I. Introdução
No debate
travado entre ambos, nos anos trinta do século passado, Keynes afirmava que a
recessões são provocadas por investimentos de menos e poupança de mais,
enquanto Hayek sustentava que elas são causadas por investimentos de mais e
poupança de menos. Evidentemente, posições assim tão antagônicas confundem
facilmente não apenas os leigos, mas também muitos economistas e, ao mesmo
tempo, mostram como a economia é um campo de estudo fascinante.
Uma das
maiores dificuldades da maioria dos economistas da mainstream é entender a Teoria Austríaca do Capital e,
consequentemente, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, porque esta última
integra a primeira com as teorias da moeda e do processo de mercado.
Em
particular, temos observado que existe uma dificuldade muito grande por parte
dos economistas - até mais do que entre os leigos - em compreender o insight austríaco, segundo o qual
variações no estoque de moeda e na taxa de juros afetam a economia de modo não
uniforme. A dificuldade é porque, em praticamente todos os casos, os
economistas recebem uma formação que divide a economia em macro e micro e sequer estudam a teoria do capital.
Em Monetary
Theory and the
Trade Cycle, de 1933 e em Prices and
Production, de 1937, Hayek salientou que as flutuações cíclicas podem ser
provocadas por fatores monetários, isto é, por aumentos da oferta de moeda não
lastreados em poupança e que o fenômeno das flutuações, embora tendo causas
monetárias, manifesta-se por alterações no setor real da economia, em sua
estrutura real de produção ou estrutura de capital. Naqueles livros, Hayek
mostrou serem diferentes os impactos de uma queda na taxa de juros causados por
aumentos na oferta de moeda e no aumento da poupança: os primeiros provocam
flutuações cíclicas, os segundos não; os primeiros são maléficos, enquanto os
segundos são benéficos. Esses impactos de uma expansão monetária não lastreada
em poupança sobre a estrutura de produção da economia podem ser chamados de efeito taxa de juros.
Mais tarde,
em Profits, Interest and Investment,
em 1939 e em The Pure Theory of Capital, em 1941, reconhecendo a
existência de lacunas nos dois livros anteriores, Hayek direcionou a atenção
para os impactos que as variações nos preços relativos provocados pelas
expansões monetárias causam sobre as decisões de investimentos. Esses impactos
constituem o efeito preços relativos.
II. O efeito
Ricardo
Os dois
efeitos são plenamente compatíveis um com o outro e ambos acontecem no contexto
do chamado efeito Ricardo, para o
qual há duas interpretações: a original, formulada por David Ricardo no início
do século XIX e a proposta por Hayek.
Segundo a teoria do valor-trabalho, que Ricardo
importou de Adam Smith, os preços relativos são determinados pela quantidade de
trabalho requerida para produzir cada produto. Para Ricardo, no entanto, isso
poderia não acontecer quando se utiliza capital, pelo motivo de que uma máquina
capaz de produzir, por um método indireto, a mesma quantidade de produto que,
por exemplo, cem trabalhadores/mês podem produzir por um método direto, requer um
número de trabalhadores inferior a cem/mês, pois, em caso contrário, não
haveria razão para se utilizar a máquina.
Consequentemente,
um aumento nos salários aumenta o custo dos cem trabalhadores em um montante
menor do que o crescimento no custo da máquina. O efeito Ricardo refere-se ao fato desse aumento de salários, ao
mesmo tempo, encorajar a substituição de homens por máquinas e diminuir os
preços dos bens produzidos com o uso da máquina relativamente aos preços dos
bens produzidos por processos mais diretos, sem a sua utilização.
Esse efeito
também funciona no sentido oposto: elevações nos preços dos bens de consumo
final diminuem os salários reais, fazendo com que as máquinas sejam
substituídas por trabalhadores. O efeito
Ricardo, portanto, em sua formulação original, refere-se à substituição de
homens por máquinas quando os salários aumentam e/ou os preços dos bens de
consumo final caem.
Entretanto,
para Hayek, que trabalhou dentro da perspectiva da Teoria do Capital Austríaca,
o efeito não pode se restringir meramente à substituição entre mão de obra e
máquinas, mas à substituição entre métodos de produção mais indiretos (roundabout) e métodos menos indiretos.
Não é correta, portanto, a impressão de que a teoria hayekiana dos ciclos econômicos é uma simples discussão acerca das
variações na proporção entre capital e trabalho ao longo do tempo.
