Nota: todos os gráficos a seguir utilizam
dados publicamente disponibilizados pelo Banco Central em seu site, dados estes
que, infelizmente, não possuem um link direto.
O leitor tem de ir à página
principal e dali clicar em todas as variáveis desejadas, montando a sua
própria tabela.
Toda
expansão artificial do crédito tem necessariamente de terminar em uma recessão
— ou em uma longa estagnação. Não há
como prolongar indefinidamente uma situação insustentável e não há como evitar
que o necessário processo de correção chegue.
São
dois os principais segredos para que uma recessão criada pela expansão
artificial do crédito seja rapidamente superada e a economia volte a crescer de
maneira sustentável: as dívidas pendentes têm de ser liquidadas ou reduzidas e
os preços têm de poder ser livremente reajustados para baixo.
A
recessão de 2009 no Brasil — que foi realmente uma recessão e não apenas uma
estagnação — foi curta justamente porque o governo, incrivelmente, não tentou
impor nenhuma política de preços e de proibição de demissões, e acabou
permitindo, ainda que involuntariamente, que os preços no atacado — o IGP-M,
muito utilizado no meio empresarial para o reajuste de custos — pudessem
cair. E, de fato, o IGP-M ficou negativo
durante a maior parte daquele ano. Como
resultado, os preços das matérias-primas agrícolas e industriais no atacado
apresentaram variação mensal negativa de dezembro de 2008 até agosto de 2009,
de modo que, no acumulado de 2009, o IGP-M fechou com deflação de 1,71%.
Esta
deflação do IGP-M, em conjunto com as demissões ocorridas na época — o
desemprego chegou a 9% —, ajudou a recuperação financeira das empresas,
deixando-as preparadas para mais investimentos e novas contratações.
O
gráfico a seguir mostra a variação anual do IGP-M e a variação anual da oferta
monetária M1 (papel-moeda em poder do público mais contas-correntes), que
representa o dinheiro prontamente disponível para ser utilizado por empresas e
indivíduos. Todas as vezes em que o
crescimento anual do M1 (linha vermelha) foi menor do que o crescimento anual
do IGP-M (2003, 2008/2009, 2011/2012), houve recessão no setor industrial e
aumento das demissões neste setor.

Duas
observações: quanto maior for a taxa de crescimento do M1 em relação ao IGP-M,
maior tende a ser o volume de investimentos e de contratações, pois as receitas
das empresas — aumentadas pelo aumento da oferta monetária — aumentam mais
rapidamente do que seus custos.
Adicionalmente, ao passo que em 2009 o IGP-M entrou em terreno negativo,
na atual estagnação da economia brasileira o IGP-M foi para um mínimo de 3,24%,
e já voltou a subir. Isso exigirá uma
expansão bem mais vigorosa do M1 para que a indústria volte a contratar. Como a inflação de preços segue acima da meta
de 4,5%, não há muito espaço para esta manobra.
E como o endividamento dos consumidores (ver abaixo) segue crescente,
não há garantias de que uma expansão monetária os estimule a consumir mais.
PIB e M1
O PIB mensura apenas o valor monetário (ou seja, preços) de todos os bens e serviços finais que foram comprados e
vendidos dentro das fronteiras do Brasil em um dado ano. Ou seja, o PIB é
apenas um cálculo de todas as transações monetárias envolvendo bens e serviços
finais. Ele é utilizado para mensurar o gasto agregado da
economia.
Quanto mais se gasta em bens e serviços — isto é,
quanto maior o volume de gastos —, maior será o PIB. Isso significa que o PIB é uma equação que
depende primordialmente da inflação monetária — ou seja, do aumento da
quantidade de dinheiro na economia. O valor do PIB aumenta de acordo com
essa inflação. Se o Banco Central aumenta a quantidade de dinheiro na
economia, isso elevará a quantidade de transações monetárias (volume de gastos)
que ocorrem na economia. Mais ainda: aumentará os preços. Logo, o
valor monetário dos bens e serviços será maior. Por conseguinte, o PIB
também será maior. Esse resultado
nominal é dividido por um questionável deflator de preços, para se obter o PIB
real.
Logo,
quanto maior for a injeção de dinheiro na economia, maior será o volume de
gastos — e consequentemente maior será o "crescimento econômico"
mensurado pelo PIB. Em suma, mais dinheiro gera mais gastos, o que gera
maior "crescimento econômico".
Isso é a
teoria. Abaixo, um gráfico confirmando
esta teoria na prática. O gráfico mostra
a taxa de crescimento anual do M1 e a taxa de crescimento anual do PIB
mensurado pelo Banco Central, que utiliza sua medida 'Índice de Atividade
Econômica do Banco Central' (IBC-BR) como uma "proxy" do PIB do IBGE (o IBGE,
infelizmente, não divulga valores mensais do PIB).

