segunda-feira, 11 jan 2010
E por que então tanto stress, pessoal?
Os contos de horror de 2008 parecem fazer parte de um
passado longínquo. Há apenas pouco mais
de um ano, Obama, Bernanke e companhia passaram a controlar as principais
manivelas da economia e do sistema financeiro internacional. Através de planos megalomaníacos que
inauguraram a Era do Trilhão (o grande "trilho" bancado pelos contribuintes, e
que nos levará a um local ainda incerto), Obama e companhia financiaram a
tomada da GM e da Chrysler, da Fannie Mae e Freddie Mac, e o salvamento dos
irresponsáveis banqueiros da Goldman Sachs, do Citibank, da Merrill Lynch, da AIG,
entre outros. Estima-se que noventa por
cento das hipotecas e empréstimos imobiliários originados em 2009 tenham sido
patrocinados pelo erário americano.
Imagino o que teria acontecido com os preços sem o cheque oficial.
Até agora, a despeito da imoralidade, a receita de
inspiração soviética parece estar dando resultados. Desde o início da crise no segundo semestre
de 2007, os mercados de risco em geral - como as bolsas mundiais e moedas de
países emergentes - se comportaram de maneira similar: a) queda gradual até a quebra da Lehman em
setembro de 2008, seguido de b) queda abrupta por alguns meses, e finalmente c)
alta gradual e contínua desde o início de 2009 até agora.
Imaginava-se há um ano que o sistema precisava desalavancar
rapidamente e abruptamente. A era da
alavancagem - de mais de 20 vezes nos bancos comerciais e mais de 30 vezes nos
bancos de investimentos - parecia ter sido um inconcebível sonho de Pollyanna. No famoso conto de fadas de Eleanor Porter,
Pollyanna vive um duro Natal no qual ganha muletas. Porém, devido ao seu notório otimismo, se
satisfaz por não precisar das
muletas. Hoje, a muleta dos trilhões
está realavancando o sistema. Eleanor
Porter escreveu uma sequência ao bestseller chamada Pollyanna cresceu - quisera os governos e os bancos seguissem o
exemplo!
Os bancos, seguindo a liderança do seu fiel aliado Fed (o banco
central americano) de taxar o custo do dinheiro a zero por cento ao ano[1], têm
deixado de lado seu papel tradicional de intermediar poupadores e investidores,
e têm praticado em grande medida uma única operação: tomar empréstimos junto ao
Fed a zero por cento, e emprestar ao governo americano a 4.7% ao ano[2] ou mesmo emprestar a governos emergentes acima de 7% ao
ano (em moedas em valorização, com duplo ganho). Não é surpresa que os bancos estejam pagando
bônus recordes aos seus "geniais" executivos.
Com juros subsidiados desta forma, não seria surpresa encontrar bilhetes
de loteria nos ativos de alguns bancos.
A história ficou mais surreal com a notícia de que o
banqueiro dos bancos centrais - o super-secreto BIS,
sediado na Basileia - convocou os CEOs dos bancos neste último fim-de-semana,
pois "está preocupado que os bancos
estejam retomando riscos excessivos".
Este é o mesmo BIS que patrocinou o padrão chamado de Basileia II, que permitiu aos bancos do
mundo todo autoavaliarem o risco que estariam tomando, utilizando seus
próprios modelos. E o mesmo BIS que
fumava charutos durante as bolhas da internet (1997-2000) e do crédito
(2004-2007).
É reconfortante saber que as instituições lideradas por
Lázaro Brandão[3] e pela dupla Roberto Setúbal e Pedro
Moreira Salles têm uma grande tradição de conservadorismo e moderada
alavancagem, e que estamos sob a gestão do melhor presidente que o Banco
Central brasileiro já teve - Henrique Meirelles. Definitivamente o vetor de melhor gestão
monetária e das contas públicas aponta do ocidente para o oriente, e do norte
para sul, Brasil incluído (ainda que em termos relativos).[4]
Enquanto isso, nos Estados Unidos, Obama e seu Congresso de
maioria democrata esperam do Fed de Bernanke uma gestão de bolhas à altura de
seu antecessor. Da mesma forma como
fumantes inveterados acendem o próximo cigarro no anterior, os políticos querem
que Bernanke emende a próxima bolha na que acaba de estourar - refinadamente
como fez Alan Greenspan[5], o inventor da infame política
de gestão de bolhas que ficou conhecida como Greenspan's Put. Tais
políticos deveriam lembrar-se do ditado: "Cuidado com o que desejas, pois podes
consegui-lo".