A relevância
da expansão monetária torna-se evidente: a implantação bem sucedida de métodos
de produção indiretos requer uma provisão prévia de recursos sob a forma de
poupança voluntária. A poupança forçada, definida como
expansões no crédito não lastreadas em expansões na poupança, termina gerando
uma inflação nos preços dos bens de ordens mais baixas e reduz os salários
reais e, portanto, não é uma boa alternativa, porque o efeito Ricardo atua cumulativamente contra os métodos de produção
mais indiretos. Por isso, um boom de
investimentos desencadeado por expansão monetária está fadado ao fracasso. As
políticas keynesianas ditas de pleno
emprego são implausíveis, exatamente por causa do efeito Ricardo.
Em resumo, o
efeito Ricardo original refere-se à
substituição de homens por máquinas, quando os salários nominais aumentam e/ou
os preços dos bens caem, enquanto o efeito
Ricardo hayekiano diz respeito à
substituição de métodos mais indiretos por métodos menos indiretos, em
decorrência de aumentos salariais e/ou quedas nos preços.
As proposições de Hayek
Para efeitos
didáticos, podemos resumir as principais proposições de Hayek:
(1ª) As recessões
são causadas pelo encurtamento dos processos de produção (efeito concertina), cuja causa principal é o fenômeno da poupança
forçada que, por sua vez, é provocada pela nova moeda posta em circulação,
cujos efeitos benéficos são temporários.
(2ª) Aumentos
na poupança voluntária alargam permanentemente os processos de produção
indiretos. Em contraste com Keynes, poupar faz "bem" à economia!
(3ª) Um
aumento na demanda de bens finais causado por um crescimento não neutro na
oferta de moeda encurta inevitavelmente os processos de produção (efeito concertina) e leva futuramente,
também inevitavelmente, a uma recessão na economia.
(4ª) Níveis
excessivamente altos de gastos públicos e de impostos aumentam a relação
gastos/poupança, encurtam os processos de produção (novamente, o efeito concertina) e levam futuramente à
recessão.
(5ª) A
oferta de moeda não deve variar, exceto o necessário para contrabalançar as
variações na "velocidade de circulação", os efeitos provocados pela integração
nos negócios e as eventuais mudanças em métodos de pagamentos.
(6ª) Uma
expansão monetária efetuada fora esses casos é danosa, por encurtar, após algum
tempo, os processos de produção (outra vez, o efeito concertina).
(7ª)
Crescimentos na produção e no comércio não justificam aumentos no crédito
bancário.
(8ª) O
governo não deve tentar enfrentar as recessões fazendo reflações monetárias,
isto é, emitindo moeda, porque tais medidas apenas tenderiam a agravar o
problema, uma vez que o efeito concertina
iria se repetindo enquanto o governo persistisse em corrigir os
desequilíbrios causados pela expansão monetária sem lastro com expansões
monetárias adicionais.
III. Efeito
taxa de juros
À medida que
a taxa de juros cai, os retornos aumentam em geral, mas os processos mais
indiretos ficam relativamente mais lucrativos. A isto os austríacos denominam
de capital deepening, ou aprofundamento do capital, para indicar
que a base do triângulo de Hayek se
alarga, com a criação de novos estágios de produção à esquerda, mais afastados,
portanto, do estágio do bem de consumo final ou bem de primeira ordem.
E, conforme
a taxa de juros aumenta, os retornos caem em geral, mas com um viés em favor
dos processos de produção mais diretos. Nesse caso, tende a acontecer um estreitamento
da base do triângulo de Hayek, ou capital shallowing.
Existe,
portanto, uma assimetria nos switches
de curto para longo prazo e de longo para curto prazo, ou seja, variações na
taxa de juros não afetam de maneira proporcional todos os setores da estrutura
de produção. As variações na taxa de juros afetam a economia de uma forma
desigual ao longo da estrutura de produção. Isso não é considerado pelos
modelos macroeconômicos, em que mudanças na taxa de juros afetam toda a
economia por igual, de modo uniforme.
Simbolicamente,
sejam y o rendimento e t, t-1 e t -2 três estágios
consecutivos da estrutura de produção. Em equilíbrio, então, teríamos:
y t-2
= y t-1 = y t
Cada um
desses rendimentos ou yields é um
valor presente; por exemplo, sendo A
a margem não descontada e r
a taxa de desconto
(taxa de juros), pode-se escrever:
y t-2 = A t-2
( 1+r )-2 ; y
t-1 = A t-1 ( 1+r )-1 ; e y t = A t (1 + r)
Se as
condições iniciais são: y t-2 =
y t-1 = y t, à taxa de desconto r 0,
então:
— a uma
taxa de desconto r1 < r 0 teríamos y t-2 > y t-1
> y t, indicando que os projetos com maior duração
serão mais beneficiados do que os de curta duração e
— a uma
taxa de desconto r 2 > r 0 teríamos y t-2
< y t-1< y t , sugerindo que os projetos de prazo
mais longo são mais prejudicados do que os de prazo mais curto.
