O próximo domingo, dia 9 de novembro, marcará o vigésimo quinto aniversário da queda do
Muro de Berlin.
A 9 de novembro de 1989,
enquanto o trôpego governo comunista da Alemanha Oriental renunciava, o Muro de
Berlim começou literalmente a desmoronar.
Uma enorme multidão se formou em ambos os lados do Muro. Berlinenses orientais e ocidentais subiram
até o topo, quando então as pessoas começaram a utilizar marretas e picaretas
para abrir buracos e passagens.
Embevecidos pelo espírito da liberdade, os cidadãos começaram a
atravessar o muro de um lado para o outro e vice versa, sentindo pela primeira
vez em 28 anos a liberdade de se moverem sem barreiras políticas no caminho.
Vale a pena relembrar, antes de tudo, como e por que o
Muro de Berlim foi construído, e qual foi o seu significado na grande batalha
entre liberdade e tirania na corrente dos eventos políticos do século XX.
No dia 10 de agosto de 1961, Nikita Sergeyevich Kruschev, o premiê da União Soviética, participou
em Moscou da festa de aniversário de Sergei S. Verentsov, o ministro do
exército soviético responsável pelo programa de mísseis da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas. Na ocasião,
Khrushchev informou aos celebrantes, dignitários políticos e membros da elite
militar soviética, que algo grandioso estava prestes a ocorrer.
"Vamos fechar Berlim", anunciou Kruschev. "Vamos simplesmente cercar a cidade com uma
serpentina de arame farpado; e o Ocidente ficará lá, observando como um
cordeirinho. E enquanto eles ficam
assim, vamos construir um muro". A
platéia irrompeu em aplausos entusiásticos.
A cidade de Berlim havia sido dividida em quatro zonas
de ocupação pelas forças aliadas ao final da Segunda Guerra Mundial. A metade oriental da cidade era a zona soviética. A metade ocidental havia sido dividida em
três zonas: americana, britânica e francesa, todas elas cercadas pela área de
influência soviética que ocupava toda a Alemanha Oriental. A mais próxima zona de ocupação britânica ou
americana localizada na Alemanha Ocidental estava 177 km a oeste de
Berlim. Os soviéticos haviam
estabelecido uma "república popular" em sua área de influência — a República
Democrática da Alemanha, tendo Berlim Oriental como a sua capital.
Entre o final da década de 1940 e o ano de 1961, mais
de 4 milhões de alemães orientais e de berlinenses orientais souberam se
aproveitar da relativa facilidade em cruzar a "fronteira" e fugiram da zona
soviética de Berlim, indo para uma das zonas ocidentais. Ao fazerem isso, eles estavam "votando com
seus pés" na opção de não mais morar no "paraíso dos trabalhadores", presente
esse que Moscou havia sido tão generosa em impor a eles. Esse êxodo em massa representava um enorme
constrangimento tanto para o governo soviético quanto para o governo da
Alemanha Oriental. Também representava
uma enorme perda de mão-de-obra qualificada e de inúmeras ocupações
profissionais.
Os soviéticos foram quase que totalmente exitosos em
tentar manter segredo sobre o iminente isolamento de Berlim Ocidental. No sábado, 12 de agosto de 1961, 1.573 alemães
orientais cruzaram a linha que separava a Berlim Ocidental da Oriental e se
registraram como refugiados que desejavam viver no Ocidente. Eles foram o último grupo a conseguir sair
livremente. Os soviéticos então
estenderam o arame farpado ao longo do Portão de Brandemburgo, que fica no
centro da cidade e de fronte às zonas ocidentais. E às 2:30 da manhã de 13 de agosto, a
fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental estava fechada.
"Sucessos" e
"Fracassos" do Muro
Dois dias depois, em 15 de agosto, começou a
construção do Muro de Berlim. O muro era
constituído de tijolo e concreto, e levou dois anos para ser finalizado. Quando concluído, ele tinha 45 quilômetros de
extensão e 2,74 metros de altura, com arame farpado no topo. Os guardas do lado oriental estavam sempre
armados com metralhadoras e atiravam em qualquer um que tentasse cruzar o
muro. Havia também uma área de 183 metros,
entre o primeiro obstáculo e o muro, coberta de minas terrestres e patrulhada
por cães policiais.
