quinta-feira, 11 mar 2010
Agora
que Obama está definitivamente determinado a expandir a qualquer custo o
assistencialismo nos EUA - ao mesmo tempo em que esse mesmo sistema entra em
crise em alguns países da Europa -, é impossível não falar sobre os países
escandinavos. Afinal, nenhum debate
sobre assistencialismo estaria completo se não citássemos os países
escandinavos como o perfeito exemplo de um como um estatismo em grande escala
traz prosperidade.
Isso
parece ser um verdadeiro enigma, mesmo para austríacos e outros
libertários. Sendo eu próprio um cidadão
sueco, frequentemente me pedem para explicar como realmente funcionam essas
"economias-zangões" - que supostamente não seriam capazes de voar, mas voam.
Ao
examinar a performance econômica de um país, é sempre bom dar uma olhada em sua
história. Um conterrâneo meu, Stefan
Karlsson, fez exatamente isso em 2006, escrevendo um excelente artigo sobre a história econômica
da Suécia [artigo
comentado em português]. Farei
apenas uma pequena síntese desse tópico antes de me concentrar na questão
central deste artigo.
Karlsson
escreveu o seguinte:
Como resultado de suas políticas
de livre mercado, da engenhosidade e do empreendedorismo de seu povo, e de sua
auspiciosa rejeição às guerras, a Suécia apresentou, entre 1870 e 1950, o maior
crescimento da renda per capita de todo o mundo, tornando-se então um dos
países mais ricos do planeta.
De
fato, graças à sua "neutralidade" durante a Segunda Guerra Mundial, a Suécia
nunca foi bombardeada ou invadida.[1] Isso possibilitou às indústrias suecas
permanecerem intactas e incólumes, algo que, em conjunto com sua economia de
livre mercado, possibilitou ao país lucrar intensamente com a reconstrução da
Europa devastada pela guerra: a Suécia exportou enormes quantidades de bens e
recursos naturais para o resto da Europa, estimulando um crescimento econômico
no país que durou duas décadas.[2] Como Karlsson demonstra, durante esse período
"a Suécia era ainda uma das economias mais livres do mundo, e os gastos
governamentais em relação ao PIB eram, com efeito, menores que os dos EUA."
No
rastro dessa expansão econômica, o governo sueco começou a instituir um maciço
programa de assistencialismo estatal no decorrer da década de 1950, 60 e 70,
fazendo com que os gastos governamentais explodissem para mais de 50% do
PIB. Em um dado momento em meados da
década de 70, a alíquota máxima do imposto de renda chegou a inacreditáveis
102%.
Um
das pessoas sobrecarregadas por essa carga tributária era Astrid Lindgren, a
famosa autora de livros infantis mais conhecida pela série Píppi Meialonga. Em 1976 ela escreveu um conto satírico que
foi publicado em um dos maiores jornais da Suécia, no qual ela contava a
história de uma inquieta autora de livros infantis chamada Pomperipossa, que
vivia no reino fictício de Monismania.
Dentre outras coisas, Pomperipossa questionava por que quanto mais ela
ganhava, menos podia ficar com ela, e por que pessoas como ela estavam sendo
economicamente punidas pelo governo simplesmente por escreverem livros infantis
populares. O conto também relatava que,
em Monismania, era possível evitar alguns dos impostos se você comprasse
imóveis, que era exatamente o que ministro da fazenda sueco Gunnar Sträng vinha
fazendo à época.
O
conto de Lindgren provocou um ardoroso debate tributário na Suécia, e pela
primeira vez em 44 anos o Partido Social Democrata, que sempre esteve no poder,
perdeu as eleições gerais.
A
economia sueca passou por enormes dificuldades ao longo da década de 70,
principalmente porque as políticas crescentemente socialistas haviam provocado
uma estagnação econômica, fazendo com que o país crescesse menos que o resto do
mundo. Vários outros países europeus
alcançaram a Suécia e seu monstruoso estado assistencialista, e passaram a
superá-la economicamente.
Em
um esforço para salvar a economia, o governo realizou amplas reformas e
liberalizações ao longo dos anos 80 e 90, cortando impostos e gastos
assistencialistas, abolindo monopólios estatais, desregulamentando, deixando o
câmbio flutuar e permitindo mais alternativos privados aos serviços oferecidos
pelo setor público.

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As barras verticais representam a liberdade econômica da Suécia ao longo do
tempo, mensuradas pelo índice da Heritage. A linha horizontal representa a média mundial
ao longo do tempo. |
Esse
aumento na liberdade econômica está parcialmente ilustrado na figura ao lado,
fornecida pelo
Índice de
Liberdade Econômica anual da Heritage Foundation. O índice da Heritage classifica os países do
mundo de acordo com sua liberdade econômica geral. Eles são avaliados em diversas variáveis,
incluindo tributação, inflação de preços, tamanho do governo, liberdade do
mercado de trabalho, liberdade de comércio etc.
Karlsson
criticou a antiga
metodologia do índice em 2005; porém, desde então, o índice foi
significativamente aprimorado, como o próprio Karlsson
reconheceu
em 2007. Embora o índice ainda esteja
longe da perfeição, ele faz um bom trabalho ao comparar a liberdade econômica
geral de cada país.
