terça-feira, 25 0aio 2021
Meu caso de amor pela economia começou há 42 anos, na
pequena cidade de Thibodaux, no estado da Louisiana, em uma sala de aula na Nicholls State University. À época, eu era
um calouro de 18 anos de idade com apenas quatro paixões: garotas, futebol,
cerveja e os Beatles.
Mas essa realidade foi alterada dramaticamente.
Nos EUA, o inverno de dezembro de 1976 e janeiro de
1977 foi intensamente gelado. Em janeiro, minha cidade natal, Nova Orleans,
teve temperaturas próximas a -10ºC. Com efeito, o inverno foi tão inclemente,
que chegou a nevar
até mesmo em Miami!
Em uma gelada e escura manhã de janeiro, enquanto
fazia minha jornada para a faculdade, ouvi no rádio que um casal de idosos na
cidade de Búfalo, no estado de Nova York, foi encontrado morto em sua casa.
Eles haviam literalmente morrido de frio. Foram encontrados congelados em seus
aposentos. Motivo: a calefação de sua casa estava inoperante por causa da escassez
nacional de gás natural. Todo o país passava por um intenso racionamento de
petróleo e gás naquele período.
No primeiro semestre de 1977, matriculei-me em uma
matéria de economia. Minha motivação era dupla: eu precisava de créditos e não
havia aulas nas terças e quintas. Naqueles dias da semana em que não haveria
aula, eu poderia continuar trabalhando no estaleiro em que já trabalhava
parcialmente, e onde eu pretendia rapidamente ser efetivado como empregado em
tempo integral. Meu objetivo era apenas esse: trabalhar em tempo integral
naquele estaleiro. Eu estava na faculdade apenas para satisfazer minha mãe, que
queria que eu frequentasse a universidade por pelo menos um ano.
Quando me matriculei no curso de economia,
ministrado pela doutora Michelle François, eu não fazia a mais mínima ideia do
que era economia e o que ela estudava. Tampouco eu me importava. Eu
tinha uma namorada firme, dinheiro suficiente para comprar suprimentos regulares
de Budweiser, e uma coleção de todos os discos dos Beatles. A vida estava ótima.
Porém, um certo dia no início do semestre, a doutora
François desenhou um gráfico de oferta e demanda no quadro-negro. "Vejam o que
acontece quando o governo impõe um controle de preços, estipulando um teto para
os preços". Ela apontou para o gráfico. "A quantidade demandada excede a quantidade
ofertada. Surge uma escassez". Virando-se para os alunos, a
doutora François prosseguiu: "Todos vocês se lembram do racionamento
de gasolina em 1973. Eis aqui a explicação. E o governo atual está
praticando controle de preços em todo o mercado de energia, gerando as mesmas
consequências: uma escassez na oferta de gasolina e gás natural".
Uau! Simplesmente
uau! Lembro-me vividamente de como fiquei mesmerizado olhando para aquele
gráfico de oferta e demanda no quadro, completamente fascinado. Pela primeira
vez em minha vida, estava vivenciando a excitação de uma descoberta
intelectual. Ali estava uma explicação convincente e irrefutável do motivo
daquele casal em Búfalo ter morrido congelado. Ali estava também uma explicação
convincente de por que, tão logo consegui minha licença de motorista em 1973,
havia uma escassez nacional de gasolina, com longas e intermináveis filas nos
postos, o que me impediu de dirigir muito naquele ano.
Não apenas o curso da doutora François me convenceu
a fazer economia e concluir a faculdade, como também me inspirou a sonhar a
conseguir um Ph.D. em economia. A ciência econômica é uma coisa poderosa!
Substituindo
explicações populistas por explicações poderosas
O que me atraiu para a economia naquela época é
aquilo que, até hoje, considero ser o maior serviço público que um economista
sólido pode efetuar: derrubar mitos populares por meio de uma lógica direta e irrefutável.
