segunda-feira, 13 nov 2017
Nota
do editor
Observe a cena política ao seu redor: há uma lista,
em contínua expansão, de coisas a que as pessoas afirmam ter o "direito" de
receber "gratuitamente". Vai desde saúde, educação e transporte até
estabilidade no emprego, aposentadorias
nababescas, lazer, cultura e cirurgias de mudança de sexo.
No entanto, quando se considera o assunto
seriamente, simplesmente não há nenhuma base lógica e racional para tais
demandas. Há apenas desejos e vontades, em ampla escala, por bens e serviços —
algo que supostamente implica a necessidade de que eles se tornem um direito.
A partir daí, é apenas um passo para que grupos de
interesse façam pressão e lobby sobre o governo, e recorram a tentativas
legislativas ou judiciais para criar tais direitos — os quais serão, em
seguida, promovidos pelo próprio governo como melhorias sociais.
Poucos pensaram tão cuidadosamente sobre esta confusão
entre desejos e direitos do que Leonard Read, particularmente em seu ensaio "Quando desejos se
tornam direitos", de 1967. Em nosso mundo atual, no qual as emoções viraram
uma categoria de pensamento, transformar um desejo em um direito político leva
a novas transmutações, ainda mais abrangentes, de outros desejos em direitos. E,
a cada uma dessas etapas, as liberdades individuais vão se erodindo. Neste contexto,
as visões de Read ainda merecem sérias considerações no 50º aniversário de sua publicação.
Eis alguns
trechos essenciais.
_________________________________
Quando os desejos viram direitos
Que maravilha seria para os pretensos filantropos se
todos esses desejos estivessem dentro do seu poder de realização.
Se os objetivos de um indivíduo pudessem ser alcançados
apenas por meio de simples desejos, a deterioração do mundo e das relações sociais
seria a inevitável consequência.
O esforço consciente, a dedicação, o trabalho, a criação
de valor, e o uso de suas potencialidades e aptidões são essenciais para a sobrevivência.
E ainda mais cruciais para o progresso. Isso é algo claro e inquestionável para
alguns.
Porém, a maioria das pessoas hoje quer uma espécie
de Lâmpada Maravilhosa de Aladim. Querem satisfazer seus desejos à custa de terceiros.
Querem que terceiros banquem todas as suas necessidades. Tais sonhadores estão entre
nós aos milhões, todos em busca de ter algo em troca de nada — a gratificação sem
o esforço.
Essas pessoas vêem no aparato político a sua própria
lâmpada mágica. E que gênio vive dentro desta lâmpada! Ao passo que o gênio da lâmpada
de Aladim atuava apenas quando solicitado, a nossa atual versão é muito mais
benevolente, pois este gênio:
a) inventa desejos para as pessoas;
b) persuade as pessoas de que estes desejos são delas
próprias e, em seguida, solicita ativamente que elas exijam sua realização;
c) convence as pessoas de que a realização destes
desejos são seus direitos naturais;
e, finalmente,
d) coloca-se no papel do "grande realizador".
O gênio é ardiloso. Ele consegue incutir esses
objetivos dourados na mente das pessoas como se fossem desejos plenamente realizáveis.
O gênio está em todas as áreas e camadas sociais, propagandeando seus dotes
realizadores para todos os tipos de pessoas de todas as faixas de renda.
No entanto, seria muito difícil para este gênio realizar
desejos caso as pessoas atendidas fossem acometidas por algum complexo de culpa
por saberem que seus desejos se dão à custa do bolso alheio. Sendo assim, como
faz o gênio para abolir esta culpa? Simples. Ele simplesmente transforma desejos em "direitos".
Exceto que, nesta maravilhosa terra do nunca, seria
absurdo ressaltar o fato de que um mero desejo por melhorias materiais não cria
automaticamente o direito de tais melhorias serem concretizadas. Um desejo não estabelece
— em nenhum sentido moral ou ético — o direito de reivindicar a propriedade
de terceiros.
No entanto, é exatamente isso o que é aceito como
normal para a maioria das pessoas: cada cidadão tem o direito de reivindicar a
propriedade alheia para satisfazer seus próprios desejos.
Quando as pessoas dizem ter direito à saúde gratuita,
ao lazer gratuito, ao transporte gratuito, à educação gratuita, à cultura
gratuita, ou mesmo a baixas tarifas de eletricidade, a um padrão de vida
decente e aposentadorias fartas, elas simplesmente estão dizendo que têm o
direito de confiscar a renda alheia para saciar suas próprias vontades. Estão
dizendo, em suma, que possuem o direito de viver à custa dos frutos do trabalho
alheio.
