N.
do T.: como seria um artigo de Murray Rothbard comentando a dívida do governo
federal brasileiro? O que ele
recomendaria que fosse feito? O artigo a
seguir é uma adaptação de um texto seu, em que dados americanos foram trocados
por dados atualizados da situação brasileira.
Em
dezembro de 2002, no último mês do governo FHC, a dívida federal — mensurada
pelo total de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional — estava em R$ 838,795
bilhões. Em outubro de 2010, esse valor
já era de R$ 2,244 trilhões, aumento de 168% em 8 anos.
Eis um
gráfico da evolução da dívida federal, desde janeiro de 1995:

Os
próceres do governo federal seguem a máxima de seu líder John Maynard Keynes,
que dizia que não há problema algum com a dívida federal, pois "nós devemos
para nós mesmos". O problema é que faz
uma enorme diferença saber a qual dos dois pronomes coletivos você pertence: ao
"nós" (o infeliz pagador de impostos) ou ao "nós mesmos" (aqueles que vivem da
renda oriunda dos impostos).
Em 2002,
o total gasto com juros, encargos e amortizações da dívida foi de R$ 222,8
bilhões (em valores corrigidos pelo IGP-DI).
Em 2009, quando a SELIC estava muito menor comparada a 2002, esse mesmo
gasto foi de R$ 391,7
bilhões, o que faz com que a dívida
seja hoje, de longe, o maior gasto do orçamento federal. (Em segundo lugar vem os benefícios
previdenciários — pagamento de inativos, pensões, outros benefícios —, que
consumiram, em 2009, R$ 227,7 bilhões).
O "nós"
está cada vez mais pobre e surrado em relação ao "nós mesmos".
Conceitos e mitos
Para
pensarmos logicamente em relação à dívida pública, primeiro devemos voltar aos
princípios básicos e rever o conceito geral de dívida. Colocando de maneira simples, uma transação
de crédito ocorre quando C, o credor, transfere uma soma de dinheiro (por
exemplo, $1.000) para D, o devedor, em troca da promessa de que D irá repagar a
C — após um ano, por exemplo — o principal mais os juros. Se a taxa de juros acordada sobre a transação
for de 10%, então o devedor se obriga a pagar em um ano o total de $1.100 para
o credor. Essa liquidação completa a
transação, a qual, diferentemente de uma venda comum, ocorre ao longo do tempo.
Até
aí, está claro que não há nada de "errado" com uma dívida privada. Assim como ocorre em qualquer troca
voluntária no mercado privado, ambos os lados da troca se beneficiam, e nenhum
perde. Porém, suponha que o devedor se
meta numa encrenca, perca dinheiro e fique sem poder quitar sua dívida com
C. E aí?
Trata-se obviamente de um risco presente em toda situação de dívida, e o
devedor deve sempre se esforçar para manter sua dívida em níveis que ele
certamente pode quitar. Mas tal situação
não é um problema exclusivo do endividamento.
Qualquer consumidor pode gastar temerariamente; um homem pode torrar
todo o seu salário em uma quinquilharia cara e em seguida descobrir que não tem
mais como alimentar sua família pelo resto daquele mês. Assim, insensatezes consumistas não são um
problema exclusivo do endividamento.
Porém,
há uma diferença crucial: se um indivíduo se afunda numa dívida a qual ele não
pode quitar, seu credor sofrerá também, pois o devedor não devolveu a
propriedade do credor. Em uma análise
mais profunda, o devedor que não quita os $1.100 devidos ao credor estará
roubando uma propriedade que pertence ao credor; o que houve aqui não foi apenas
uma dívida civil, mas um dano injusto, uma agressão à propriedade de outro.
