quarta-feira, 24 fev 2010
É
absolutamente imperativo que você leia com muita atenção cada parágrafo da notícia
a seguir.
Crédito imobiliário bate recordes e bancos preveem mais expansão
Esgotamento da poupança, que
financiou R$ 34 bi em 2009, leva instituições a analisar alternativas de
recursos
O brasileiro nunca financiou
tanto imóvel como em 2009, e a tendência é de que novos recordes sejam batidos
neste ano. Para alguns, o País está em pleno boom imobiliário. Para outros, é
só o início desse processo, uma vez que o déficit habitacional, entre 6 milhões
e 8 milhões de unidades, conforme o cálculo, ainda é elevado.
Avaliações distintas à parte, o fato
é que o setor vive seu melhor momento na história recente, que já leva os
bancos a discutir alternativas de recursos para bancar a expansão. Hoje, a
maior parte do dinheiro (cerca de 70%) vem da caderneta de poupança, mas,
segundo especialistas, essa fonte deve se esgotar, dependendo da instituição
financeira, já em 2011.
No ano passado, 302,7 mil
unidades foram financiadas com os depósitos da caderneta, em um total de R$ 34
bilhões. Nem na época do finado Banco Nacional da Habitação (BNH), no início dos
anos 80, tantos imóveis foram vendidos por meio de empréstimos no País.
"O Brasil é a bola da vez
como mercado relevante para experimentar uma forte expansão do crédito
imobiliário", define o diretor-geral da Montreal Informática, Luís Antônio
Santos. A empresa vende soluções tecnológicas para diversos setores da
economia, entre eles o imobiliário. Os principais bancos que atuam no País
fazem parte de sua clientela.
O diretor de Crédito Imobiliário
do Itaú Unibanco, Luiz França, que também preside a Associação Brasileira das
Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), lista os fatores que
explicam o desempenho recente e as boas perspectivas. Em primeiro lugar, a
segurança jurídica, obtida com a mudança da legislação promovida em 2004. Foi
ali que se instituiu o mecanismo de alienação fiduciária, que facilita a
retomada do imóvel em caso de inadimplência. Em segundo lugar, França cita o
alongamento dos prazos de financiamento para até 30 anos, que permitiu a
redução das prestações mensais.
Em terceiro lugar, o executivo
destaca a estabilidade da economia. De um lado, essas condições mais estáveis
abriram caminho para a queda dos juros. De outro, elevaram o poder aquisitivo
da população (como mostra a ascensão de milhões de brasileiros à classe C), o
que reduz o calote. Um fator mais recente é o programa do governo Minha Casa,
Minha Vida.
Nesse ambiente, os bancos
privados, que sempre foram reticentes em investir no mercado imobiliário,
mostram grande apetite. Na média, preveem alta de 30% a 40% nos empréstimos
este ano. Em 2009, segundo o Banco Central, o crédito para a habitação avançou
41,5%, ante 14,9% do crédito total.
"Vemos o crédito
imobiliário como motor da expansão do crédito geral (no País)", diz o
diretor executivo de Negócios Imobiliários do Santander Brasil, José Roberto
Machado. Segundo ele, no mundo, o financiamento imobiliário responde, em média,
por 65% da carteira de crédito do banco. No Brasil, são 5%.
O diretor de Crédito Imobiliário
do HSBC, Antonio Barbosa, afirma que a meta da instituição é aumentar a
participação no segmento nos próximos anos. "Queremos crescer acima da
média do mercado", explica. A aposta do banco é no que Barbosa classifica
de "serviço diferenciado".
No Bradesco, o discurso é
parecido. "Queremos mais mercado", diz o diretor do Departamento de
Empréstimos e Financiamentos, Nilton Pellegrino. O objetivo é aproveitar que
"não há cidadão no Brasil que não queira ter imóvel próprio".
O
que antes era aventado por apenas alguns observadores mais atentos, agora já toma
ares generalizados: estamos numa bolha imobiliária. No início ou no meio dela? Ainda não dá pra saber.