O
índice também revela um ponto crucial: há uma impressão equivocada, muito
difundida pelas esquerdas, de que os países escandinavos são praticamente
cubanos em termos de liberdade econômica, enquanto que o resto do mundo
desenvolvido (particularmente os EUA) é bem mais orientado para o livre
mercado. Entretanto, a realidade é que
os países escandinavos estão entre as 10 (caso da Dinamarca) e 20 (Finlândia e
Suécia) economias "mais liberais" do mundo, não obstante seus enormes estados
assistencialistas.
Como
demonstra o índice da Heritage, Dinamarca, Finlândia e Suécia têm mais
liberdade econômica que a maioria de seus congêneres europeus, incluindo
Alemanha, Áustria, França, Bélgica, Espanha, Portugal e Grécia. Embora seja verdade que os países
escandinavos tendem a ter impostos maiores e gastos governamentais mais altos
que a maioria dos outros países europeus, estes tendem a ter mais
regulamentações e sistemas jurídicos menos transparentes e eficientes, o que
cancela os efeitos positivos propiciados pelos impostos mais baixos.
Se
compararmos o país ocidental mais livre do índice, que é a Austrália, com o
país escandinavo menos livre, que é a Noruega, a disparidade é de 13,2 pontos -
ou de 16% a favor da Austrália. Se
compararmos a Austrália com o país mais livre da Escandinávia, que a Dinamarca,
a diferença cai para apenas 4,7 pontos - ou 5,7%.
Outra
mensuração que revela um padrão similar é o Índice do Ease of Doing Business
Index (Facilidade de se Fazer Negócios), que avalia a quantidade de
burocracia e regulamentação que é preciso tolerar para se abrir e gerenciar um
negócio em um país qualquer. Neste,
também, os países escandinavos aparecem entre os 10 (Dinamarca e Noruega) e 20
(Finlândia e Suécia) primeiros, sendo que normalmente o maior fardo que
apresentam são suas legislações trabalhistas mais rigorosas.
A
Dinamarca tende a aparecer melhor em ambos os índices em relação aos seus
vizinhos escandinavos, principalmente graças à sua legislação trabalhista bem
mais flexível. Com efeito, por mais
surpreendente que pareça, a Dinamarca está lado a lado com os EUA no atual
índice da Heritage. Dinamarca e EUA
aparecem em #9 e #8, respectivamente. Em
janeiro deste ano, o governo dinamarquês cortou a alíquota máxima do imposto de
renda, reduzindo de espantosos 60% para (ainda espantosos) 50%. Isso será computado no ranking da Heritage do
próximo ano, no qual a Dinamarca provavelmente irá trocar de lugar com os EUA.
É
claro que de maneira alguma os países escandinavos são livres só porque pontuam relativamente bem nesses índices; contudo,
eles são mais livres do que maioria
dos outros países, algo que também explica por que eles tendem a ter um padrão
de vida mais alto. É simplesmente por
isso que os estados assistencialistas escandinavos parecem "funcionar bem":
porque a maioria das alternativas é ainda pior; e, em terra de cego, quem tem
só um olho é rei.
Conclusão
Embora
os países escandinavos apresentem uma quantidade extremamente alta daquilo que
Rothbard classificou como intervenção binária - isto é, tributação -, seu ponto
forte é sua quantidade relativamente mais baixa de intervenção triangular -
isto é, regulamentação. Isso coloca os
países escandinavos no mesmo nível de competitividade de outros países
desenvolvidos, e ajuda a explicar por que eles são capazes de apresentar um
padrão de vida equivalente ou até mesmo maior.
O juízo falso de que os outros países ocidentais são muito mais voltados
para o livre mercado do que a Escandinávia é algo desastroso, pois alimenta a
ideia de que uma maior expansão governamental nesses países traria felicidade e
euforia para todos, quando na realidade isso só pioraria as coisas.
Entretanto,
a principal conclusão de tudo isso é que, no mundo todo, a liberdade está tão
ausente, que mesmo os enormes estados assistencialistas da Escandinávia podem
ser considerados como estando entre os países "mais livres" do mundo. Ao passo que as coisas têm geralmente se
encaminhado para a direção correta na Escandinávia em termos de maior liberdade
econômica, o exato oposto parece estar ocorrendo em vários outros países,
especialmente nos EUA. Considerando que
este já caiu para o mesmo nível da Dinamarca em termos de liberdade econômica,
é de se imaginar quanto tempo levará para que encoste na Finlândia, na Noruega
e na Suécia.
Leia também: Como o assistencialismo
corrompeu a Suécia
_________________________________
Notas
[1] Na realidade, o governo sueco silenciosamente ficou
do lado dos alemães nazistas e permitiu que eles utilizassem os recursos
naturais e o sistema ferroviário suecos.
Tudo para evitar uma invasão alemã.
[2] Se há um exemplo empírico perfeito do quão errado
Keynes estava ao acreditar que guerra e destruição podiam gerar mais riqueza,
este seria uma comparação entre a performance econômica da Suécia com a da
Europa continental ao longo das duas décadas após a Segunda Guerra Mundial. A Suécia, com sua econômica intacta, superou
indiscutivelmente os outros países europeus, os quais, em alguns casos, tiveram
de reconstruir suas economias quase que do zero.