A redução
na taxa de crescimento do M1, iniciada ainda no final de 2010 — quando o Banco
Central começou a elevar a SELIC e a estancar o crescimento da base monetária —,
gerou a forte redução atual no crescimento do PIB, que saiu de um crescimento
anual de 8% em novembro de 2010 e caiu para 1,54% em abril de 2012.
A
dinâmica mostra que o PIB continuará caindo pelos próximos meses, dado que o
crescimento do M1 está no menor nível dos últimos 8 anos.
Crescimento do crédito e emprego
Algo
que vem chamando muita atenção é a resiliência do emprego. Mesmo com o PIB estagnado, a taxa de
desemprego se mantém estável em níveis historicamente baixos. Mas há explicações.
Analisando-se
os últimos
dados do IBGE, apenas o setor público está contratando (novidade?). O número de trabalhadores com carteira
assinada no setor privado já estagnou. E
meu palpite é que as demissões só não aumentaram porque o governo as "proibiu"
quando, ao reduzir o IPI, exigiu a contrapartida da não-demissão por parte das
empresas (industriais e do varejo), exigência esta que foi renovada
na sexta-feira passada. Embora esta seja
uma medida extremamente popular, seu real efeito é sangrar o balanço contábil
das empresas, que, ao não poderem demitir, não podem reduzir seus custos. Isso pode afetar severamente sua capacidade
de investimentos de longo prazo. Mas o
senhor Mantega, obviamente, não tem a mínima ideia do que seja isso.
Mas
o que governa a expansão do emprego? O gráfico
a seguir mostra a evolução do crédito total concedido ao setor privado (linha
azul, eixo da direita) e o número de empregados no setor privado (linha
vermelha, eixo da esquerda), segundo o IBGE. O crédito total abrange todo o crédito
concedido ao setor industrial, ao setor comercial, ao setor de serviços, ao
setor rural, à compra de imóveis, e às pessoas físicas.

Analisando
os números absolutos, este gráfico não diz muita coisa. Por isso, o melhor procedimento é fazer um
gráfico que mostra a taxa de crescimento
anual do crédito total ao setor privado e a taxa
de crescimento anual do total de empregados no setor privado (o que deixa de
fora os empregos no setor público).

Desnecessário
dizer que a variação do emprego se dá de acordo com a taxa de crescimento do
crédito. Como bem explica a teoria
austríaca dos ciclos econômicos, uma expansão do crédito estimula tanto
investimentos de longo prazo quanto um aumento do consumo. Consequentemente, a expansão do crédito faz
aumentar a demanda por mão-de-obra na indústria e na construção civil, mas ao
mesmo tempo os setores de serviço e comércio continuam requerendo mão-de-obra e
recursos, pois não houve aumento na poupança (abstenção de consumo). Assim, começa a haver uma batalha por
mão-de-obra e por recursos, o que leva ao encarecimento de ambos.
Logo,
para se manter esta taxa de "crescimento econômico", é necessária uma taxa crescente de expansão do crédito. Somente um aumento contínuo do crédito, ou
seja, somente uma aceleração do
crédito permite que os empreendedores de todos os setores mantenham ou aumentem
sua força de trabalho e mantenham ou aumentem suas aquisições de bens de
capital a serem utilizados em novos investimentos. Somente uma expansão do crédito permite aos
empreendedores continuarem adquirindo
mão-de-obra e bens de capital, uma vez que esta mesma mão-de-obra e estes
mesmos bens de capital estão sendo demandados por todos os setores da economia, justamente em decorrência do
aquecimento gerado pela expansão do crédito.
Isso
gera uma queda no desemprego e um aumento nos preços e nos salários, o que leva
à necessidade de expandir ainda mais rapidamente o crédito para que seja
possível manter este ciclo. Com o tempo,
obviamente, toda esta expansão do crédito irá levar a um acentuado aumento nos
preços, o que fará com que o Banco Central restrinja a expansão da base
monetária e, consequentemente, a expansão do M1. Caso a expansão do crédito seja reduzida —
note que ela não precisa se contrair, basta apenas que ela pare de crescer ou
passe a crescer a taxas menores —, todo este arranjo "virtuoso" (na realidade,
totalmente artificial) se arrefece.
E
é exatamente este mecanismo que pode ser observado no gráfico acima. Quando o crédito está acelerado, o emprego no
setor privado cresce. Quando ele
estagna, o crescimento do emprego arrefece.
E quando o crédito se desacelera, o emprego se contrai (vide 2009). O crescimento do crédito no Brasil se
estagnou no primeiro semestre de 2011 e começou a desacelerar no segundo
semestre. O crescimento do emprego foi
junto. Por exemplo, ao passo que em
abril de 2011, o número de pessoas empregadas no setor privado havia crescido
4,7% em relação a abril de 2010, em abril de 2012 o crescimento foi de 1%. No momento, o crédito segue estagnado, o que
tende a fazer com que a criação de empregos continue andando de lado.
Setor imobiliário
Abaixo,
o gráfico da evolução do crédito total concedido ao setor habitacional. O crédito ao setor habitacional se refere ao
crédito concedido para a aquisição de unidades residenciais

