John
Maynard Keynes achou que tinha matado definitivamente o ouro como um padrão
monetário ainda nos anos 1930. Governos
de todo o mundo fizeram o possível para ajudar o britânico. Porém, levou mais tempo do que imaginavam. O ouro como parte do dinheiro sobreviveu até
o governo Nixon em 1971, quando ele enfiou-lhe a estaca definitiva, acabando
com o padrão ouro-câmbio. Era para ter
sido o fim do metal e o início da gloriosa nova era da prosperidade do dinheiro
de papel.
Mas
as coisas não funcionaram como planejado.
Nos EUA, a década de 1970 foi uma época de caos monetário. Um dólar de 1973 tem hoje o poder de compra
equivalente a apenas 20 cents. Ou, colocando
de outra forma: 10 cents hoje valem 2 cents; 5 cents hoje valem 1 cent, e 1
cent hoje vale... absolutamente nada.
Trata-se de uma ficção contábil que ocupa espaço físico sem qualquer
motivo.
Bem
vindo à era do papel moeda, em que os governos e os bancos centrais podem criar
dinheiro como quiserem, sem limites. O
ouro sempre foi a limitação suprema. Seu
banimento como padrão desencadeou o monstro inflacionário e o próprio leviatã,
que inchou para muito além de qualquer razoabilidade.
Mas
adivinhe só? O ouro na verdade nunca
saiu de cena. Ele continua sendo a
proteção que todos escolhem, o objeto a que todo investidor recorre em tempos
problemáticos. Ele continua sendo o mais
líquido, o mais estável, o mais fungível, o mais comercializável e o mais
confiável meio de armazenar riqueza de todo o planeta. Ele apresenta a mais confiável diferença
entre o preço da oferta e o preço da demanda em relação a qualquer outra
commodity existente no mundo, dado o seu valor por unidade de massa.
Porém,
estaria o ouro tecnicamente morto como uma ferramenta monetária? Talvez não.
Sempre que os fracassos do dinheiro de papel tornam-se mais do que
óbvios, alguém menciona o ouro e toda a histeria se irrompe. Foi exatamente isso que aconteceu na semana
passada, quando Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, fez alguns
comentários ruidosos favoráveis ao ouro.
Ele simplesmente sugeriu que seu preço deveria ser utilizado como um
critério indicativo da qualidade de uma política monetária.
O
que aconteceu imediatamente em seguida?
A casa desabou. O famoso keynesiano
Brad DeLong, da Universidade de Berkeley, chamou
Zoellick de "o homem mais estúpido que existe" e o The New York Times apressou-se em divulgar uma legião de
"especialistas" garantindo que o padrão-ouro não apenas não iria consertar as
coisas, como também iria tolher as políticas monetárias, trazer muito mais
instabilidade, trazer de volta a grande depressão e gerar todos os tipos de
sofrimentos em escala mundial.
Porém,
uma coisa essa pequena explosão conseguiu deixar clara: jornais, governos e
seus economistas acadêmicos favoritos, todos eles odeiam o padrão-ouro. E eu entendo por quê. A ausência do padrão-ouro tornou possível o
mundo do dinheiro de papel que todos eles adoram, um mundo controlado pelo
estado e por seus governantes, um mundo de enorme endividamento e de
infindáveis oportunidades de danos a serem perpetrados desde o topo da cadeia
de comando.
Uma
das mais engraçadas explosões veio de Nouriel Roubini, que listou uma série de
méritos do ouro sem reconhecê-los como tal: o ouro limita a flexibilidade e o
escopo das ações dos bancos centrais (empecilho!); sob um padrão-ouro, um banco
central não pode "estimular o crescimento e gerenciar a estabilidade de preços"
(empecilho!); sob um padrão-ouro, bancos centrais não podem servir de
emprestadores de última instância (empecilho!); sob um padrão-ouro, bancos
podem ir à falência sem serem socorridos (empecilho!).