No gráfico
seguinte, VP é o valor presente de dois projetos (um "longo" e um "curto") e y
é o rendimento. A uma dada taxa de desconto (que não aparece no gráfico), os
dois valores presentes são iguais, para um dado rendimento. Evidentemente, a
elasticidade dos projetos de prazos maiores é menor do que a dos projetos de
prazos menores.

IV. Efeito
preços relativos
O
aprofundamento dos processos de produção permite obter quantidades de produto
maiores a partir de um dado volume de fatores de produção; mas estes bens só
estarão disponíveis posteriormente, e tanto mais posteriormente quanto mais
indireto for o processo de produção. Eis a decisão econômica: é mais lucrativo
manter ou alterar a estrutura de produção?
A resposta vai depender da comparação entre o preço recebido pelo bem
final e os preços que devem ser pagos pelos bens intermediários.
Tomemos o
caso de uma expansão na oferta de moeda. Ela reduz a taxa de juros, o que
aumenta o grau de roundaboutness,
isto é, acontece um alargamento da estrutura de produção. Com isso, os preços
dos bens finais irão subir comparativamente aos preços dos bens mais distantes
do consumo final, o que elevará os rendimentos nos setores produtores dos
primeiros e provocará, assim, uma redução no grau de roundaboutness. Hayek
denominou isto, como vimos, de efeito Ricardo que, em sua formulação
original, referia-se à substituição de
mão-de-obra (fator de produção de curto prazo) por capital (fator de produção
de longo prazo), em decorrência de uma redução na taxa de juros. Mas, para
Hayek e os austríacos, a substituição relevante não é entre "homem" e
"máquina", mas entre bens de capital de ordens menos elevadas e de ordens mais
elevadas ao longo da estrutura de capital. Na fase inicial do ciclo, a taxa de
juros artificialmente baixa estimula os investimentos em bens de capital em
estágios mais afastados do consumo final. Isto provocará uma disputa por bens
de capital de ordens mais baixas - complementares aos de ordens mais elevadas
-, fazendo subir os seus preços, o que provoca um aumento na demanda por
crédito (desperation borrowing) e o
subsequente aumento da taxa de juros, o que, por sua vez, encoraja a liquidação
dos projetos de produção iniciados na primeira fase, mas ainda não terminados.
O economista
G. R. Steele ( The Economics of Friedric
Hayek, MacMillan Press, Londres, 1996, cap. 8) nos dá um exemplo simples
desse fenômeno.
Sendo x0
o custo do investimento em t=0, B o valor da receita líquida contínua da venda
de bens finais, n o ponto do tempo no futuro em que a receita deixará de
existir e r a taxa de juros, então:
Steele
admite que os níveis de investimentos estejam em seus ótimos, com cada unidade
marginal (R$100) proporcionando uma taxa interna de retorno (TIR) igual à taxa
de juros de mercado (em seu exemplo, 7%). Podem se encontrar valores para B
para qualquer método de produção e, selecionando valores para n e utilizando a
equação acima, pode-se escrever:

A estrutura
de capital está em
equilíbrio. Para verificar o impacto de um aumento nos preços
dos bens finais, podemos fazer cada B subir, por exemplo, 5% e, levar os novos
valores para a mesma equação. As novas taxas internas de retorno serão:

Podemos
verificar que todos os rendimentos são agora maiores do que o original (que foi
admitido ser de 7%). Há, assim, incentivos para investir em todos os métodos de
produção (capital widening ou capital deepening), mas o incentivo é
maior para os métodos menos indiretos (capital
shallowing).
O efeito Ricardo produz, então, um impacto
inicial de aumentar o produto (embora o nível de investimento não mude), mas
produz o fenômeno do capital shallowing
ou efeito concertina - em português,
algo como efeito sanfona, já que a
concertina é um instrumento musical com fole, semelhante a um acordeão, em que,
ao abrir-se o fole pressionando um botão, obtém-se uma nota
musical e, ao fechar o fole, tem-se outra nota.
O efeito concertina refere-se, portanto,
ao fato de que a poupança forçada incentiva inicialmente métodos de produção
mais indiretos, mas, após algum tempo, os investimentos acabam sendo realocados
para os métodos menos indiretos, fazendo com que a estrutura de capital
"estique" e "encolha", tal como uma sanfona. No final das contas, o estoque de
capital "agregado" ou capital fixo diminui.
Esta proposição é que os economistas keynesianos,
entre eles Kaldor, que criticou a teoria hayekiana,
não foram capazes de entender.