Analisando-se
exclusivamente o gráfico acima, nota-se um forte crescimento iniciado a partir
de 2005. Porém, excetuando-se este
detalhe, não parece estar havendo nada de diferente neste mercado, correto?
No
entanto, analisemos o gráfico da taxa
de crescimento anual do crédito concedido ao setor habitacional.

Este
gráfico mostra uma realidade bem mais interessante. Ele mostra que, como já havia sido
identificado no gráfico anterior, a expansão do crédito para a aquisição de
imóveis de fato começou a ser inflada em 2005.
Depois, apresentou uma ligeira arrefecida no final de 2006/início de
2007, voltando a acelerar fortemente em 2008, desacelerando um pouco em 2009 e
voltando a acelerar a todo vapor em 2010.
No início de 2011, a aceleração estancou; no segundo semestre, começou a
desaceleração.
Portanto,
de acordo com a teoria austríaca, o setor imobiliário entrou em estagnação
desde o início de 2011. Afinal, como
dito, não é necessário haver nenhuma contração do crédito (algo muito longe de
ocorrer, dado que ele segue crescendo mais de 40% ao ano). Basta apenas que haja uma redução na taxa de
crescimento, que é o que está acontecendo.
Ela caiu de 54% para 42%. Vale observar que, até então, nunca havia
ocorrido nenhuma redução desde 2003.
Quando
o crédito direcionado ao setor imobiliário parou de se acelerar, as bases para
a subida contínua nos preços foram removidas.
A redução nesta expansão do crédito significou um arrefecimento da
demanda por imóveis, pois um dos principais componentes da demanda por imóveis
advinha exatamente dos fundos gerados pela expansão do crédito. Um declínio nesse componente gerou um
equivalente declínio na demanda geral por imóveis. O declínio na demanda por imóveis foi, obviamente,
seguido de um declínio nos preços dos imóveis.
Os
preços dos imóveis já caíram, mas este é um fato que está sendo muito astutamente
ocultado. Por exemplo, em vez de dizer
que não mais estão conseguindo vender por aqueles preços que haviam imaginado
ser possível, as construtoras preferem dizer que estão "fazendo ofertas" ou "oferecendo
descontos e promoções". Mas não existe
desconto em um mercado genuinamente aquecido.
Existe apenas queda de preço.
Quando
o crédito para o setor estava fluindo aceleradamente, começando em 2008 e se consolidando
em 2010, várias construtoras se animaram com as perspectivas de lucro fácil, se
endividaram e foram lançar projetos.
Agora, no entanto, com a desaceleração do crédito para a aquisição de
imóveis, tais perspectivas de lucros não mais estão se concretizando, e várias
construtoras estão enfrentando dificuldades em seus balancetes. As cotações das ações de algumas empresas
imobiliárias listadas na Bovespa estão próximas de suas mínimas históricas (Rossi
Residencial, PDG Realty, Brookfield e Gafisa.)
Crédito para pessoa física
Enquanto
a expansão generalizada do crédito se mantém, ela gera uma aparência de riqueza
real, e fornece as bases para um forte aumento no poder de compra e um
correspondente aumento nos preços dos bens, dos serviços e de todos os tipos de
ativos, principalmente imóveis. Porém,
assim que essa expansão do crédito diminui, as bases para a lucratividade de
todas as atividades até então sustentadas pela expansão do crédito são
extintas. Isso ocorre porque a expansão
do crédito estava sustentando projetos cuja lucratividade dependia de uma
demanda que só poderia ser mantida pela contínua expansão do crédito.
Vejamos
a evolução do crédito para a pessoa física (excetuando-se o crédito direcionado
à reforma ou aquisição de habitações), que é o que dá o sustento artificial a
toda a atividade econômica. Primeiro, o
gráfico da evolução do crédito total; depois, o gráfico da taxa de crescimento anual deste crédito.


