segunda-feira, 27 dez 2021
Em seu excelente livro Income
and Wealth (Renda e Riqueza), de 2006, o autor Alan Reynolds
escreve o seguinte:
Os
dois jovens fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, rapidamente
ganharam algo em torno de US$ 12 bilhões cada um. Como conseguiram essa
façanha? Criando um mecanismo de busca que facilita nossa informação, aumenta nossa
educação e cultura, e melhora nossa eficiência em termos de compras.
Por
que alguém deveria se importar com quanto dinheiro ganham os fundadores da
Google, da Apple ou da Microsoft? Há aqueles que reclamam e que dizem que tais
pessoas se apossaram de uma "fatia maior que a necessária" da renda. Consequentemente,
ao se apropriarem de um "pedaço maior da renda disponível", todos nós ficamos
mais pobres. Faz sentido?
Para
começar, como é possível dizer que a renda de tais pessoas faz parte de uma
fatia fixa, que pertence a todos nós?
Mais:
a Google é uma criação totalmente nova. Sem a Google, seria impossível esses
dois criadores auferirem uma receita com a Google. Os fundadores da Google têm
a renda deles e você tem a sua. O quanto eles ganham não afeta o tanto que você
pode ganhar — exceto pelo fato de que a invenção deles pode sim ajudar você a
aumentar a sua renda (pessoalmente, sinto que devo a estes dois uma grande soma
de dinheiro).
De fato.
As pessoas estão cada vez mais obcecadas com as
diferenças nas rendas monetárias. Pior ainda é o salto lógico que elas fazem:
ao verem que há grandes diferenças entre as rendas monetárias de cada indivíduo,
elas imediatamente concluem que há algo de errado e que isso requer uma "correção",
sendo que essa correção sempre envolve conceder a um pequeno número de políticos
e funcionários públicos uma fatia enormemente desigual de poderes coercitivos
sobre todo o resto da humanidade.
Tais pessoas tipicamente operam sob a suposição de
que a quantidade total de riqueza material no mundo é fixa e já está dada,
devendo apenas ser redistribuída "de maneira mais justa". Tal raciocínio demonstra
um claro desconhecimento de como ocorre todo o processo de criação de riqueza, de crescimento econômico
e, consequente, do aumento do bem-estar de todos.
Antes,
um pouco de dados
Segundo as estatísticas compiladas pelo economista
britânico Angus Maddison, passamos de uma renda per capita mundial de 1.130
dólares por ano em 1820 para uma de 15.600 em 2015. E isso ao mesmo tempo em
que a população global aumentou de 1 bilhão de pessoas para 7 bilhões. (Veja
o estudo. Confira também este vídeo).
Igualmente, em
1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma
estimativa de que 85% vivia na pobreza "abjeta". Em 2015, menos
de 10% da humanidade continua a viver em tais circunstâncias.
Ou seja, não só o número de habitantes no mundo
aumentou 7 vezes, como ainda cada habitante aumentou sua renda em 11 vezes.
Isto é uma façanha extraordinária.
Isso, por si só, já basta para mostrar a falácia da "quantidade
de riqueza fixa". Se toda a riqueza do mundo já estivesse dada, devendo apenas
ser redistribuída, seria impossível que a renda per capita e a população
mundial aumentassem simultaneamente. O que ocorreria é que algumas
pessoas aumentariam suas rendas à custa de todas as outras, e a renda per
capita permaneceria constante — aliás, cairia, por causa do aumento do número
de indivíduos.
Que tenhamos conseguido multiplicar por 11 a renda
per capita do conjunto de habitantes do planeta (e por 20 em alguns países
ocidentais, como os EUA) ilustra claramente que a economia não é um jogo de
soma zero. E, principalmente, que desigualdade não é o mesmo que pobreza.
Agora, um pouco de teoria e história.
A
desigualdade de renda, por si só, não permite nenhuma constatação
Suponha que Paulo, Pedro e João se reúnam
semanalmente para jogar pôquer. E, em 75% das vezes, Paulo vence. Pedro
e João vencem, respectivamente, 15% e 10% das vezes.