Entretanto, apesar disso, durante os 28 anos da
existência do Muro, entre 1961 e 1989, um número estimado de 5.000 pessoas
conseguiu fugir — sobre, sob e através do Muro.
Alguns escaparam através da rede de esgoto que passava debaixo do
muro. Outros cavaram túneis — o mais
longo deles tinha 153 metros, e 57 pessoas utilizaram-no para fugir para Berlim
Ocidental em 1964.
Uma mulher coseu uniformes militares soviéticos para
três amigos homens, que conseguiram atravessar de carro um dos pontos de
controle. Ela também estava no carro, toda
comprimida sob o assento dianteiro.
Um homem munido de um arco e flecha subiu até o topo de um prédio em
Berlim Oriental e disparou uma flecha amarrada a um cabo até o outro lado do
muro. De alguma forma, ele conseguiu
deslizar pelo cabo até o lado ocidental, ganhando a liberdade.
Alguns construíram balões de ar quente e máquinas
voadoras toscas que utilizavam motores de motocicleta para propulsionar voos
sobre o muro. Outros nadaram ao longo de
canais ou rios que separavam partes de Berlim Oriental da Ocidental.
Também surgiram empresas especializadas em gerenciar
fugas. Elas faziam anúncios nos jornais
da Alemanha Ocidental. Uma dessas
empresas, chamada Aramco, com sede em Zurique, Suíça, divulgava informações
sobre suas "mais modernas técnicas".
Os preços cobrados pela empresa não eram tão absurdos assim: de US$10.000
a US$12.000 por pessoa, sendo que para famílias havia um "desconto proporcional à
quantidade", pagável em uma conta numerada em um banco suíço. Se a tentativa de fuga fracassasse, a empresa
restituía a maior parte do dinheiro à pessoa que estava patrocinando
financeiramente a escapada.
Em Berlim Oriental, o governo da Alemanha Oriental
distribuiu fotos do diretor da Aramco, Hans Ulrich Lenzlinger, oferecendo
500.000 marcos alemães pela sua captura.
Essas fotos — naquele estilo "Procurado" — referiam-se negativamente ao suíço
como um "comerciante de pessoas". Em
fevereiro de 1979, alguém finalmente conseguiu coletar o prêmio pela cabeça de Lenzlinger, após ele
ter sido baleado várias vezes no peito e morto em sua casa em Zurique.
Ele não foi a única vítima das tentativas de
fuga. Durante os 28 anos da existência
do muro, 80 pessoas perderam suas vidas tentando chegar ao lado ocidental do
muro. E mais de 100 outras morreram
tentando escapar através de pontos da altamente bem vigiada fronteira da
Alemanha Oriental.
Um dos mais cruéis assassinatos da fronteira ocorreu
em agosto de 1962. Peter Fechter, um
pedreiro de apenas 18 anos, foi morto enquanto tentava pular o muro. Durante 50 minutos ele implorou por ajuda
enquanto agonizava lentamente, com o sangue jorrando de suas feridas — tudo sob
o olhar de soldados e jornalistas que observavam tudo de um dos postos de
controle da fronteira ocidental. Somente
após ele ter morrido é que os guardas da Alemanha Oriental recolheram seu
corpo.
O Muro de Berlim tornou-se o símbolo da Guerra Fria e
de sua divisão do mundo em duas metades — uma metade ainda relativamente livre
e a outra metade sob o jugo da mais brutal e abrangente tirania jamais
vivenciada pelo homem na história moderna.
Não era admissível que nada cruzasse a Cortina de Ferro — formada por
cercas de arame farpado, minas terrestres, torres de vigilância e guardas com
metralhadoras, e que cortava a Europa Central ao meio, do Mar Báltico ao Mar
Adriático — sem a permissão dos mestres soviéticos em Moscou.
