quinta-feira, 12 nov 2020
Inventado
por uma pessoa — ou por um grupo de pessoas — utilizando o pseudônimo de
Satoshi Nakamoto, o Bitcoin foi lançado no dia 3 de janeiro de 2009. A ideia
básica por trás do Bitcoin era a de criar, por meio de um algoritmo matemático,
uma substância escassa e fungível.
Nakamoto
desenvolveu um sistema de software que permite às pessoas obterem Bitcoins como
recompensa por solucionarem complexos enigmas matemáticos. As moedas
resultantes são então utilizadas para transações online. Nakamoto também se
certificou de que o número total de Bitcoins jamais poderá exceder 21 milhões.
Ou
seja, ele criou um ativo cuja oferta é limitada, mas cuja demanda tende a ser
crescente.
Caso
o Bitcoin, no futuro, venha a substituir o atual dinheiro fiduciário, nunca
mais haverá qualquer ameaça de inflação.
A cada escolha, uma renúncia
Já
virou rotina repetir os números. Neste exato momento, um Bitcoin vale mais de US$ 16.000 [ou mais de R$ 88.000].
[N. do E.: este Instituto sugeriu a compra em julho de 2012, quando um BTC ainda custava aproximadamente R$ 15. Eis o gráfico da evolução do preço do Bitcoin em reais, em escala logarítmica:]

Gráfico 1: evolução do preço do Bitcoin em reais, escala logarítmica
Quem
começou a comprar Bitcoins lá atrás, quando cada unidade ainda custava centavos
de dólar, já se tornou um multimilionário.
Consequentemente,
essa pessoa tem a oportunidade de viver cada sonho que sempre teve. Hoje.
Agora.
Mas
há um problema: para cada sonho realizado, ela tem de abrir mão de uma parte de
sua propriedade. E cada dígito dessa propriedade é difícil de ser conseguido.
Mais ainda: não só é extraordinariamente lucrativo, como também é hoje a coisa
mais singularmente demandada no planeta terra.
Portanto,
sim, tal pessoa até poderia estar realizando seus sonhos. Só que não. Em vez
disso, ela se tornou viciada em ver, diariamente, seu patrimônio aumentando e
aumentando e aumentando .... e aumentando ainda mais, e mais e mais. E mais de
novo. E mais ainda. O maior desafio, aparentemente, é não morrer antes de fazer
algo com os Bitcoins acumulados. Isso parece fácil, olhando de fora.
O que você gasta hoje
Eis
o real problema de se usar (em oposição a simplesmente poupar) Bitcoins: de um
lado, não há nenhuma falta de opção nas quais gastar (vender) seus Bitcoins.
Você pode trocá-los por dólares [ou reais] e conseguir absolutamente tudo o que
quiser. Só que, ao vender seus Bitcoins, você não mais os tem.
Se
você gastar hoje US$ 1, isso significa que você abriu mão de ter US$ 2 daqui a
talvez a um mês. Gastou US$ 50 mil em um carro? Lamento, pois são US$ 50 mil
que poderiam ter virado US$ 100 mil daqui a algum tempo, e aí você poderia
comprar dois carros.
Consequentemente, em vez de ter algo que gera retorno
financeiro, tudo o que você tem agora é apenas um carro que leva você de um
lugar a outro, exatamente como seu carro anterior também fazia. Logo, sendo
racional, você prefere continuar com seu carro antigo, por mais supostamente
constrangedor que isso seja.
Quer
posar de bacana e comprar um Tesla? Você, que se tornou milionário, pode
adquirir um hoje e nem balançar seu patrimônio. Só que esses US$ 75 mil gastos
iriam se transformar em US$ 100 mil nos próximos meses. Logo, ao comprar o
Tesla hoje, você simplesmente está abrindo mão de US$ 100 mil no futuro. Muito
arriscado. É melhor continuar pegando ônibus.
O
mesmo se aplica às suas roupas. Quer se vestir elegantemente? Para quê?
Honestamente, quem se importa com suas roupas? Cada peça de roupa chique
representa um dinheiro que poderia estar multiplicando de valor na sua carteira
cripto, virando ouro como os cachos da Rapunzel, com a diferença de que as
tranças continuam crescendo.
Logo, como qualquer pessoa racional, você continua
utilizando sua calça jeans surrada, suas blusas amarrotadas e seu tênis que
você comprou há uns dois anos, a última vez em que você se deu ao luxo de
comprar algo para ostentar.
O gasto ideal: zero
Entre
os que se tornaram ricos com a criptomoeda, a moda é ser pobre. Você tem de
viver com frugalidade. Tem de ser munheca. Sovina mesmo. Nenhum sinal de
ostentação. Nenhum sinal de riqueza. Você poderia doar para a caridade, mas por
quê? Em seis meses, sua doação pode ser multiplicada por cinco. Você pode vir a
se tornar um adorado benfeitor de grandes causas. Algum dia. Certamente a
caridade pode esperar até lá.
Muito
melhor do que ostentar é demonstrar sinais de pobreza. Você compra apenas em
grandes redes que oferecem grandes descontos (como WalMart e Sam's Club),
pesquisa sempre antes de gastar, frequenta brechós e opta por bens de segunda
mão. Acima de tudo, você vende no eBay o máximo possível de coisas que você tem
— por que compramos tantas coisas no passado? — para então poder comprar mais
criptomoedas.
Você
se gaba perante todos sobre quão pouco gasta e quão pouco consumista você é.
Cada barganha conseguida se torna um motivo de orgulho. Sempre que possível,
voce deixa de almoçar. Para que almoçar? São $9 que poderão virar $18 daqui a
uns meses, e aí você poderá comprar dois almoços. Por que alguém almoçaria
hoje?