Simplesmente conhecer estes resultados dos jogos não
nos permite dizer absolutamente nada sobre se houve ou não justiça e sensatez
nos jogos. As desproporcionais vitórias de Paulo podem ser o resultado de
ele ser um jogador astuto ou de ser um vigarista esperto.
Para determinar se houve justiça nos jogos é
necessário perguntar sobre o processo do jogo. Houve desobediência às
regras neutras do jogo? Havia cartas marcadas? Houve trapaça no embaralhamento
das cartas? Houve algum jogador que foi coagido a jogar?
Se as respostas forem negativas, então houve justiça
nos resultados, independentemente de qual tenha sido os resultados. O fato de
Paulo ter vencido 75% das vezes é um fato que tem de ser aceito.
Assim como no exemplo acima, qualquer
discussão inteligente sobre justiça social e igualdade
econômica tem de reconhecer que os resultados observados de um processo não servem
para determinar se houve ou não justiça e sensatez.
Saber que a renda anual de uma pessoa é de $5.000.000
e que a renda de outra pessoa é de $12.000 é algo que não nos diz absolutamente
nada sobre justiça econômica e social. Para determinar se realmente houve
injustiça econômica e social é necessário fazer perguntas sobre o processo de
enriquecimento.
A maioria das pessoas que faz pontificações altivas
sobre desigualdade econômica — inclusive economistas, para vergonha geral —
simplesmente não reconhece, ou não deixa explícito, que a renda de uma pessoa é
resultado de algo que ela fez. Sendo assim, apenas observar um determinado
resultado não pode ser utilizado para determinar se houve justiça, isonomia e
sensatez.
Para determinar se houve justiça, isonomia e
sensatez é necessário ir além dos resultados e examinar o processo econômico
como um todo.
Comecemos pelo básico.
A criatividade, a engenhosidade e a inteligência
Em primeiro lugar, é necessário entender o que cria
a riqueza.
Por que as pessoas do século XIX não se comunicavam
por meio de telefones celulares? Por que elas não utilizavam
computadores? Ou mesmo, por que as guerras da antiguidade não utilizavam
mísseis teleguiados?
Todos os recursos físicos necessários para fazer
mísseis, celulares e computadores já existiam naquela época. Aliás, esses
recursos físicos já existiam desde a época do homem das cavernas. Por que
o homem das cavernas não tinha um computador portátil para interagir com seus
semelhantes via Facebook? Por que não usavam Skype, WhatsApp ou Instagram?
A resposta é que, embora os recursos físicos já
existissem, a mente humana ainda não era engenhosa e criativa o bastante para
saber como transformá-los em celulares, mísseis, computadores, smartphones e
internet.
Ou seja, ainda não tínhamos o conhecimento.
A diferença entre nós e um homem das cavernas é que
nós, hoje, temos mais conhecimento do que eles. Biologicamente,
somos os mesmos. Os neurônios em nossos cérebros são os mesmos. O mundo físico
à nossa volta é o mesmo (todos os recursos físicos necessários para se fazer
celulares, tablets, computadores, carros e aviões já existiam naquela época).
Mas a nossa vida hoje é infinitamente melhor e mais
confortável por causa do conhecimento.
E esse conhecimento é o
que aumenta nossa riqueza e nosso bem-estar.
E nem é necessário voltar à era do homem das
cavernas para provar esse ponto. Escolha qualquer época e você comprovará
sempre o mesmo fenômeno: um novo conhecimento — a luz elétrica, a penicilina, o
automóvel, o iPhone, um novo algoritmo que gera melhores ferramentas de busca
na internet — sempre surge como uma surpresa. Nada é previsto
antecipadamente.
Obviamente, esses produtos não realmente vieram do
nada; eles surgiram da síntese de todo um conhecimento acumulado, o qual levou
a essas inovações. O surgimento de uma criação sempre leva ou a aprimoramentos
ou a novas criações. A inovação — novo conhecimento — gera não apenas novos
produtos, mas também novas empresas e várias novas indústrias. E a inovação
cria riqueza; riqueza essa que, em última instância, será distribuída por toda
a economia.
Assim, criatividade, engenhosidade e inteligência
são as características que transformam recursos brutos em recursos valorosos e
geradores de riqueza.
O que é riqueza?
Riqueza é tudo aquilo que nos permite auferir
uma fonte de renda presente e futura.