Nos
séculos passados, um devedor insolvente era tido como alguém que havia
incorrido em um delito grave; e, a menos que o credor estivesse disposto a
"perdoar" a dívida, por pura caridade, o devedor continuaria a dever o principal
mais os juros acumulados, e mais a multa por seu contínuo não-pagamento. Frequentemente os devedores eram encarcerados
e ficavam presos até que pudessem finalmente pagar tudo — um tanto draconiano,
talvez, mas pelo menos dentro do espírito adequado de se impor e fazer cumprir
os direitos de propriedade, e de defender e zelar pela inviolabilidade dos
contratos. O grande problema prático era
a dificuldade de os devedores na prisão obterem o dinheiro necessário para
quitar o empréstimo; talvez fosse melhor deixar o devedor livre, com a condição
de que sua renda fosse integralmente utilizada para pagar ao credor o que
sempre foi seu de direito.
Já
no século XVII, entretanto, os governos começaram a derramar lágrimas pelos
infortúnios e aflições dos infelizes devedores — ignorando o fato de que foram
os próprios devedores insolventes que se meteram nessa má situação — e
começaram então a subverter sua autoproclamada função de zelar pelos
contratos. Foram aprovadas leis de
falência que, crescentemente, deixavam os devedores fora de perigo e impediam
que os credores pudessem reaver suas propriedades. O roubo passou a ser crescentemente tolerado,
a imprudência passou a ser subsidiada e a frugalidade tornou-se motivo de
escárnio. Atualmente, várias e
endividadas grandes empresas não apenas estão fora de perigo, como também seus
ineficientes e imprudentes administradores frequentemente permanecem em
posições de poder, gerindo suas empresas livres de qualquer cobrança,
castigando consumidores e credores com suas ineficiências.
Os
atuais economistas utilitários e neoclássicos não veem nada de errado com isso;
o mercado, afinal, "se ajusta" a essas mudanças na lei. É verdade que o mercado pode se ajustar a
quase tudo, mas e daí? Restringir os
direitos dos credores significa que os juros ficarão permanentemente altos
tanto para o devedor honesto e equilibrado quanto para o imprudente. Mas por que deveria o primeiro ser penalizado
para subsidiar o último?
Em
uma sociedade justa, portanto, somente o perdão voluntário concedido pelos
credores livraria os devedores do perigo.
De resto, as leis de falência são uma injusta invasão dos direitos de
propriedade dos credores.
Um
mito persistente sobre a necessidade de "alívio" dos devedores é que estes
normalmente são pobres, ao passo que seus credores são ricos, de modo que uma
intervenção para salvar os devedores seria meramente uma medida de "justiça"
igualitária. Porém, tal concepção nunca
foi verdadeira: nos negócios, quanto mais rico é o empresário, maiores as
chances de ele ser um grande devedor. Donald
Trump e Silvio Santos estão espetacularmente endividados. No caso do primeiro, as dívidas excedem os
ativos. A intervenção em favor dos
devedores sempre foi defendida por grandes empresas com grandes dívidas.
Nas
atuais grandes empresas, cuja grande maioria é beneficiária de generosos
empréstimos do BNDES, o efeito das leis de falência foi o de prejudicar os
portadores de suas debêntures em benefício dos acionistas e dos atuais
administradores, que normalmente estão em conluio com políticos — fora o fato
de ter o governo como acionista via BNDES.
O próprio fato de que uma grande empresa está insolvente demonstra que
seus administradores foram ineficientes, e que eles deveriam ser removidos
imediatamente de seus cargos. As leis de
falência que permitem e prolongam a gerência dos atuais administradores,
portanto, não apenas atentam contra os direitos de propriedade dos credores;
elas também afetam os consumidores e todo o sistema econômico ao 1) darem
privilégios especiais para as grandes empresas, gerando uma concorrência
desleal contra as pequenas empresas, que não possuem o luxo de ganhar subsídios
do BNDES, e 2) impedirem que o mercado elimine de cena os administradores e
acionistas ineficientes e imprudentes, transferindo a propriedade desses ativos
para os credores mais eficientes.