Esqueça,
portanto, aquela imagem de milionários gordos, felizes e opulentos. Os
cripto-milionários são magricelas, mesquinhos e vivem na penúria.
No
linguajar da comunidade Bitcoin, tais pessoas são chamadas de HODLers [o certo
seria holder (pessoa que segura, que
retém), mas um entusiasta, na pressa de escrever em um chat, digitou
erroneamente hodl, e aí a gíria
pegou]. Hodlers são pessoas que abrem mão do consumo presente em troca de
... algo no futuro. Obviamente, no futuro, o dinheiro irá para algum lugar.
Pode ser um iate. Pode ser uma casa. Pode ser até uma Maserati. Ou podem ser
intermináveis viagens para… a Nova Zelândia, que é o único lugar para onde as
pessoas realmente parecem querer ir de qualquer jeito. O sonho é livre.
Enquanto
isso, você está viciado no hábito de transformar qualquer renda em criptomoeda,
vivendo como um indigente, se assemelhando a um maltrapilho, mantendo distância
dos shoppings, dos ingressos caros para shows e da primeira classe dos aviões.
Você
nunca foi tão rico na sua vida. E você nunca viveu tão humildemente.
Na
comunidade Bitcoin, jamais ouse mostrar sinais de riqueza e ostentação. Alguém
pode pensar que você é um pobre deslumbrado.
Você
pode ir ao cinema, mas isso seria insanidade. Espere uma semana, e aí você
poderá baixar o filme no Torrent e assistir no seu iPhone — se o aparelho não
estiver ocupado minerando Bitcoin Platinum. Ou então você pode até ceder à
tentação e ir ao cinema uma vez ao ano, mas você contrabandeará sua própria
cerveja e sua própria pipoca, pois quem seria maluco de pagar aqueles preços?
Lembra-se
da época em que um Bitcoin valia US$ 350? Quem tinha Bitcoins à época vivia
como se não houvesse amanhã, gastando a rodo e esbanjando em bebidas, carrões,
romances temporários, e festas de arromba em barcos. O que elas tinham na cabeça? Caso
tivessem poupado, seriam hoje bilionárias. Jamais cometa esse erro novamente.
Se tiver de comprar algo, que sejam CryptoKitties.
O
que é realmente real
Esse
dinheiro digital e virtual se tornou algo real, se por "real" você se refere a
dígitos em uma tela de computador. Os dígitos são tudo o que interessa. O valor
só faz crescer, e ele cresce até mesmo nos fins de semana. Com efeito, cresce
até mesmo enquanto você dorme. Hoje,
nada se compara. Todas as coisas físicas parecem ridículas em comparação. A
única realidade é virtual.
Faça
uma viagem no tempo e volte à grande hiperinflação alemã da
República de Weimar. Na época, quando o dinheiro perdia poder de compra
aceleradamente (a um ritmo de 6% por hora),
os esbanjadores e gastadores eram os espertos, e os poupadores e frugais eram
os tolos. Os pródigos eram aqueles que deveriam ser imitados, ao passo que os
antiquados personificavam a ignorância quanto aos novos tempos. A cultura da
frugalidade e da poupança passou a ser vilipendiada e se transformou em uma
cultura do consumismo guiado pelo pânico.
Como
consequência da morte da moeda, toda a sociedade se desintegrou e virou de
cabeça para baixo. Quando a moeda morreu, a moral e a decência
morreram juntas.
A
causa de tudo? O aumento
desbragado da oferta monetária, o que destruiu toda a poupança das pessoas
em um curtíssimo período de tempo, gerando até mesmo mortes por inanição. O
mesmo está ocorrendo neste
exato momento na Venezuela. Eis o que a hiperinflação pode fazer quando não
há alternativas ao dinheiro estatal.
Repudie
a prodigalidade
Por
outro lado, o mercado altista do Bitcoin funciona de maneira exatamente oposta.
Trata-se de uma cripto-deflação na qual a unidade monetária se torna cada vez
mais valiosa em termos de bens e serviços, ganhando poder de compra.
Sob
esse arranjo, a sociedade também passa por uma transformação radical, mas a
transformação ocorre na direção moralmente correta: os poupadores e os frugais
estão no controle, ao passo que os esbanjadores não sabem o que está acontecendo.
É a reviravolta perfeita para um século de inflação.
A
hiperinflação da República de Weimar levou a Hitler. A grande cripto-deflação
global levará a algo muito diferente. Quem sabe à liberdade. Ela está criando
uma nova classe baseada não em privilégios e gastança, mas na poupança, na
frugalidade e no mérito. Tais pessoas não roubaram nada, não recebem dinheiro
público e não vivem à custa de ninguém. Ao contrário, elas colocaram toda sua
fé em algo novo, e não somente em uma tecnologia nova. Trata-se de uma nova
maneira de viver, uma que repudia a prodigalidade em todas as suas formas.
As
pessoas dizem que os entusiastas do Bitcoin estão arriscando tudo em uma ilusão.
Talvez seja o oposto. Talvez sejam eles que finalmente descobriram a irrefutável
verdade de que aquilo que você gasta hoje irá apenas reduzir sua riqueza
potencial de amanhã. Após 100 anos vivendo sob uma moeda estatal que perde
poder de compra a cada ano, essa simples verdade parece já ter evaporado do
consciente das pessoas. O
Bitcoin veio apenas ressuscitá-la.
E
este pode ser o real e duradouro legado da revolução tecnológica trazida pelo
blockchain: a restauração da frugalidade como a base da construção de riqueza,
algo de que toda a sociedade irá se beneficiar caso saiba aproveitá-la.
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Sobre como seria uma economia sob deflação,
leia:
As bênçãos de uma deflação
de preços
Deflação: os maiores mitos
Como uma economia cresceria
com uma oferta monetária constante