O
que mais assusta nessa notícia é que cada parágrafo dela descreve uma situação
que é um verdadeiro plágio daquela que ocorreu não apenas nos EUA, mas também
na Espanha e na
Irlanda. Releia os três últimos
parágrafos e constate que os bancos deixaram claro que entrarão no frenesi com
tudo, buscando a máxima concessão de crédito possível.
Embora
apenas agora estes fatos estejam sendo amplamente divulgados, a bolha
imobiliária já era sentida por qualquer um que estivesse à procura de
imóveis. Os preços já vinham se
expandindo há um bom tempo. A coisa só
ficou mais perceptível agora por causa da rapidez da apreciação dos imóveis e
dos preços estratosféricos que alguns estão atingindo.
Basta
uma pesquisa pela internet e você vai descobrir, por exemplo, que em Brasília
há apartamentos de apenas um quarto sendo vendidos por R$ 500.000. No prédio em que moro na zona sul de Belo
Horizonte, um apartamento que custava R$ 485.000 em maio de 2009 já está sendo
vendido hoje por R$ 570.000 - valorização de 17,5% -, sem que absolutamente
nada tenha sido feito nele e nem no prédio.
(Ao meu redor, nesse momento, há exatamente quatro canteiros de obra em
plena atividade). Em São Paulo, já é
rotina o sujeito comprar o apartamento ainda na planta apenas para revendê-lo
dali a um ou dois anos, certo de que a única trajetória possível para o preço é
em direção céu. No Rio também ocorre
esse fenômeno, embora a justificativa típica seja as olimpíadas (que só
ocorrerão daqui a seis anos). Em
Florianópolis, a bolha mais visível está no custo dos terrenos, sendo que o CUB
(Custo Unitário Básico da construção) aumenta em ritmo menor.
Enfim,
os sinais já estavam por todos os lados, mas só agora estão sendo amplamente
debatidos. Mas qual a origem de bolha?
Como tudo começou
Toda
bolha, independentemente do setor em que ela se forma, tem uma causa: aumento
da oferta monetária, principalmente quando este aumento se dá pela redução constante
da taxa básica de juros. (Detalhe
técnico: a oferta monetária pode aumentar - como de fato aumenta - sem que haja
modificação na taxa básica de juros, mas esse detalhe não é importante para
esse artigo).
Peguemos
como base o ano de 2003, que foi quando a taxa SELIC atingiu o maior valor do
governo Lula.
Em
março daquele ano, ela estava em 26,5%. Em
julho de 2009, ela já estava em 8,75%, permanecendo nesse nível desde então. Uma queda total de 67%.
Como
consequência, a base monetária e os agregados monetários M1, M2 e M3 se
expandiram em ritmo veloz. De maio de
2003 até o final de janeiro deste ano, a base monetária aumentou 136%; o M1,
160%; o M2, 203%; e o M3, 213%.
Traduzindo:
em menos de 7 anos, tanto a base monetária quanto o M1 (papel-moeda em
circulação + depósitos à vista) mais do que dobraram. O M2 e M3 triplicaram.
Não
é à toa que cédulas de 100 reais - antes raras e sempre recebidas com suspeitas
por qualquer vendedor - tornaram-se comuns, e a cédula de 1 real já até foi retirada
de circulação. Você ainda considera
Henrique Meirelles o "guardião da moeda"?
Quando
há essa expansão monetária, grande parte do dinheiro é direcionada para aqueles
setores que, dependendo do cenário econômico, são os que mais prometem
retornos. No Brasil, o dinheiro foi
maciçamente para a bolsa de valores e para o setor imobiliário.
Em 2003, por exemplo, o índice Ibovespa chegou a bater na mínima de 9.994,80
em 26 de fevereiro. Desde então ele passou a subir continuamente até
atingir o recorde de 73.516,81 no dia 20 de maio de 2008. Ou seja: em 5 anos, as principais ações
negociadas na Bovespa valorizaram 635%. (Hoje, após a turbulência do
final de 2008, o índice está nos 66 mil).
Mas o mercado financeiro é um setor diariamente noticiado. Por ser constantemente observado, ninguém
estranha suas variações, que são típicas.