Em
uma economia de livre mercado que respeite os direitos de propriedade, o volume
da dívida privada seria mantido sob vigilância pelo próprio devedor, já que não
haveria um paizão governo para ajudá-lo a se safar do credor. Ademais, a taxa de juros que um devedor teria
de pagar dependeria não somente da taxa de preferência temporal do credor, mas
também do risco que o devedor representasse para o credor. Um bom devedor, com bom histórico de crédito,
seria um mutuário "prime", que pagaria juros relativamente baixos; por outro
lado, uma pessoa imprudente ou uma pessoa em transição, que tivesse acabado de
sair de uma falência, teria de pagar juros maiores sobre seus empréstimos,
proporcional ao maior grau de risco do mesmo.
Dívida pública x dívida privada
A
maioria das pessoas, infelizmente, faz para a dívida pública a mesma análise
que faz para a dívida privada. Se a
inviolabilidade dos contratos deveria ser a norma para o mundo do endividamento
privado, não deveria o mesmo ser válido para o endividamento público? Não deveria a dívida pública ser governada
pelos mesmos princípios da dívida privada?
A resposta é não, ainda que tal resposta possa abalar as sensibilidades
da maioria das pessoas. A razão é que as
duas formas de dívida são totalmente distintas.
Se
eu pego dinheiro emprestado com alguém, eu fiz um contrato dizendo que irei
transferir meu dinheiro para esse credor em uma data futura; em um sentido
estrito, ele é o verdadeiro dono do dinheiro naquele momento e, se eu não
pagá-lo, estarei então roubando sua propriedade, a qual é dele de direito. Porém, quando o governo pega dinheiro
emprestado, ele não está se comprometendo a quitar a dívida com o dinheiro dele
próprio; ele não utiliza seus ativos como colateral. O governo não está comprometendo sua vida,
fortuna e honra sagrada, como fazem os cidadãos privados. O governo não penhora o que é dele. Ele penhora o que é nosso. E isso faz toda a diferença.
Ao
contrário de nós, o governo não vende nenhum bem ou serviço produtivo. Consequentemente, ele não possui renda
própria. Ele obtém dinheiro recorrendo à
pilhagem dos nossos recursos por meio de impostos, ou também por meio daquele
tributo velado que é a falsificação legitimada do dinheiro, popularmente
conhecido como "inflação". Há algumas
exceções, é claro, como ocorre quando o governo vende selos para colecionadores
(como faz a monarquia de Liechtenstein) ou quando ele entrega nossas
correspondências com incrível ineficiência; porém, a esmagadora maioria das
receitas do governo é obtida por meio da tributação (e da inflação
monetária). Na época da monarquia, e
principalmente no período medieval anterior ao surgimento do estado moderno, os
reis obtinham o grosso de sua renda por meio de suas propriedades rurais —
como florestas e terras agrícolas. Suas
dívidas, em outras palavras, eram mais privadas do que públicas e, como resultado,
seu endividamento era praticamente nulo em relação ao endividamento público que
começou a surgir no final do século XVII.
A
dívida pública, portanto, é bem diferente da dívida privada. Ao invés de um credor (normalmente alguém
pouco imediatista) trocando seu dinheiro por uma nota promissória emitida por
um devedor (normalmente alguém mais imediatista), o que temos é o governo recebendo
o dinheiro de credores sendo que ambos (governo e credores) sabem que o
dinheiro que será utilizado para quitar esse empréstimo não sairá dos bolsos
dos políticos e burocratas, mas sim das carteiras e bolsas pilhadas dos
infelizes pagadores de impostos, os súditos do estado.