Seu
único ponto negativo foi dizer que, sob um padrão-ouro, ocorrem mais ciclos
econômicos. Porém, nesse quesito ele
está totalmente equivocado, como bem demonstra uma rápida checagem nos dados. E como pode alguém dizer tal coisa
imediatamente após a explosão de uma das maiores bolhas da história, o que
levou o mundo à beira da calamidade (a qual ainda não acabou)? Uma notícia para Roubini: não foi o
padrão-ouro que criou esse desastre.
Como
Murray Rothbard sempre enfatizou, a essência do padrão-ouro é que ele retira o
poder dos burocratas e o coloca nas mãos das pessoas. Elas não mais continuam dependentes dos
caprichos dos bancos centrais, dos ministros da fazenda e dos apostadores dos
grandes centros financeiros. O dinheiro
deixa de ser um mero instrumento contábil e passa a ser uma forma real de
propriedade, como qualquer outra. Ele é
sólido, portátil, universalmente valioso e, ao invés de se depreciar
constantemente, seu valor se mantém ou até mesmo sobe com o passar do
tempo. Sob um padrão-ouro genuíno, não
há necessidade de um banco central, e os próprios bancos passariam a funcionar
como qualquer outra empresa: iriam à falência quando fizessem bobagens e se
revelassem incompetentes, ao invés de serem socorridos pelo governo, deixando assim
de ser essas gigantescas operações socialistas sustentadas por dinheiro
público.
Imagine
como seria manter seu dinheiro guardado e ver seu valor crescer, ao invés de
diminuir, em termos de poder de compra de bens e serviços. Assim é a vida sob um padrão-ouro genuíno. Os poupadores são recompensados ao invés de
punidos, como ocorre hoje. Ninguém
utiliza o sistema monetário para roubar terceiros. O governo só pode gastar aquilo que ele
coleta, e nada mais. O comércio
internacional não passa por reviravoltas constantes em decorrência de
alterações cambiais.
É
claro que o presidente do Banco Mundial não estava de fato se referindo a um
padrão-ouro genuíno. No máximo, ele
estava se referindo a algum de tipo de regra para tentar refrear os bancos
centrais que tentam fazer aquilo que o banco central americano está tentando
fazer atualmente: inflar a oferta monetária com o intuito de depreciar o valor
do dólar e, com isso, subsidiar as exportações.
Ainda
assim, é bom ver que ele ressuscitou o tópico.
O Mises Institute vem divulgando estudos sobre o ouro desde sua
fundação. Só pra constar, a questão do
padrão-ouro é amplamente histórica, mas não menos importante por essa
razão. As pessoas que odeiam o
padrão-ouro que vigorou no passado não têm qualquer desejo de ver reformas
monetárias sérias implementadas hoje.
Seria
eletrizante o dia em que as autoridades monetárias de fato tornassem o dinheiro
de papel diretamente conversível em ouro (ou em prata ou em qualquer outra
coisa). Duvido que viveremos esse dia em
alguma data futura. Porém, uma coisa
elas poderiam deixar acontecer imediatamente: liberar o mercado para que as
pessoas possam criar seu próprio padrão-ouro, permitindo uma genuína inovação e
uma verdadeira possibilidade de se escolher o dinheiro a ser utilizado.
É
fácil imaginar que os oponentes do padrão-ouro iriam se opor a isso também,
pois, como o próprio Alan Greenspan já admitiu em seus dias racionais, as
pessoas que se opõem ao ouro se opõem, em última instância, à liberdade humana.
Esse
debate não é sobre política monetária, na verdade. E muito menos sobre aspectos técnicos da
transição. Trata-se de um debate sobre
filosofia política: em que tipo de sociedade queremos viver? Em uma controlada por um estado sempre
crescente e que a tudo controla, ou em uma na qual as pessoas têm suas
liberdades garantidas e protegidas?
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Leia
também:
Como funcionaria o
padrão-ouro puro (parte 1)
Como funcionaria o
padrão-ouro puro (parte 2)