Os conservadores sempre tiveram uma visão romantizada do
poder policial, vendo-o como se fosse uma linha divisória entre a liberdade e o
caos, impedindo que este último prevaleça.
Embora seja verdade que a lei em si é algo vital para a liberdade, e que
a polícia possa de fato defender os direitos à vida e à propriedade, disso não
necessariamente se segue que qualquer indivíduo comedor de impostos portando
uma arma autorizada pelo estado e calçando botas de cano alto esteja do lado do
bem.
Todas as regulamentações estatais, bem como todo o tipo de
tributação, são, em última instância, escorados e reforçados pelo poder
policial, de modo que os defensores do livre mercado têm todos os motivos para
sentir receio desse aparato de estilo socialista.
Uma postura não crítica em relação à polícia leva, ao fim e
ao cabo, a um apoio irrestrito do estado policial. E um ótimo exemplo disso é o atual regime
iraquiano, cujo governo — apoiado pelos EUA, o maior estado policial do mundo
ocidental — vem aplicando leis marciais desde a invasão. Desnecessário dizer que os conservadores
apóiam tais medidas, pois creem que esses métodos constituem passos firmes em
direção à liberdade.
É o poder policial, cada vez mais militarizado e
federalizado, quem irá, num futuro próximo, confiscar as armas dos cidadãos
indefesos e entregá-las para a classe política, impor e executar o toque de
recolher, instalar e comandar inúmeros postos de controle e checagem, e cercear
nossa liberdade de expressão.
Se você quer ver como o poder policial irá tratar os
cidadãos no futuro, quando estes se rebelarem contra seu governo, olhe
cuidadosamente para como as tropas americanas tratam os civis iraquianos, ou
como o governo norte-coreano lida com seus cidadãos. As diferenças tendem a se convergir.
Porém, esse não é exatamente o assunto deste artigo. A questão a ser abordada aqui jaz um pouco
mais no âmago do estado policial: as prisões.
Trata-se de um problema inerentemente ligado à visão que os
conservadores têm da lei e da justiça.
Construir e preservar todo um sistema carcerário é um dos
principais gastos do governo, em todos os níveis. A taxa de prisioneiros por 1.000 habitantes
varia de um país para outro. O que não
varia são os gastos crescentes para sustentar esse regime. Muitas pesquisas e estatísticas são
divulgadas sobre a correlação entre a taxa de aprisionamento e os índices de
criminalidade. Embora a ideia dominante
seja a de que quanto mais presos, menos crimes, há outras pesquisas que indicam
que, nos EUA, a criminalidade explica apenas 12% do aumento do número de
prisões, ao passo que mudanças nas condenações — com o endurecimento sobre os
"crimes sem vítimas", como prostituição e drogas — explicam 88% do aumento.
No geral, os gastos com o sistema penitenciário, polícia,
judiciário e outros itens relacionados à justiça estão completamente fora de
controle. E o que ganhamos com
isso? Mais justiça, mais segurança e
melhor proteção? Não. Estamos comprando as correntes da nossa
própria escravidão.
Podemos pensar nas cadeias como miniaturas de uma sociedade
socialista, onde o governo exerce o controle total. Exatamente por essa razão, o sistema
penitenciário é um fracasso completo para todos — menos para os burocratas que
lá trabalham e para as empresas que ganham as licitações para construir as
cadeias, seguindo o modelo
fascista das PPPs.
A maioria dos presidiários está lá por delitos relacionados
a drogas, supostamente sendo punidos por seu comportamento. Entretanto, o mercado de drogas viceja nas
prisões. Se isso não é a perfeita
definição do fracasso, então não sei o que é.
No sistema penitenciário, nada ocorre fora do domínio do
governo. As pessoas encarceradas são
completa e totalmente controladas pelos administradores estatais, o que
significa que elas não têm valor algum e não podem oferecer nada de valor a
ninguém. Essa condição é certamente o
caminho mais certo para se reduzir a vida humana à mais completa ruína.
As pessoas lá dentro são escravas do estado. Após terem sido condenadas, elas passam a ser
consideradas por seus apreensores como nada mais do que seres biológicos que
ocupam espaço. O fornecimento de todos
os serviços a elas depende exclusivamente dos caprichos de seus mestres, que
não têm nenhum interesse na condição final de seus cativos.