O
governo obtém o dinheiro por meio da coerção tributária; e os credores do
governo, longe de serem inocentes, sabem perfeitamente bem que seu dinheiro
virá exatamente dessa coerção. Em suma,
os credores do governo estão dispostos a dar hoje seu dinheiro para o governo
sabendo que receberão no futuro um dinheiro oriundo do roubo dos cidadãos
trabalhadores. Isso é exatamente o oposto
de um livre mercado, ou de uma transação genuinamente voluntária. Ambos os lados estão fazendo um contrato que
só pode ser cumprido caso haja uma violação futura dos direitos de propriedade
dos cidadãos. Logo, trata-se de um
contrato imoral. Ambos os lados,
portanto, estão fazendo acordos que envolvem o roubo da propriedade de
terceiros; por isso, ambos merecem a palma de nossas mãos.
Empréstimos
concedidos ao governo não são um contrato genuíno que deve ser considerado
inviolável, assim como ladrões combinando como será a futura divisão do roubo
também não estão incorrendo em nenhum tipo de contrato sacrossanto.
Uma
dívida pública só pode ser tratada como uma transação privada caso seus
defensores se baseiem na comum, porem absurda, noção de que toda tributação é na
verdade "voluntária", e que sempre que o governo faz algo, somos "nós" que
voluntariamente estamos fazendo. Este
conveniente mito foi sagaz e decididamente desfeito pelo grande economista
Joseph Schumpeter: "A teoria que interpreta os impostos fazendo uma analogia
com mensalidades de um clube ou com a compra de, por exemplo, serviços médicos,
apenas serve para comprovar o quão distante essa área das ciências sociais está
dos hábitos científicos da mente."
O que fazer
A
moralidade e a utilidade econômica normalmente estão de mãos dadas. O déficit anual do governo federal, mais os
pagamentos anuais dos juros, os quais continuam subindo uma vez que a dívida
total acumulada não para de subir, faz com que um volume cada vez maior de
poupança privada — por definição escassa e preciosa — seja desviado para
financiar improdutivos e esbanjadores gastos governamentais, algo que inibe e
impede mais investimentos privados. Essa
realidade é sempre mascarada pelos economistas pró-governo, que espertamente
contornam o assunto ao rotular arbitrariamente todos os gastos do governo como
"investimentos", fazendo soar como se tudo estivesse supimpa porque a poupança
está sendo produtivamente "investida".
A
realidade, entretanto, é que o gasto do governo só pode ser classificado como
"investimento" no sentido orwelliano da palavra; o governo na verdade apenas se
apropria de bens de consumo para seus burocratas, políticos e grupos de
interesse. O gasto do governo, portanto,
longe de ser um "investimento", é um gasto consumista do tipo mais devastador e
improdutivo, dado que ele é feito não por produtores, mas sim por uma classe
parasítica que vive à custa do produtivo setor privado, continuamente
enfraquecendo-o.
Os
déficits e um endividamento crescente representam, portanto, um crescente e
intolerável fardo para a sociedade e para a economia, pois eles geram uma
elevação dos impostos e um contínuo desvio de recursos do setor produtivo para
o parasítico e contraproducente setor "público". Ademais, se os déficits forem financiados
pela expansão do crédito bancário, isto é, pela criação de mais dinheiro —
como está indiretamente ocorrendo hoje no Brasil —, as
coisas ficam ainda piores, dado que a inflação do crédito cria uma permanente e
ascendente inflação de preços, bem como ondas de expansão e recessão na
economia.
Infelizmente,
quitar uma dívida nacional que já está próxima dos R$ 2,3 trilhões irá
rapidamente quebrar todo o país. Pense
nas consequências de se criar novos impostos no Brasil totalizando R$ 2,3
trilhões (71% do PIB) já no ano que vem!
Outra, e igualmente devastadora, maneira de quitar a dívida pública
seria imprimindo R$ 2,3 trilhões de dinheiro novo — tanto em cédulas quanto em
dinheiro eletrônico. Esse método seria
extraordinariamente inflacionário, e os preços iriam rapidamente disparar,
devastando todos aqueles grupos de pessoas cuja renda não aumente na mesma
proporção e acabando com o valor do real.