Não é a riqueza que dá valor à renda, mas sim a
renda que dá valor à riqueza. O valor de um terreno não depende do terreno
em si mesmo, mas sim do valor de todos os serviços que ele permite. Um
pedaço de terra em uma cidade inglesa tem mais valor que um pedaço de terra no
Zimbábue porque suas possíveis utilizações na Inglaterra (residenciais,
industriais, comerciais etc.) são mais úteis para o conjunto da sociedade do
que no Zimbábue.
Por outro lado, se a Inglaterra for devastada por
uma guerra e Zimbábue se tornar um centro internacional de negócios, as terras
do Zimbábue passarão a ser muito mais valiosas que as da Inglaterra, ainda que,
fisicamente, não tenha havido nenhuma alteração na composição destas
terras.
É por isso que o preço do metro quadrado hoje em
Hong Kong ou Cingapura é infinitamente superior ao valor de 50 anos
atrás. As terras são as mesmas, mas a utilidade da terra melhorou (aliás,
a qualidade da terra em si pode até ter se degradado), pois o valor que
subjetivamente se atribui às utilizações que o terreno proporciona se
multiplicou.
Em uma sociedade formada por bilhões de pessoas,
onde os recursos físicos possuem variados usos alternativos, a imensa maioria
das rendas não advém automaticamente dos recursos materiais, mas sim do uso
que se faz destes recursos materiais. Isso significa que a capacidade
de geração de renda depende muito mais da organização inteligente destes
recursos do que da disponibilidade dos mesmos.
É exatamente por isso que a Google (e tantas outras
empresas) conseguiu crescer e enriquecer seus fundadores mesmo tendo sido
criada em uma garagem e utilizando apenas recursos próprios; e também é
exatamente por isso que os governos — mesmo tendo à sua disposição muitos mais
recursos (confiscados) do que qualquer empresa — não conseguem gerar nada
de proveitoso.
Um poço de petróleo hoje é o mesmo poço que já
existia há 100 anos. No entanto, seu dono hoje será incomparavelmente mais
rico do que o dono de 100 anos atrás, pois o petróleo hoje é utilizado em
processos produtivos que geram muito mais renda do que gerava há 100 anos.
O que se pode dizer com certeza é que, em ordens
sociais livres e complexas, a maior parte da riqueza de uma sociedade estará na
forma de sistemas organizacionais geradores de bens e serviços (renda), isto é,
de empresas que produzam bens e serviços valiosos para os consumidores; e
continuará nesta forma apenas enquanto estes sistemas empresariais seguirem
gerando valor para o consumidor.
Sendo assim, por que as pessoas que enriquecem desta
forma estariam cometendo alguma injustiça social?
Por outro lado, são famosos os casos de megaempresas
que se tornaram totalmente descapitalizadas em decorrência do simples fato de
que seus bens e serviços deixaram de ter valor para o consumidor (os recentes
ocasos da Kodak,
da Nokia, da Blockbuster e da Toys 'R' Us estão entre os mais famosos). Ninguém
irá derramar lágrimas por seus executivos?
O real causador das desigualdades segue
sendo visto como o salvador
Um debate que desconsidere coisas simples como o que
realmente é riqueza, como ela é gerada, como ela é distribuída, e o que define
uma distribuição injusta é um debate meramente emotivo, e não racional.
Por outro lado, é fato que há várias pessoas
que enriqueceram em
decorrência de fartos subsídios governamentais, de tarifas protecionistas e de
onerosas regulamentações que impediram o surgimento de concorrência e
garantiram uma renda exclusiva para esses plutocratas.
É também fato que a maneira como funciona o atual
sistema monetário e bancário é propícia a uma distribuição desigual de
riqueza.
Sendo assim, é irônico notar que, quando a
distribuição de renda é realmente injusta, isso ocorre por causa das
interferências, das regulamentações e dos gastos governamentais.
No entanto, o que os defensores da
redistribuição de renda sugerem para corrigir essa injustiça gerada
pelas intervenções do governo é exatamente mais interferências, mais gastos e
mais regulamentações governamentais.
Conclui-se que essas pessoas simplesmente não
entendem nem como a riqueza é criada, nem como ela é justa e injustamente
distribuída, e nem como ela é destruída.