O Muro
e o direito de ir e vir
O Muro de Berlim resumiu perfeitamente a ideia, típica
do século XX, do indivíduo como propriedade do estado. Por trás daquele muro, o governo da Alemanha
Oriental dizia às pessoas onde elas deveriam morar e trabalhar, quais bens elas
poderiam consumir, e quais recreações e entretenimentos elas tinham a permissão de
ter. O estado determinava o que elas
deveriam ler, ver e dizer. E elas não
podiam sair do país — seja para visitar alguém ou para sempre —, a menos que isso
servisse aos objetivos e interesses de seus senhores políticos. E se alguém tentasse sair sem permissão, ele
poderia ser metralhado e abandonado à própria sorte, agonizando sozinho e sem
ajuda, com outras pessoas sendo obrigadas a assistir à cena para se
horrorizarem e abandonarem eventuais ideias de fuga.
No século XIX, o grande triunfo do liberalismo
clássico havia sido a abolição dos últimos resquícios das antigas restrições que
havia sobre o direito do indivíduo à sua vida, liberdade e propriedade
honestamente adquirida. Isso incluía o
direito de as pessoas viajarem livremente sem a interferência e o controle do
governo.
Antigamente, não eram apenas as dificuldades físicas
de transporte que impediam os homens de se locomoverem amplamente de uma região
ou de um continente para o outro. Além dessas barreiras físicas, havia também as barreiras legais dos impostos,
dos passaportes, dos preços altos e da escravidão, as quais amarravam a vasta
maioria das pessoas às terras pertencentes às castas de políticos e
privilegiados da nobreza.
Os liberais e os economistas clássicos do início do
século XIX defendiam a remoção de tais restrições sobre a liberdade das
pessoas. O princípio orientador era o de
que o homem tem o direito de propriedade sobre si próprio, que ele e apenas ele
é o dono de si próprio. Como disse o
economista clássico John R. McCulloch na década de 1820:
De
todas as espécies de propriedade que um homem pode possuir, as faculdades de
sua mente e os poderes de seu corpo são as que mais especialmente lhe
pertencem; e essas ele deveria ter a permissão de usufruir completamente, isto
é, de utilizar e externar, de acordo com seus critérios . . . de qualquer
maneira que não seja maléfica para outros, e da maneira que ele considere como
a mais benéfica para si próprio.
Uma extensão lógica do direito à autopropriedade sobre
a mente e o corpo, e seu uso para favorecer seus propósitos pessoais e
pacíficos, foi o direito do indivíduo poder se mudar para onde ele acreditasse
que melhor poderia aprimorar suas condições.
À medida que o século XIX foi progredindo, as várias restrições sobre a
liberdade de ir e vir foram sendo abolidas.
Passaportes foram praticamente eliminados por todos os grandes países da
Europa e da América do Norte, e as barreiras legais tanto para a emigração
quanto para a imigração foram quase que completamente abolidas nessas mesmas
nações.
Dezenas de milhões de pessoas, com suas próprias
poupanças ou financiadas privadamente, deixaram seu local de nascimento e
saíram em busca de prosperidade e de uma vida melhor em países e continentes de
sua própria escolha. A livre
movimentação de pessoas se equiparou ao crescente livre comércio de bens e
capital. Aproximadamente 60 milhões de
pessoas tiraram proveito dessa grande liberdade de movimento ocorrida entre
1840 e 1914, quando a Primeira Grande Guerra eclodiu.
Barreiras à
liberdade
Mas com o advento da Primeira Guerra Mundial, os
governos reinstituíram o passaporte e outras restrições sobre a liberdade de
movimento. E com a ascensão das
ideologias totalitárias nos anos seguintes ao fim da Primeira Guerra, a
liberdade de movimento foi abolida. O
comunismo, o fascismo e o nazismo — as três ideologias totalitárias do século XX — partiram da premissa de
que o indivíduo não apenas deveria ser subserviente ao estado, como também
tinha a obrigação de viver e trabalhar exclusivamente para a promoção dos
interesses do estado. Como um "objeto"
que era propriedade do governo, ou o indivíduo ficava em seu lugar e acatava
todas as ordens, ou era violentamente transferido para algum outro lugar sob as
ordens brutais da autoridade política.
Mesmo fora dos sistemas totalitários do século XX,
barreiras à migração têm sido a consequência lógica do surgimento e crescimento
do estado intervencionista e assistencialista.