A conclusão
é que a expansão monetária e a queda da taxa de juros encorajam investimentos
em capital em geral, especialmente os mais indiretos, mas o efeito subseqüente
de elevação dos preços dos bens finais tende a anular este viés, antes mesmo
que a taxa de juros aumente. No fim, vem a recessão, mas a facilidade de recursos
e a queda dos rendimentos nos estágios de bens finais deflagram o efeito
Ricardo reverso. E começam novamente a se tornar atrativos os investimentos em
métodos de produção mais indiretos.
O boom artificial induzido pela expansão
monetária provoca, após algum tempo, então, distorções consideráveis na
estrutura de produção. Mesmo antes do aumento na taxa de juros, as subidas nas
taxas de retorno fazem com que projetos investimentos de investimentos que
pareciam lucrativos tornarem-se não lucrativos e serem abandonados. Quando a
taxa de juros subir - o que acontecerá em decorrência da disputa pelo crédito
entre os setores mais próximos e os mais afastados dos bens de consumo final -
ocorrerá uma aceleração nesse processo. Adicionalmente, os efeitos da queda na
renda nesses setores agora não mais lucrativos causarão queda na demanda de
bens de consumo final e mais desemprego. A queda na demanda de bens
intermediários da estrutura de produção, gerada pela demanda de bens finais
menor, será mais um agravante.
Representação gráfica do efeito taxa de juros
Suponhamos
que a expansão monetária reduza a taxa de juros de r para r'. Os recursos
migrarão dos projetos curtos para os longos, o que, admitindo que a eficiência
marginal do capital seja decrescente, fará crescer os rendimentos dos projetos
de curtos e cair as dos longos, deslocando as curvas e eliminando os
diferenciais entre as taxas de retorno. Com isso, o equilíbrio se desloca do
ponto A e vai para o ponto B, onde os valores presentes dos dois projetos são
novamente iguais.
Mas o ponto
B não configura um equilíbrio estável, porque tanto a migração de recursos para
novos investimentos como o switch no
investimento fazem o produto final cair. Com a demanda de bens finais
constante, ou, mesmo, aumentando caso o boom
de crédito reduza o desemprego, os preços dos bens finais subirão.

Representação gráfica do efeito preços relativos
Quando os
preços aumentam, os valores proporcionais dos rendimentos futuros crescem e,
com isso, os valores presentes dos dois projetos. Mas os rendimentos aumentam
diferenciadamente. Uma elevação de x % no preço aumenta o retorno de y' para
y''' no projeto curto e de y' para y'' no longo. Se não houvesse limites para
os fundos de investimentos, o equilíbrio, à nova taxa de desconto de r',
iria do ponto A para o ponto C.
No entanto,
como os recursos são limitados, o incentivo provocará um switch dos projetos de longos para os curtos que, dado que a
eficiência marginal do capital é decrescente, fará o yield do projeto longo subir e o do projeto curto cair, o que
deslocará as duas curvas.
Comparativamente
às curvas que se cortam em C, a curva do projeto curto se desloca para baixo e
a curva do projeto longo se desloca para cima. A nova combinação ótima de
investimentos ocorrerá em um ponto como D, que admite, por sua localização, que
não haja variações no fluxo de investimento.

V. Conclusões
Este artigo
é uma extensão um pouco mais sofisticada de alguns aspectos da Teoria Austríaca
dos Ciclos Econômicos, que diagnostica as causas das flutuações cíclicas da
economia nas expansões de moeda e crédito não lastreadas em um correspondente
aumento na disposição de poupar dos indivíduos e empresas.
Ao ingressar
na economia, a moeda "nova" provoca o efeito de diminuir a taxa de juros e,
assim, estimular os projetos de longa maturação mais do que proporcionalmente
aos de custo prazo. A base da estrutura de produção se "alarga". Contudo,
quando a artificialidade da taxa de juros é descoberta pelos agentes no processo
de mercado, isto é, quando eles percebem que não se tratava de "mais poupança",
mas apenas de "mais moeda fantasiada de poupança", surge a quebra de
coordenação, que faz com que a taxa de juros suba, o que desestimula os
investimentos realizados anteriormente nos estágios mais afastados da estrutura
de produção, que deixam de se tornar lucrativos. A estrutura de produção
"encolhe". É o efeito concertina em
ação.
O efeito Ricardo hayekiano não diz respeito à substituição de trabalhadores por
máquinas no decorrer dos ciclos, mas à substituição de métodos mais indiretos (roundabout) por métodos menos indiretos,
em decorrência dos ajustamentos impostos ao setor real da economia pela
ausência de coordenação provocada pela poupança
forçada.