Essencialmente
é exatamente isso que ocorre em países que hiperinflacionam, como fez a
Alemanha em 1923, e vários outros países desde então, particularmente no
terceiro mundo, como o Chile na década de 1970 e Brasil, Peru, Argentina e
Bolívia nas décadas de 80 e início de 90.
Se um país inflaciona sua moeda para cobrir seus déficits e quitar sua
dívida, os preços sobem de tal modo que a moeda torna-se um papel completamente
inútil. Houve épocas no Brasil em que,
se determinada cédula estivesse jogada no chão, ninguém se daria ao trabalho de
abaixar para pegá-la. Não valeria o
esforço. O dinheiro que um credor recebe
quando a dívida é quitada vale muito menos do que aquele dinheiro que ele
originalmente emprestou. Quando um
americano comprou um título alemão de 10.000 marcos em 1914, tal título valia
vários milhares de dólares. Esses 10.000
marcos, ao final de 1923, não valiam mais do que um pedaço de chiclete. A inflação, portanto, é uma forma dissimulada
e terrivelmente destruidora de se repudiar a "dívida pública". Destruidora porque devasta a unidade
monetária, da qual indivíduos e empresas dependem para calcular todas as suas
decisões econômicas.
Proponho,
portanto, uma maneira aparentemente drástica, porém na realidade muito menos
destrutiva de se quitar a dívida pública de uma vez só: um total e imediato
repúdio. Antes de prosseguir, voltemos a
1990: por que deveriam os pobres e oprimidos cidadãos da Rússia ou da Polônia
ou de outros países ex-comunistas serem obrigados a pagar as dívidas contraídas
pelos seus antigos senhores comunistas?
Na situação comunista, a injustiça é clara: cidadãos lutando por
liberdade e por uma economia de livre mercado sendo tributados para pagar as
dívidas contraídas pela monstruosa elite dominante. Porém, essa injustiça difere apenas em grau
da dívida pública "normal". Pois,
inversamente, por que deveria o governo comunista da União Soviética ser
obrigado a pagar as dívidas contraídas pelo governo czarista que eles odiavam e
derrubaram?
Da
mesma forma, por que deveriam os cidadãos brasileiros de hoje, aqueles que
realmente trabalham no setor produtivo, serem obrigados a pagar as dívidas
criadas por uma elite governamental que contraiu essas dívidas para benefício
próprio, de seus burocratas, de seus parasitas e de seus grupos de interesse (inclusive
grandes empresas e grandes empresários), tudo à custa do povo trabalhador? Um dos argumentos mais convincentes e
persuasivos contra o pagamento de "reparações" para negros — por causa da
escravidão dos séculos passados — é o fato de que nós, os vivos, não fomos
senhores de escravos. Similarmente, os
brasileiros não fizeram um contrato se comprometendo a pagar pelas dívidas
passadas e atuais contraídas pelos políticos e burocratas de Brasília.
Além
do argumento moral e do argumento da inviolabilidade de contratos, ambos já
discutidos, sobra um terceiro argumento contra o repúdio da dívida, este de
ordem puramente econômica: o repúdio seria desastroso pois quem, em seu
perfeito juízo, voltaria a emprestar novamente para um governo caloteiro? Ora, mas esse é exatamente o ponto positivo
dessa medida. O governo ficaria sem
crédito nenhum. E, ao negarem conjuntamente
mais crédito ao governo brasileiro, como os credores estarão propensos a fazer,
o governo será compelido a operar dentro das restrições de um orçamento
equilibrado, uma noção até então nova na história do país. Muitos dos problemas econômicos do país
durante todo o século XX podem ser atribuídos ao apetite insaciável dos
políticos por empréstimos e gastos faraônicos, culminando na aniquilação da
poupança e do capital dos cidadãos brasileiros na década de 1980, quando a
máquina de imprimir do banco central foi utilizada para atenuar
substancialmente os déficits e as dívidas do governo.