Observe
que o crédito à pessoa física, depois da forte desaceleração do final de
2008/início de 2009, vinha crescendo a taxas constantes desde o segundo
semestre de 2009. Porém, no final de
2011, entrou em desaceleração, estando hoje crescendo a uma taxa maior apenas do
que aquela de 2003. O motivo desta
desaceleração certamente é o acentuado aumento do endividamento das famílias e
do comprometimento do orçamento das famílias com o pagamento do serviço da
dívida.

Este
aumento tem levado a inadimplência
a níveis recordes, e enquanto isto não for resolvido — ou seja, enquanto os
valores no gráfico acima continuarem ascendentes —, a capacidade de as pessoas
seguirem tomando crédito continuará em queda.
E
isso está afetando todos os outros setores da economia. Medidas de incentivo ao consumismo e ao
endividamento irão apenas prolongar a estagnação da economia.
Indústria, comércio e serviços
A
seguir, os gráficos da evolução do crédito concedido ao setor industrial,
comercial e de serviços. Primeiro, o
gráfico da evolução do crédito total para cada setor; depois, o gráfico da taxa de crescimento anual do crédito
para cada setor.

Note
que o mesmo padrão se repete. Após a
forte expansão de 2006, 2007 e 2008, houve forte contração em 2009. Após nova e vigorosa expansão em 2010 — ano
em que todos três indicadores acima cresceram mais de 100%, com a indústria
crescendo mais de 800% —, outra desaceleração em 2011 e estagnação em
2012. Apenas o setor de serviços
apresenta uma reação, e é justamente aí em que estão sendo criados empregos.
No
caso específico da indústria, que é hoje o setor que mais preocupa os
"especialistas", suas atuais dificuldades são fáceis de entender. É só observar o crescimento do crédito
direcionado para este setor de 2004 a 2008, e sua vigorosa retomada em
2010. Tamanho volume de crédito
estimulou a demanda por mão-de-obra e levou à produção e aquisição maciça de
bens de capital, certamente fazendo com que vários investimentos ruins e
insustentáveis fossem empreendidos, levando à ampliação de um setor para o qual
a demanda não havia crescido correspondentemente. O atual processo de redimensionamento — e
suas concomitantes demissões — por que passa este setor nada mais é do que o
processo de correção de um setor que for hipertrofiado em decorrência de todo o
crédito — privado e estatal — direcionado a ele.
Tanto
a inadimplência de indivíduos e empresas — em
preocupante ascensão — quanto todo o processo
de reestruturação que está ocorrendo possuem a mesma causa. Os indivíduos
se endividaram para poder consumir, na crença de que o crédito continuaria
farto e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a
quitação destas dívidas. Já as empresas embarcaram
em investimentos de longo prazo levadas tanto pela redução artificial dos juros
criada pela expansão monetária do Banco Central (o que fez com que os
investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela
expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos
produtos criados pelos seus investimentos.
No
entanto, tão logo o Banco Central reverteu sua política monetária e reduziu a
taxa de crescimento da quantidade de dinheiro na economia brasileira, todos estes
projetos se comprovaram irrealizáveis.
No caso dos indivíduos, esta redução na taxa de crescimento da oferta
monetária fez com que suas rendas não aumentassem como haviam previsto, o que
torna suas dívidas difíceis de serem quitadas.
No caso das empresas, tal redução faz com que suas receitas futuras não fossem
as previstas, ao mesmo tempo em que seus custos (com mão-de-obra e bens de
capital) seguiram crescendo em decorrência da inflação passada.
Conclusão
A
economia brasileira, ao contrário do que dizem os arautos da prosperidade,
principalmente aquele cavalheiro que ocupa o Ministério da Fazenda, não possui
nenhuma base sólida. Todo o nosso
crescimento é baseado na expansão artificial do crédito comandada, em última
instância, pelo Banco Central. Sempre
que esta expansão se arrefece, toda a economia esfria, e vários setores
recorrem ao governo em busca de protecionismo e subsídios. Aquilo que a imprensa chama de voo de galinha
nada mais é do que a recorrente manifestação da teoria austríaca dos ciclos
econômicos.
Para
haver crescimento econômico sólido é necessário uma sociedade que poupe, que
acumule capital e que apresente uma ampla divisão do trabalho. A economia brasileira, por sua vez, possui um
estado amplamente interventor, vorazmente tributador e descontroladamente
perdulário, o que afeta justamente a divisão do trabalho, a formação de poupança e a acumulação de
capital.
Enquanto esta realidade não for alterada, ficaremos em vão torcendo para
que a galinha crie asas com turbinas.