Em 1973, eu tinha 15 anos de idade, e ouvi duas
explicações para a escassez de gasolina. Uma era a de que o petróleo estava
acabando (afinal, já estávamos utilizando o produto há um século). A outra era
a de que a Exxon e outras petrolíferas haviam repentinamente se tornado
gananciosas e decidiram manter seus navios-tanque ancorados em alto-mar com o
objetivo de aumentar os preços da gasolina para os consumidores.
Sendo ingênuo e sem saber de nada, cada uma dessas
duas explicações parecia sensata para mim.
Porém, já em meu primeiro curso de economia, aprendi
que as explicações populares em que eu sempre havia acreditado eram
falaciosas. "Não tivemos escassez de energia na década de 1960", me disse a
doutora François uma tarde em sua sala. "Vai me dizer que as petrolíferas eram
menos gananciosas 10 anos atrás do que são hoje? É claro que não. E, se é
verdade que o petróleo está acabando, então eis aí um forte motivo para o
governo deixar o preço subir, pois este aumento de preço dará a essas
gananciosas petrolíferas fortes incentivos para extrair mais petróleo."
E a doutora concluiu: "Eu prometo a você: se esses
controles de preços forem abolidos, essa escassez de energia acaba
imediatamente".
Desnecessário dizer que foi exatamente isso o que
ocorreu. Desde o início da década de 1980, nunca mais houve controle de preços
nos EUA e, consequentemente, nunca mais houve nem racionamento e nem temores de
"fim do petróleo".
A história comprovou que ela estava correta. E a
história também comprovou o poder da lógica econômica em destruir incontáveis
outros mitos populares.
Lógica
direcionada
Pensar como um bom economista não é apenas ser
eternamente cético quanto a explicações populares para fenômenos econômicos; é
também ser destemido em examinar a realidade de maneiras que podem parecer
bizarras aos não-economistas.
Meu exemplo favorito de uma abordagem aparentemente
bizarra, mas extremamente reveladora da realidade foi a observação feita pelo
meu saudoso colega Gordon
Tullock: ele disse que se o governo realmente quisesse reduzir para zero os
acidentes fatais nas rodovias, tudo o que ele deveria fazer era criar uma lei
impondo que houvesse uma adaga extremamente afiada e pontiaguda saindo da
coluna direção de cada automóvel e apontando diretamente para o coração do
motorista.
Dado que qualquer impacto — ou mesmo uma simples
freada mais forte — faria com que essa adaga perfurasse o peito do motorista,
ninguém correria e ninguém seria imprudente.
Brilhantismo puro.
Ao ouvir essa "sugestão" de Gordon, é óbvio que o
cidadão comum imediatamente reagiria com espanto. "O quê?! Ficou maluco?!". No
entanto, tal reação rapidamente daria lugar à constatação de que Gordon está
incontestavelmente correto. Nenhuma formação econômica é necessária para
entender como as pessoas responderiam a este incentivo.
Tão logo a pessoa entende essa constatação, ela
facilmente se torna capaz de entender sua verdadeira e prática importância: a
realidade é muito mais complexa do que parece à primeira vista. Se, por
exemplo, o governo estipular que automóveis devem ser mais seguros, as pessoas
tenderão a dirigir com menos cuidado. Consequentemente, a redução nos acidentes
fatais nas rodovias será desapontadoramente baixa — se de fato houver alguma
redução.
Por si só, essa constatação não é suficiente para provar
que melhorias na segurança impostas pelo governo são injustificadas. Porém, é
suficiente para nos alertar que jamais devemos aceitar determinadas políticas
com base em nossas primeiras impressões. Aquilo que parece ser bonito e correto nem sempre será positivo ou trará boas
consequências.
Fazer este alerta de modo incessante, por mais
simples e óbvio que pareça, é o serviço mais crucialmente importante que
economistas podem fazer para a população.
A
arte de fazer perguntas incômodas
Na mesma linha, fazer perguntas que normalmente
ninguém mais faria é a principal função de um economista — e não prever qual
será a taxa de inflação do ano que vem, ou criar um sistema tributário "mais
justo e eficiente", ou mesmo estimar o PIB. Tais atividades empalidecem perante
a simples tarefa de estar constantemente fazendo perguntas mais profundas.