E quando há uma valorização constante das ações, todo mundo acha ótimo e
acaba entrando no jogo. Já o mercado
imobiliário só é notado quando os preços dos imóveis começam a atingir níveis
que todos sabem ser infundados. Enquanto
isso não ocorre, ele raramente desperta a atenção nacional. Mas os sinais sempre estiveram muito claros.
Essa tabela
do Banco Central mostra que, dentre todos os empregos do setor privado -
indústria de transformação, comércio, serviços e construção civil -, foi
exatamente o setor da construção civil que apresentou a maior expansão no
emprego. De dezembro de 2003 a dezembro
de 2009, o emprego formal no setor cresceu 70%.
(Para se ter uma ideia, o emprego na indústria de transformação cresceu
28% e o emprego total cresceu 34%). Aqueles
que mexem indiretamente com o setor, como fabricantes e fornecedores de
materiais de construção, também vivenciaram ótimos momentos. Pergunte a alguém que trabalha com venda de
materiais de construção o que ele tem achado do mercado recentemente.
Enfim, quando tudo isso ocorre, é sinal de que a bolha já está bem
inflada. E, assim como qualquer glóbulo
de ar, quanto mais inflada ela estiver, maior será a intensidade do estouro
quando este acontecer.
A pergunta do milhão
Mas quando ela vai estourar?
Obviamente, é impossível - e irresponsável - precisar qualquer
data. Mas tanto a teoria quanto a
empiria nos permitem algumas especulações.
Como Mises e Hayek deixaram claro, uma vez que uma bolha gerada pela
expansão monetária se inicia, essa expansão monetária tem de, no mínimo, manter
o mesmo ritmo ou até se acelerar para que a bolha continue se formando. Qualquer desaceleração mais prolongada na
expansão do crédito irá arrefecer essa bolha.
Assim, se uma economia sofreu uma forte expansão do crédito durante um certo
tempo, e essa expansão deu surgimento a uma ou a várias bolhas, essa expansão
terá de se dar a taxas cada vez maiores para impedir que essa bolha desinfle.
Não é necessário que o crédito se contraia; basta que ele cresça a uma taxa
menor e a bolha se esvaziará.
Nos EUA, a bolha começou a se formar em 1997. Com a recessão que se iniciou no final de
2000 e, principalmente, com os ataques de 11 de setembro de 2001, a taxa básica
de juros da economia americana foi derrubada de 6,5% para 1%, ficando nesse
nível até meados de 2004, quando o Fed começou a elevar novamente os juros até
atingir o valor de 5,25% em junho de 2006.
Foi durante esse intervalo de tempo, com juros excepcionalmente baixos,
que houve a maior fase de expansão da bolha imobiliária.
Os juros permaneceram em 5,25% de junho de 2006 até o final de 2007,
exatamente quando todos os problemas no setor ficaram explícitos. Foi essa elevação dos juros que secou o
crédito e estourou a bolha. (Para um
resumo dessa sequência de acontecimentos, este é o melhor artigo
da rede).
Portanto, baseando-se na teoria, e apoiando-se na empiria - e partindo do
pressuposto de que realmente temos uma bolha em formação -, podemos dizer que a
nossa bolha vai ser arrefecida quando o Banco Central subir os juros e isso
causar uma contração do crédito.
No final de 2008 e início de 2009, houve uma forte contração do
crédito no Brasil, como foi demonstrado nesse artigo (a oferta
monetária parou de crescer). Logo, pela
teoria, tal evento deveria ter debelado a nossa bolha imobiliária; porém, como
sabemos, a valorização dos imóveis passou incólume. Por quê?
A resposta está na intervenção do governo, que além de criar o programa Minha
Casa, Minha Vida, também colocou em ação seus bancos estatais para manter o
crédito farto para o setor. Isso foi
bom? Para quem está no setor, sem
dúvida. Para as construtoras, então, foi
uma maravilha. Porém, como sempre ocorre
na economia, o problema está naquilo que não se vê de imediato - mas que,
quando se torna explícito, já é tarde demais.
Todo esse incentivo artificial a um setor significa que recursos estão sendo
retirados de outros setores e desviados para este. Como os recursos são escassos, a tendência é
que os custos subam. E é esse aumento de
custos que vai alimentando a bolha. Isso
vai ocorrer até o ponto em que os custos superarem o retorno esperado. É nesse ponto que os investimentos se revelam
mal direcionados e excessivos (mais detalhes desse processo aqui).