Quando o governo quer determinar a direção da produção, quando ele se arvora a responsabilidade pela
quantidade e pelos tipos de emprego a serem criados na sociedade, e quando ele se torna o gestor
paternalista da redistribuição de riqueza e renda para a aposentadoria, para a
saúde, para os desempregados, para a educação e para o setor imobiliário, é
inevitável que esse mesmo governo também queira controlar a quantidade, o tipo
e a faixa demográfica de quaisquer indivíduos ou grupos que queiram se mover
para um país sob a jurisdição desse governo.
A ascensão e desenvolvimento da economia
regulamentada, em outras palavras, forneceu a justificativa para a imposição de
barreiras à livre migração. Elas
funcionam como muralhas políticas e jurídicas muito mais altas do que o Muro de
Berlim ao impedirem que as pessoas transitem livremente de uma parte do mundo a
outra, sem assédios. O passaporte que
cada um de nós é obrigado a requisitar e a carregar sempre que viajamos para
fora do nosso próprio país, e o qual temos de apresentar tão logo retornamos à
nossa própria terra, claramente mostra que todos nós somos de fato meros
súditos sob o — e não cidadãos acima do — completo controle das autoridades
políticas que dirigem nossas vidas.
Wilhelm Roepke, economista alemão e pró-livre mercado,
certa vez disse que,
O
nacionalismo e o coletivismo moderno, ao restringirem a migração, foram os que
talvez chegaram mais próximo do "estado de servidão." . . . Dificilmente pode
um homem ser reduzido com mais eficácia a uma mera engrenagem do coletivismo
nacionalista do que lhe privando da liberdade de ir e vir. . . . Sentindo que
ele agora pertence completamente ao seu país, tanto o seu corpo quanto sua
alma, ele será mais facilmente reduzido à posição de servo irrestrito do
estado, que é exatamente o que exigem os governos nacionalistas e coletivistas.
Já virou clichê dizer que o mundo, a cada dia, se
torna um pouco menor. Os métodos de
transporte global aperfeiçoam a qualidade das viagens e reduzem o tempo entre
quaisquer dois pontos ao redor do mundo.
A tecnologia dos computadores — internet e e-mail — faz com que tudo que
seja escrito, dito ou fotografado esteja a uma distância de um simples e
instantâneo clique no botão do mouse. A
crescente rede mundial de negócios, transações voluntárias e mercados de
capitais está progressivamente transformando o globo em uma área de mercado único
para o comércio e para a cultura.
Nesse vigésimo quinto aniversário da queda do Muro de
Berlim, deveríamos nos recordar de tudo o que ele representou como símbolo de
uma tirania sob a qual o indivíduo era marcado com o rótulo de "propriedade do
estado". Ele não apenas era controlado
em tudo o que fazia e dizia publicamente, como também tinha todos os seus
movimentos observados, comandados e restringidos.
A liberdade em todas as suas formas — de falar, de
escrever, de se associar voluntariamente, de cultuar a religião que quisermos,
de buscar qualquer ocupação, profissão ou iniciativa que a propensão e a oportunidade
nos sugiram; e de visitar, viver e trabalhar aonde nossos sonhos e desejos nos
levarem a buscar uma vida melhor — é um bem absolutamente precioso.
A história do Muro de Berlim e de toda a ideologia
coletivista por trás dele deveria nos lembrar do quão importante pode ser a
perda de qualquer uma de nossas liberdades.
A escolha que sempre estamos tendo de fazer — se mais liberdade
individual e de empreendimento ou se mais controle e autoridade governamental —
deveria sempre se basear naquele muro e no significado da liberdade.
Que nesse incipiente século XXI sejamos muito mais
sábios do que fomos no século XX.
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N. do T.:
Em 1999, a CNN apresentou um documentário excepcional - chamado
Cold War - sobre os acontecimentos que levaram à queda do Muro de Berlim. Em dois episódios, de 45 minutos cada,
são mostradas várias imagens históricas daqueles dias.
Pessoas ávidas por liberdade cometendo atos que hoje seriam
considerados irracionais apenas para se livrar do jugo do estado; pessoas
clamando por um livre mercado; pessoas chorando copiosamente de emoção tão logo
se viram livres do poder dos burocratas. E,
principalmente, pessoas em êxtase por ver o fim do "paraíso proletário na Terra".
O documentário está em um inglês de fácil compreensão mesmo
para os não iniciados no idioma. Vale
muito a pena.