Ademais,
por que o capital privado deve ser continuamente desviado para financiar a
farra do governo? É justamente essa
desidratação do crédito sugado pelo governo que constitui um dos principais
argumentos para o repúdio da dívida, pois tal medida significaria o fechamento
de um enorme canal de destruição da poupança do público. O Brasil precisa é de poupança abundante
voltada para financiar o investimento das empresas privadas. Para possibilitar isso, o governo federal
deve se tornar magro, austero, frugal e mínimo.
O povo e a economia podem tornar-se vigorosos e prósperos somente quando
seu governo for esfaimado e miúdo.
Portanto,
o que pode ser feito? A atual dívida
total do governo federal é de R$ 2,244 trilhões (valores de outubro de
2010). Deste valor, R$ 276,3 bilhões
estão guardados em custódia no Banco Central e R$ 414,8 bilhões estão no
sistema bancário em operações compromissadas do Banco Central (o que significa
que o BACEN tem o compromisso de recomprar os títulos que vendeu aos bancos e
tem o compromisso de revender os títulos que comprou dos bancos).
Os
R$ 276,3 bilhões podem ser imediatamente repudiados, pois não faz sentido ficar
pagando juros sobre papeis parados em um cofre de uma agência de governo. Os outros R$ 414,8 bilhões, como estão nos
ativos de vários bancos — e, por conseguinte, de vários poupadores — poderão
ser deixados para o próximo passo, que será detalhado mais abaixo.
A
subtração desses dois valores deixa a dívida total em R$ 1,552 trilhão. Deste total, uma grande parte está em poder de
órgãos dos governos federal e estaduais, como, por exemplo, a Previdência Social,
o FAT e os governos estaduais, que também compram esses títulos públicos. Todos os títulos públicos em posse de órgãos
estatais devem ser imediatamente repudiados.
É ridículo que um cidadão seja tributado por um braço estatal (a Receita
Federal) para pagar juros e principal sobre uma dívida em posse de outra
agência estatal. Os pagadores de
impostos poderiam ficar com uma grande quantia de dinheiro — além de evitar
que sua escassa poupança fosse ainda mais destruída — caso essa parte da
dívida fosse imediatamente cancelada.
A
Previdência Social, por exemplo, nada mais é que um enorme esquema Ponzi. O cidadão comum crê que o INSS acumula a
quantia que coleta, investe tudo sabiamente, e então "devolve" ao "segurado" o
valor quando ele aposenta. Nada poderia
ser mais falso. O governo federal
simplesmente coleta as "contribuições" dos trabalhadores e as utiliza para
cobrir suas despesas correntes. Quando o
"segurado" se aposenta, o INSS simplesmente retira o dinheiro de quem estiver
trabalhando e repassa mensalmente a esse aposentado. Esse enorme e fraudulento esquema, totalmente
controlado pelo governo federal, é mascarado pelo fato de o INSS comprar
títulos públicos e auferir juros com mais dinheiro arrancado dos pagadores de
impostos. Esses títulos em posse do INSS
também devem ser repudiados, obrigando essa agência a trabalhar estritamente
dentro do seu orçamento até que um plano de transição específico — de previdência
pública para poupanças voluntárias e privadas — seja implantado.
O
cancelamento de todos os títulos federais em posse de agências estatais
reduziria substancialmente a dívida federal.
Nesse
ponto, restam duas opções. A primeira
seria ir adiante e implementar a sugestão inicial: repudiar imediatamente toda
a dívida federal restante, e que aconteça o que tiver que acontecer.
Tal
repúdio permitirá que o governo federal se livre imediatamente do fardo do
serviço da dívida e de suas amortizações, permitindo um corte de R$
392 bilhões de reais no orçamento. Como
o governo agora não conseguirá vender títulos da dívida, o governo federal será
forçado a operar dentro das salutares restrições que um orçamento equilibrado
exige.