Hoje, o setor das economias desenvolvidas que mais cresce é
o da dívida pública. Os déficits
assustadores nos países desenvolvidos fariam a gestão de Dilson Funaro durante
o Plano Cruzado parecer um exemplo de austeridade - déficits de 10% do PIB nos
Estados Unidos, de 12% na Inglaterra, de 9% no Japão, de 8% na França, e assim
por diante.
Os governos dos países desenvolvidos possuem vantagens para
se endividar em relação aos emergentes, pois não sofrem daquilo que os
economistas chamam de pecado original,
que é a emissão de dívida em uma moeda diferente daquela que emitem
internamente. O limite de alavancagem
dos governos desenvolvidos é, por esse e outros motivos, bastante alto, mas não
infinito[6]. Mas
não parece haver chegado a hora da verdade para os desenvolvidos..... ainda.
Em 1984, Edward Yardeni, reputado investidor, cunhou o termo
bond market vigilantes - ou justiceiros do mercado de títulos de
dívida - para designar investidores que vendem títulos de dívida como
protesto contra políticas inflacionárias ou de má gestão das contas públicas[7]. Ao vender os
títulos, os justiceiros aumentam o custo de captação para os governos, e por
isso representam a última linha de defesa para persuadir governos soberanos a
se comportarem.
O governo Clinton experimentou sua dose de justiceiros em
1993/1994 quando os juros de dez anos subiram de cerca de 5% para 8%, que levou
o assessor de Clinton, James Carville, a afirmar: "Eu costumava pensar que se houvesse reencarnação, queria voltar como
presidente, o Papa, ou um craque de beisebol.
Agora quero voltar como o mercado de títulos de dívida - você
intimida todo mundo".
Na era das siglas para aglomerados de países desconexos que
começou com "BRICs", o risco maior
está atualmente nos chamados "PIGS" -
Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha.
Tamanho é documento nos tempos atuais - com a queda brutal do comércio
internacional, os países menores foram mais afetados nas suas contas externas e
públicas. Os BRICs, por outro lado, possuem
um grande mercado interno que tem atenuado tais efeitos.
Mas há outras jurisdições que estão abusando do pecado
original: os estados americanos. Vários
estados estão lançando títulos de dívida para tapar crescentes buracos
fiscais. Illinois, por exemplo, não paga
os professores universitários da University of Illinois e funcionários do
serviço social há dez meses, e emitiu na semana passada US$3,5 bilhões para
cumprir compromissos anuais junto ao fundo de pensão dos funcionários
públicos. Illinois foi rebaixado pela
agência de rating S&P, e está com nota de rating apenas marginalmente superior à da Califórnia, que é uma
jurisdição em virtual default (inadimplência). A situação dos estados tende a piorar com os
cortes das transferências relativas ao programa Medicare, previstos no projeto
em discussão no Congresso.
Os justiceiros estão vigilantes, mas ainda não começaram a
fazer justiça vendendo seus títulos.
Enquanto perdurarem os juros a zero por cento, sem perspectiva de
aumento, os ativos de risco continuarão a subir.
Embora Bill Gross - gestor do maior fundo de renda fixa do
mundo - seja um dos seus líderes, hoje há muitos grupos de justiceiros na Ásia,
onde se situam os principais detentores de títulos do governo americano. Quando os justiceiros começarem a agir, corra
para o abrigo - os tiros virão do ocidente, do oriente, norte e sul.
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[1] Os juros do chamado Federal Funds
Rate estão tabelados entre 0% e 0.25% ao ano desde dezembro de 2008, e nas
últimas semanas têm permanecido em torno de 0.10% ao ano.
[2] Rendimento do título de trinta anos
do tesouro Americano, largamente considerado como livre de risco de crédito.
[3] Atualmente o presidente do conselho
de administração do Bradesco.
[4] Em termos absolutos o Brasil teve
significativa piora das contas públicas em 2009, que deve perdurar em 2010.
[5] Greenspan patrocinou a bolha de crédito
com juros baixíssimos a partir do estouro da bolha da internet em março de
2000.
[6] Kenneth Rogoff - professor de
Harvard, ex-economista-chefe do FMI e exímio enxadrista - e Carmen Reinhart,
examinaram o histórico de 44 países em um período de mais de duzentos anos, e
encontraram uma relação estatística que sugere que uma vez que a dívida bruta
alcance 90% do PIB, o crescimento econômico cai até 2 pontos percentuais ao
ano. O Japão já está acima deste nível
há duas décadas, e os Estados Unidos e a Inglaterra estão alcançando este nível
em muito breve.
[7] Na verdade o termo "justiceiro" é
um disfemismo (contrário de eufemismo).
No disfemismo, procura-se dar maior conotação negativa, ou pejorativa,
ao invés de utilizar-se um termo mais neutro.
Justiceiros são foras-da-lei que fazem justiça com as próprias
maõs. O termo "redentor" teria conotação
mais neutra.