E onde estão as bases para esta reivindicação? Exato:
na noção de que um desejo é um direito.
Toda a absurdidade desta ideia de que "meu desejo é
um direito" se torna clara quando reduzimos o problema a um cenário em que há apenas
você e eu. Teria eu o direito — moral, racional ou ético — de reivindicar a sua
renda para mim?
A maioria das pessoas vitimadas por essa mágica transmutação
de desejos em direitos irá responder a essa pergunta com um 'não'. No entanto,
essas mesmas pessoas parecem não perceber que o problema não é alterado em nada
se acrescentarmos mais uma pessoa, ou uma centena de pessoas, ou mesmo milhões
de pessoas.
E, ainda que se contra-argumente dizendo que os números
fazem sim a diferença e alteram toda a situação, então a pergunta inevitável é:
qual seria o número mágico? Uma maioria? Sendo assim, não poderíamos então deduzir
deste clichê ("a maioria decide") a indefensável ideia de que "o poder faz a razão"?
O gênio moderno, no entanto, deve ir ainda além para
efetuar sua mágica. Afinal, não basta apenas criar desejos para as pessoas,
convencê-las a aceitar esses desejos, e então solicitar a satisfação desses desejos.
Igualmente, apenas transmutar desejos em direitos não faz o truque. O gênio deve
ir além e não só se apresentar para fazer todo o trabalho como também ser
popularmente aceito no papel de realizador de sonhos. Ser visto como um mero
batedor de carteiras, alguém que rouba Pedro para dar a Paulo, destruiria todas
as ilusões.
Assim, o gênio moderno, não tendo poderes
sobrenaturais, não pode fazer chover maná dos céus. Sendo mundano, seu maná
será de origem mundana. Não tendo nada que seja produzido por ele, seus "presentes"
devem advir daquilo que ele confisca coercitivamente (pleonasmo intencional) de
terceiros.
De acordo tanto com as leis da moral quanto com o
código penal, aquele que se apossa da propriedade alheia sem o consentimento
deste proprietário está cometendo um crime. Quando tal propriedade espoliada é
a passada adiante e aceita por um terceiro, este é julgado como cúmplice do
crime.
Eu não posso dar a alguém aquilo que não é meu. Assim,
as benesses distribuídas pelo gênio não podem ser classificadas como presentes,
mas sim como esbulho. Pessoas que vivem — ou que se beneficiam — deste
arranjo, e que se orgulham dele, deveriam apenas ter a hombridade de dizer: "Vejam
o que estamos fazendo com o esbulho que o governo nos repassa".
Esbulhar não é ajudar. Quem esbulha não é um
ajudante. E quem aceita o produto do esbulho não está realmente sendo ajudado,
mas sim corrompido.
Desejos, vontades e aspirações estão entre as mais
importantes forças-motrizes do progresso humano, da evolução e da ascensão. O que
está em debate aqui são apenas os meios desta gratificação.
Aqueles que rejeitam esquemas ilusórios não estão proibindo
terceiros de terem uma boa vida. Estão simplesmente mostrando que essas panacéias
políticas, insustentáveis no longo prazo, podem apenas gerar finais desoladores.
Nenhum final positivo e moral pode ser alcançado pela escolha de um caminho
errado e imoral.
O arranjo que é o maior gratificador de necessidades
e desejos humanos já criado — quando seu funcionamento é livre e permitido — é
aquele que permite e incentiva as transações voluntárias, o comum acordo, a
responsabilidade própria e a liberdade de oportunidades. Ele respeita o direito
de cada indivíduo de usufruir a renda do seu próprio trabalho. Acima de tudo,
ele respeita a propriedade honestamente adquirida. Esse arranjo é o livre
mercado. Em seu estandarte está escrito "liberdade individual".
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Conclusão
Querer ter acesso a bens e serviços sem ter
desempenhado nada a ninguém significa simplesmente querer escravizar
terceiros. Se não fosse por este corrompido encanto de que é possível ter
algo em troca de nada, as pessoas há muito já teriam rejeitado a ideia de que
desejos implicam direitos.
No entanto, à medida que cada vez mais benesses vão
sendo acrescentadas à lista de "direitos", as pessoas estão se tornando cada
vez mais propensas a acreditar que o esbulho disponibilizado por esses direitos
inventados é moralmente superior aos fardos que eles impõem a terceiros.
Se a atual tendência desta noção de que desejos são
direitos não for revertida, nossa cobiça pela propriedade alheia irá nos
corromper ainda mais.
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