Os defensores da propriedade privada e do livre
mercado são frequentemente chamados de "darwinistas
sociais" por aqueles que se opõem a estas duas instituições. Segundo estes
críticos, defender livre mercado e propriedade privada significa desejar
exterminar os fracos em benefício dos fortes. Significa defender a "lei da
selva" e a "sobrevivência do mais apto".
No entanto, é exatamente sob o capitalismo que ambos
os grupos — os mais fortes e os mais fracos, os mais adeptos e os menos
preparados — conseguem se beneficiar e sobreviver sem violar as respectivas liberdades
individuais, o que torna este arranjo dramaticamente anti-darwinista.
Os críticos simplesmente são incapazes de perceber
que os arranjos voluntários que espontaneamente surgem no mercado substituem a
selva. A competição para se criar riqueza adicional não produz baixas reais no
longo prazo. Há apenas beneficiários.
No entanto, o apego à retórica de "competição
selvagem", "sobrevivência do mais forte" e "darwinismo social" ofusca a veracidade
da constatação acima.
E uma explicação para esse erro está na incompreensão
de dois fenômenos cruciais: a questão das vantagens absolutas e das vantagens
comparativas.
Vantagem
absoluta e comparativa
O que ocorreria se os trabalhadores do grupo B tivessem
exatamente a metade da qualificação dos trabalhadores do grupo A para produzir
tanto o bem X quanto o bem Y?
Neste caso, os trabalhadores do grupo B
presumivelmente não estariam entre os "mais aptos". Mas será que a vantagem absoluta
dos trabalhadores do grupo A significa que os trabalhadores do grupo B
morreriam de fome? Não. Quando os salários não
são proibidos de se ajustarem de acordo com qualificação e produtividade, há a
garantia de que ambos os grupos serão produtivamente empregados.
Se eu tenho metade da produtividade e da qualificação
de você em tudo, ainda assim poderei sobreviver no mercado, pois, cobrando a
metade do seu salário, o custo de se produzir empregando a mim seria o mesmo de
produzir empregando você – o que significa, por definição, que, se eu cobrar
qualquer valor marginalmente abaixo da metade do seu, serei eu quem irá ganhar
o emprego.
Por outro lado, quando os salários são proibidos de
se ajustarem às diferentes habilidades, resultados adversos surgirão: por
exemplo, a imposição
de encargos sociais e trabalhistas que encarecem (chegando
até mesmo a dobrar) o custo total de um empregado irá desempregar
os menos qualificados e produtivos.
Obviamente, o desemprego destas pessoas é o
resultado da intervenção no livre mercado, e não do funcionamento livre deste
mercado.
E se alterarmos o exemplo de modo que os
trabalhadores do grupo B tenham a metade da produtividade e da qualificação dos
trabalhadores do grupo A na produção do bem X, mas tenham um terço da produtividade
e da qualificação na produção do bem Y?
Neste caso, os trabalhadores do grupo A ainda possuem
uma vantagem absoluta na produção de ambos os produtos, mas agora os
trabalhadores do grupo B adquiriram uma vantagem comparativa (ou relativa) na produção
do produto X em relação aos trabalhadores do grupo A, pois agora terão apenas
de abrir mão de dois terços de Y por unidade de X que produzem em relação aos
trabalhadores de A.
Isso é fácil de entender.
Os trabalhadores do grupo A são capazes de produzir ou
100 unidades de X ou 100 unidades de Y por dia (ou por hora, ou por mês, ou por
ano; você é livre para escolher o intervalo de tempo).
Os trabalhadores do grupo B são capazes de produzir,
no mesmo intervalo de tempo, ou 50
unidades de X ou 33 unidades de Y.
Se os trabalhadores do grupo B se concentrarem
exclusivamente na produção de X, e os de A se concentrarem exclusivamente na produção
de Y, ambos ganharão, pois este será o arranjo em que há a produção do maior número
de produtos — ou seja, é o arranjo em que a oferta é máxima.
Veja os arranjos possíveis:
1º
Arranjo
Trabalhadores do grupo A: produzem 100 de X e 0 de Y
Trabalhadores do grupo B: produzem 50 de X e 0 de Y
2º
Arranjo
Trabalhadores do grupo A: produzem 50 de X e 50 de Y
Trabalhadores do grupo B: produzem 25 de X e 16,6 de
Y
3º Arranjo
Trabalhadores do grupo A: produzem 0 de X e 100 de Y
Trabalhadores do grupo B: produzem 0 de X e 33 de Y
4º
Arranjo
Trabalhadores do grupo A: produzem 0 de X e 100 de Y
Trabalhadores do grupo B: produzem 50 de X e 0 de Y
5º
Arranjo
Trabalhadores do grupo A: produzem 50 de X e 50 de Y
Trabalhadores do grupo B: produzem 50 de X e 0 de Y
Observe que o 4º
arranjo, que é aquele em que ambos se concentram no que fazem melhor, é o
que produz a maior oferta total de bens de qualidade: 100 de Y (feitos pelo
grupo A) e 50 de X (feitos pelo grupo B).