Agora, você pode dizer que esse é exatamente o tratamento que
alguns tipos de pessoa merecem, porém esteja ciente de que este é o assalto
derradeiro à dignidade humana. Elas
estão "pagando o preço" por seus delitos, só que ninguém está na posição de se
beneficiar desse preço pago. Elas não
estão saldando suas dívidas ou recompensando suas vítimas ou mesmo lutando para
superar alguma coisa. Elas estão apenas
"cumprindo tempo", custando aos contribuintes quase US$ 25.000 ao ano por
presidiário [no Brasil esse valor está em
R$ 18.000]. Isso é tudo o que essas
pessoas são para a sociedade: um custo — e elas são tratadas como tal.
E nas prisões, as comunidades nas quais essas pessoas vivem
são formadas por outras pessoas também desprezadas — e todas elas, em conjunto,
formam uma massa socializada nessa mentalidade que é totalmente contrária a
toda noção de civilização. Sem mencionar
a impiedosa violência (tanto a ameaça física quanto a real), os barulhos
horríveis e a abundância de todo o tipo de perversidade moral. Em resumo, as prisões são a representação
mais próxima do inferno na terra. Não é
de se estranhar que elas não reabilitem ninguém. Como disse George Bernard Shaw, "o
encarceramento é tão irreversível quanto a morte."
Ademais, tudo o que conhecemos sobre o governo é elevado ao
paroxismo quando aplicado a esse supremo programa governamental. Ele é caro, ineficiente, brutal e irracional. O atual sistema penitenciário é um fenômeno
relativamente novo na história — ele é utilizado principalmente para impor e
reforçar as prioridades políticas (a guerra às drogas), e não para punir os
crimes reais contra a propriedade. O
sistema é manipulado por paixões políticas e não por uma genuína preocupação
com a justiça. Os resultados da guerra
contra as drogas falam por si: ao invés de reduzir o consumo, houve um aumento.
Enfim, conhecendo-se essa realidade, não é surpresa alguma
que as prisões sejam lugares caóticos onde corrupção e abusos monstruosos
imperam. Tampouco é de se estranhar que
as pessoas saiam das prisões piores do que entraram, sem nada a perder e
traumatizadas para o resto da vida.
No sistema jurídico e carcerário, não há absolutamente
qualquer ênfase na ideia da restituição.
E a restituição não é apenas uma parte importante da ideia de justiça;
ela é sua própria essência. Se uma
pessoa é roubada e seu ofensor é preso, que justiça há em se roubar a vítima
novamente para pagar pela total desumanização do seu ofensor?
Como disse Rothbard: "A vítima não apenas perde seu
dinheiro, como também é obrigada a pagar novamente pela dúbia emoção da
captura, condenação e consequente sustento do criminoso; e o criminoso será
mantido escravo, mas não pelo bom propósito de recompensar sua vítima."
Mesmo os defensores do livre mercado há muito já aceitaram a
ideia de se ter o atual sistema penitenciário, sob a justificativa de que o
estado deve ter o monopólio da justiça.
Mas, por favor me digam, onde está a justiça desse sistema? E quantas cadeias é preciso ter para que o
número possa ser considerado excessivo?
Quantos prisioneiros é preciso haver para que se reconheça que o governo
extrapolou? Portanto, não vamos mais
celebrar a expansão desse sistema socialista, na crença de que a aplicação cada
vez maior de força é algo capaz de solucionar todos os problemas sociais.
Sim, um sistema de livre mercado iria enfatizar a punição;
porém, ele daria ainda mais atenção para a restituição. E toda a população não seria tributada a fim
de pagar pelos crimes de alguns poucos.
O custo do crime recairia sobre aqueles que o cometeram, de modo que a
vítima fosse recompensada. Isso não
significa que os criminosos passariam a ser empregados contratuais das vítimas,
prestando-lhes vários serviços. Haveria
uma indústria especializada em justiça criminal da mesma forma que há
indústrias especializadas em todos os outros serviços requeridos pelo mercado.
Não podemos saber de antemão como exatamente esse sistema se
desenvolveria em um mercado — afinal, ninguém pode planejar o mercado. A grande tragédia é que o governo monopolizou
por tanto tempo esse serviço — ao contrário das escolas e dos serviços postais
— que nenhum sistema concorrencial de justiça privada teve a permissão de
surgir. Mas podemos, por exemplo,
considerar a maneira como o sistema de crédito financeiro tem aplicado suas
regras, em sua maioria voluntariamente.
Aqueles que se comportam bem, são beneficiadas; e aquelas que não, são
prejudicadas. Os danos causados pelas
trapaças se voltam para aqueles que tentam fraudar o sistema.