Traduzindo a teoria para a nossa realidade, os imóveis estarão cotados a
preços que ninguém poderá pagar. Isso
fará com que os preços deles tenham de cair para que possam ser vendidos. A principal consequência disso é que os
bancos que financiaram o crédito imobiliário terão prejuízos, assim como as
construtoras. Caso o governo queira
evitar essa queda de preços, ele terá de fazer o que vem fazendo: facilitar o
crédito e subsidiar. Só que os preços já
estarão tão altos que simplesmente não haverá compradores. A única solução seria recorrer ao artifício
das prestações mensais de 30 anos a juros baixos. Mas isso só seria possível se a SELIC
estivesse constantemente baixa - algo não muito plausível.
Se há algo contra o qual jamais se pode lutar, esse algo é o sistema de preços. O governo americano hoje vem fazendo de tudo
para evitar que os preços dos imóveis caiam (ironicamente, após fazer inúmeros
programas para facilitar a aquisição da casa própria), pois isso é prejudicial
para os bancos, que possuem esses imóveis como ativos. Se os ativos se depreciam, o patrimônio dos
bancos encolhe.
Portanto, o estouro da nossa bolha foi artificialmente impedido em
2008/2009. Não só foi impedido, como o
ar continuou sendo soprado com ainda mais intensidade. A bolha hoje está maior do que estava naquela
época.
Será igual?
Outra pergunta inevitável: se estivermos em uma bolha e ela estourar, as
consequências serão iguais àquelas dos EUA?
Não. O que aconteceu nos EUA foi uma
completa anormalidade, possibilitada apenas pelo nível de intervenção do
governo tanto no setor bancário - havia políticas que obrigavam os bancos a
conceder hipotecas a pessoas com histórico de crédito ruim, (ver mais aqui) - quanto no setor
imobiliário (Fannie Mae e
Freddie Mac), além da própria intervenção no setor monetário, por meio da
taxa de juros manipulada pelo Fed.
Tudo isso fez com que a parcela da economia voltada para o setor imobiliário
se agigantasse enormemente (mais detalhes no artigo de amanha), fazendo com que
grande parte da própria riqueza americana estivesse ligada ao setor.
A situação chegou a tal ponto que, quando o sujeito perdia o emprego, ele
simplesmente comprava um imóvel e ganhava a vida com sua valorização. Como isso funcionava? Ele ia ao banco, arrumava um empréstimo (que
era extremamente fácil, mesmo estando desempregado) e fazia o pagamento de
entrada. Teoricamente ele deveria pagar
juros mensais por essa hipoteca, mas como o imóvel só se valorizava, o cidadão
conseguia negociar junto ao banco novos empréstimos tendo como caução
justamente essa valorização do seu imóvel.
Assim, ele atingia a mágica de ficar rico (na verdade, endividado) sem
ter qualquer fonte de renda. Como ele
achava que seu imóvel iria se valorizar perpetuamente, ele não precisava se
preocupar em pagar sua dívida junto ao banco - isso até o dia em que o preço do
seu imóvel começou a cair e ele percebeu que sua dívida era impagável.
A menos que nossa economia chegue a esse ponto, girando majoritariamente em volta do
setor imobiliário, não há motivos para imaginar que nossa bolha, quando
estourar, trará consequências igualmente danosas. Aliás, enquanto o estouro não vem, é possível
ganhar bastante dinheiro nesse setor.
Basta você saber jogar e ter o timing
correto da hora de sair.
Conclusão
O objetivo desse artigo não é causar alarde e nem fazer previsões. É apenas analisar o que pode estar
acontecendo com um importante setor da economia brasileira, para onde ele pode
estar indo e quem poderá ser afetado.
Em todo caso, é hora de rever com muita atenção o vídeo (ou, pelo menos,
veja essa
parte) em que Peter Schiff conta inúmeros exemplos que ilustram a
irracionalidade comportamental que tomou conta dos americanos durante a bolha
imobiliária daquele país, e aprender com os americanos o que não deve ser
feito.