O 5º arranjo
também produz a mesma quantidade
total de bens; entretanto, há uma redução de 50 unidades do bem Y, cuja produção
o grupo A é capaz de fazer com três vezes mais qualidade. E há um aumento de 50
unidades do bem X, cuja produção o grupo A é capaz de fazer com apenas duas
vezes mais qualidade.
Ou seja, o quinto arranjo é menos eficiente que o 4º
arranjo: ele produz uma quantia menor de um produto que é 3 vezes melhor, e
produz uma quantia maior de um produto que é apenas duas vezes melhor.
Com
liberdade não há desemprego involuntário
Quando há liberdade para preços e salários se
ajustarem de acordo com a realidade, e o comércio não é artificialmente
restringido pelo governo, nenhum trabalhador fica desempregado
involuntariamente.
Ao contrário: ambos os grupos de trabalhadores irão ganhar
caso os trabalhadores do grupo B se especializem na produção do bem X (em cuja produção
eles são relativamente melhores), e utilizem uma parte dessa produção para
trocar com os trabalhadores do grupo A que produziram Y (em cuja produção eles são
relativamente melhores).
Com efeito, neste caso, os trabalhadores do grupo B são
relativamente mais aptos à produção do
bem X no mercado, ainda que eles sejam, em termos absolutos, menos adeptos à produção deste bem do que os
trabalhadores do grupo A.
Isso é, em essência, o que David Ricardo demonstrou
com sua teoria das vantagens
comparativas, que ele apresentou ao mundo em 1817. Mesmo que os
trabalhadores de um país sejam menos produtivos na fabricação de todos os bens em relação aos
trabalhadores de outro país, uma especialização de acordo com as vantagens
comparativas de cada um, em conjunto com a adoção do livre comércio
internacional, irá beneficiar os trabalhadores de ambos os países.
Verdadeira,
mas nada óbvia
E esta é uma idéia extremamente importante de ser entendida. Segundo um relato
de Deirdre
McCloskey, quando o matemático Stanislav Ulam desafiou o vencedor do Nobel
Paul Samuelson a apontar um princípio das ciências sociais que fosse, ao mesmo
tempo, verdadeiro e nada óbvio, sua resposta foi: "a teoria das vantagens
comparativas de David Ricardo". E ele prosseguiu:
O
fato de que ela não é trivial pode ser atestado pelos milhares de indivíduos importantes
e inteligentes que nunca foram capazes de entender a doutrina por conta própria,
ou mesmo de acreditar nela após ouvirem uma explicação.
O espantalho do "darwinismo social" surgiu
exatamente da idéia de que somente aqueles que são absolutamente os melhores em
tudo irão sobreviver, e que todos os outros irão morrer esfaimados. Entretanto,
esta simplesmente não é a realidade da competição que ocorre no mercado. Desde que
as pessoas sejam livres para buscar seus próprios interesses, e desde que os preços
de mercado (inclusive salários) não sejam proibidos de se reajustar, as pessoas
optarão por se especializar naquilo em que possuem uma vantagem comparativa —
mesmo que sejam, em termos absolutos,
piores em tudo e não possam alegar vantagem absoluta em nada.
Como muito
bem explicou George Reisman:
Cada
indivíduo, por mais limitadas que sejam suas habilidades, pode superar a todos
os demais — sem se importar com o quão mais talentosos estes são — na busca
de seu nicho produtivo. [...]
Aqueles
cujas habilidades não são maiores do que as necessárias para ser um zelador são
capazes de superar, sem qualquer dificuldade, os maiores gênios produtivos do
mundo — para obter um emprego de zelador.
Por
exemplo, Bill Gates pode ser um indivíduo tão superior que, além de ser capaz
de revolucionar a indústria de software, também seja capaz de limpar cinco
vezes tantos metros quadrados de um escritório na mesma duração de tempo que
qualquer zelador do planeta, e ainda fazer um serviço melhor. Mas Gates pode
ganhar um milhão de dólares por hora administrando a Microsoft, e os zeladores
podem estar dispostos a trabalhar por, digamos, $10 a hora, sendo que essa
propensão deles para executar o mesmo serviço a um centésimo de milésimo do
salário que Gates cobraria supera enormemente a menor habilidade que possuem,
de modo que são eles agora que estão em clara preferência e vantagem na
situação.
Conclusão
No mercado, o livre ajuste de preços permite que até
mesmo aqueles que são, em um sentido absoluto, os menos capazes possam
sobreviver em vez de perecerem.
Sendo assim, no mercado, o menos "apto" não perece;
ele apenas ganha menos dinheiro. E isso não é nada trivial quando se compara o
capitalismo a outros arranjos sociais.
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