No
entanto, isso poderá temporariamente afugentar os necessários investimentos,
inclusive estrangeiros, na dívida do setor privado brasileiro, de forma que o
país precisará implementar políticas que restaurem a poupança privada e o
investimento. Assim, o necessário passo seguinte
seria reduzir vigorosamente a carga tributária, de preferência em um valor
igual ao que foi liberado pelo repúdio da dívida (R$ 392 bilhões, sendo que a
receita total foi de R$ 737,4 bilhões em 2009).
Em conjunto com a redução dos impostos, os cortes de gastos devem se
concentrar majoritariamente nos ministérios, nas agências reguladoras e nos
empregos públicos. Isso irá desobstruir
o setor privado e abastecê-lo com a mão-de-obra e capital necessários; ao mesmo
tempo, irá também reverter a expansão do setor público que ocorreu na última
década.
Porém,
caso esse esquema seja considerado muito cruel e perverso, pode-se então
implantar uma segunda alternativa: por que não tratar o governo federal como
qualquer empresa falida deve ser tratada (esqueça as leis de falência e
concordata)? Sendo o governo uma
organização, por que não liquidar os ativos dessa organização e pagar aos
credores (os portadores dos títulos do governo) uma porção pro rata desses ativos? Essa
solução não custaria absolutamente nada aos pagadores de impostos e, mais uma
vez, aliviaria o cidadão do fardo de ter de pagar R$ 392 bilhões em juros,
encargos e amortizações todo ano.
Pra
começar, o governo federal deve vender todas as participações que o BNDES tem
em 90 empresas. (Quando se considera
também os fundos de pensão Previ, Petros e Funcef, o
governo é hoje sócio de 119 empresas).
O
próprio BNDES, após quase 60 anos concentrando riqueza, deve ser vendido para
um ou vários outros bancos. Encerram-se
os empréstimos subsidiados para as grandes empresas. Empresários com conexões políticas agora teriam
de se virar, pegando empréstimos às taxas de juros de mercado, sem mais
subsídios e privilégios à custa de seus concorrentes.
Todas
as estatais — principalmente Infraero, Correios, Petrobras, Eletrobras, Banco
do Brasil, Caixa Econômica, IRB — também devem ser leiloadas (veja aqui
uma apetitosa lista de todas as estatais federais existentes).
Como
levantar quase R$ 1 trilhão não é fácil, e os títulos públicos em posse dos
bancos — e que representam um fluxo de renda para vários correntistas — e em
mãos privadas devem ter prioridade, o governo federal terá de ir bem mais além. Sendo assim, ele terá de vender todas as suas terras,
liberando dezenas de milhões de hectares para moradias, mineração, agropecuária
e quaisquer outras atividades. Vários
trechos da Amazônia estão aptos a se tornar propriedade privada. Mesmo a sua simples concessão — para agradar
aos mais moderados — já pode garantir um bom trocado. Várias e nababescas instalações
governamentais em Brasília podem ser vendidas para hotéis de luxo ou para
magnatas que queiram construir mansões no local.
A
maciça desestatização e subsequente privatização de várias instalações, prédios
e terrenos pertencentes ao governo federal, em conjunto com a privatização de
várias estatais e com o repúdio de parte da dívida que está em posse de
agências governamentais contribuiriam enormemente para quitar a parte da dívida
que está em mãos privadas. Esta, porém, seria
paga apenas de acordo com as receitas auferidas pelo governo.
A
redução dos gastos do governo e da carga tributária, e a subsequente
implementação de uma política fiscal mais sensata, seriam o bônus. De quebra, haveria ainda uma urgentemente
necessária desestatização do país.
Para
que esse percurso ao menos possa ser aventado, seria preciso antes fazer as
pessoas abandonaram essa falaciosa atitude mental que confunde o que é público
com o que é privado. A dívida do governo
federal não pode ser tratada como um contrato voluntário e produtivo entre dois
legítimos donos de propriedade.