A justiça pode ser ofertada pelo livre mercado? Tenho toda a confiança que sim, porque se há
algo que a história da oferta de serviços já nos ensinou é que, sempre que a
sociedade precisa de algo, o mercado o fornece de maneira muito superior ao
governo. Esse princípio se aplica tanto
para a justiça criminal quanto para qualquer outro setor da economia. Bens e serviços em uma sociedade livre são
fornecidos pelo mercado, e não pelo governo.
E quanto àquela linha divisória entre a civilização e o
caos? Frequentemente, os defensores das
cadeias e polícia estatais assumem uma forma cruenta de hobbesianismo, a
filosofia política moldada pelo inglês Thomas Hobbes no século XVII. Seu livro Leviatã
foi publicado em 1651 durante a Guerra Civil Inglesa com o intuito de
argumentar que um governo central tirânico era o preço a se pagar pela
paz. O estado natural da sociedade,
disse ele, era o de guerra de todos contra todos. Nesse mundo, a vida é "solitária, pobre,
sórdida, bestial e curta". O conflito é
a única forma de compromisso humano. A
sociedade está repleta dele, e não poderia ser de outra forma.
O que impressiona nesse caso é o contexto do livro. Os conflitos de fato eram onipresentes. Mas qual o motivo desses conflitos? Um só: decidir quem iria controlar o estado
e como esse estado iria operar. Tal
cenário de modo algum representava o estado natural da sociedade, mas sim uma
sociedade sob o controle do Leviatã. Foi
exatamente o Leviatã quem gerou esse conflito do qual falava Hobbes — e a cura
que ele propôs era essencialmente idêntica à doença.
Com efeito, o resultado da Guerra Civil foi a brutal
ditadura de Oliver Cromwell, que governava sob slogans democráticos. Esse regime foi um presságio de algumas das
piores violências políticas que o século XX viria a experimentar. Foram o nazismo, o fascismo e o comunismo que
transformaram sociedades outrora pacíficas em comunidades violentas nas quais a
vida de fato se tornou "solitária, pobre, sórdida, bestial e curta". O Leviatã não consertou o problema; ele o
fomentou — e o arraigou na sociedade como condição permanente.
O que também impressionava em Hobbes é que em momento algum ele
pensou em questões econômicas. A questão
do bem-estar material humano não fazia parte de seu aparato intelectual. Por causa dessa deficiência, ele não foi
capaz de prever o que a Inglaterra viria a ser dali a apenas um século e meio:
um bastião da liberdade, uma terra de crescente prosperidade para todos.
Ele escreveu sua obra exatamente no final de uma época que
precedeu a ascensão do liberalismo clássico.
Na Inglaterra de 1689, John Locke publicava seu Dois Tratados Sobre o Governo, um livro que viria a fornecer a
estrutura básica para a Declaração da Independência americana e que levaria à
formação da mais livre e próspera sociedade na história do mundo.
Como
Hobbes não pensava em questões econômicas, uma essencial constatação liberal
não entrava em sua estrutura mental. E
qual era essa constatação? Ela está
resumida na frase de Frédéric Bastiat: "as grandes tendências sociais são
harmoniosas." O que ele quis dizer com
isso é que uma sociedade contém dentro de si a capacidade de resolver conflitos
e de criar e sustentar instituições que fomentem a cooperação social. Ao buscar seus próprios interesses, as
pessoas podem chegar a acordos mútuos e praticarem trocas que lhes trarão
benefícios recíprocos.
Bastiat
em momento algum supôs que todas as pessoas de uma sociedade são espertas,
iluminadas, talentosas, educadas e pacíficas.
Ele apenas estava dizendo que a sociedade pode lidar com a malevolência
por meio da economia de mercado, e exatamente da maneira como vemos hoje: empresas
de segurança privadas, produção privada de armas, trancas e cadeados, tribunais
de arbitramento privados e empresas de seguro privadas.
O
livre mercado pode organizar a proteção de maneira muito superior ao
estado. A iniciativa privada pode
fornecer — e de fato fornece — serviços policiais superiores aos do
estado. Como argumentou Hayek, o estado
é amplamente superestimado como um mecanismo mantenedor da ordem. O estado é — e sempre foi ao longo da
história — uma fonte de desordem e caos, e esse problema só piora à medida que
o estado cresce. Se você duvida disso,
apenas olhe para as cadeias, um lugar onde o estado está no total controle da
situação.