Por exemplo, um político promete criar mais empregos
por meio de mais obras de infraestrutura. Parece bonito. Mas perguntemos: de
onde virão os insumos — aço, concreto, cimento, vergalhões, escavadeiras,
máquinas de terraplanagem — para mais infraestrutura?
Obviamente, serão retirados de outras áreas da economia.
Ao se apropriar destes insumos, o governo faz com que todos os outros setores da economia tenham agora de
pagar mais caro para conseguir a mesma quantidade de aço, cimento, vergalhões
etc. Como consequência, todos os bens que utilizam esses itens em sua
construção — como imóveis e carros — ficarão mais caros.
E vários outros empreendimentos serão inviabilizados.
Assim sendo, a pergunta é: o que será sacrificado
para que se possa construir essa infraestrutura? O valor dessa nova
infraestrutura será maior que o valor de tudo aquilo que deixou de ser feito? Como você sabe?
E mais: será que realmente serão criados mais
empregos? É claro que mais pessoas irão trabalhar nos projetos de
infraestrutura, mas de onde virá o dinheiro para financiar esses projetos? Não
seria lógico dizer que quando o governo gasta mais em infraestrutura, os
pagadores de impostos gastam menos com imóveis, automóveis e cuidados médicos?
E não seria lógico dizer que a perda de empregos nestes setores contrabalança os empregos criados nos projetos de obras públicas?
Para cada emprego criado pelo projeto, foi
destruído, em algum lugar, um emprego no setor privado. Vemos os operários
empregados nas obras de infraestrutura. Mas não vemos os empregos destruídos para
que essas obras fossem possíveis.
Ainda assim, políticos e eleitores vivem endossando
mais gastos em infraestrutura sem sequer considerarem estas perguntas.
Ou então consideremos a questão mais ampla dos encargos sociais e trabalhistas.
O governo obrigar empregadores a pagar benefícios trabalhistas para seus
empregados é algo visto como totalmente benéfico para os trabalhadores. Mas,
obviamente, eles são um custo
para os empregadores. Logo, se o governo artificialmente aumenta o custo de
se legalmente contratar trabalhadores, qual será a reação dos empregadores? Eles
irão simplesmente dar de ombros e permanentemente aceitar lucros menores? Parece bastante improvável.
Irão os empregadores reduzir as contratações? Pagar salários
menores? Substituir mão-de-obra humana por máquinas sempre que possível? Com certeza. Você também faria isso.
No extremo, ainda que todos os empregadores de fato aceitassem
lucros menores, qual seria o efeito disso sobre os investimentos futuros, sobre
a expansão das empresas e sobre novas contratações? Lucros artificialmente
reduzidos aumentam ou diminuem o ímpeto de empreendedores para abrir novas
empresas, iniciar novos empreendimento e expandir os negócios já existentes? E qual
a conseqüência disso sobre a criação de empregos: aumenta ou diminui?
Mais ainda: será que encargos sociais e trabalhistas
não fazem com que os processos de contratação sejam mais exigentes e seletivos?
Não seria ao menos possível dizer que tais encargos fazem com que os menos
preparados sejam expulsos do mercado? Ou então — para ficar em um tema da
atualidade —, você não acha que maiores encargos fazem com que homens solteiros e saudáveis
sejam preferíveis a mulheres casadas (que podem engravidar e, com isso, não
trabalhar porém receber benefícios)?
Conclusão
As respostas para estas perguntas — e várias outras
similares — são importantes. Porém, ainda mais importante é o hábito de inflexivelmente
fazer tais perguntas.
Quando efetuada corretamente, a ciência econômica
regularmente revela que aquilo que parece ser inegavelmente verdadeiro para o
cidadão comum é normalmente uma miragem — ou ao menos algo altamente
questionável.
Essa é, de longe, a principal função de um
economista: fazer perguntas incômodas e apontar falácias. Nenhum outro serviço feito
pelos economistas é tão importante quanto este.