
também:
Como a escola acaba com a
criatividade e com o raciocínio próprio
O sistema escolar moderno
prolonga a adolescência e atrasa as responsabilidades da vida adulta
E se as escolas públicas
fossem abolidas e as particulares não mais tivessem de seguir o MEC?
O entusiasmo e a obsessão são suas mais decisivas habilidades