Era uma
das tardes mais frias que eu já havia presenciado em Washington, DC.. A
temperatura marcava -10ºC, e até as estações de metrôs operavam com
resiliência.
Em um
auditório para mais de duas mil pessoas, eu estava na primeira fileira, somente
três assentos à direita de Ron
Paul. O que nos unia ali era a vontade de ver Edward Snowden, que
falaria diretamente de sua localização secreta na Rússia para mais de dois mil
estudantes reunidos na capital americana.
O momento
que mais chamou a atenção foi quando Snowden relatou de uma conversa que teve
com Daniel Ellsberg
(famoso whistleblower
da Guerra do Vietnã), discutindo quando era o momento certo para "soprar o
apito" e alertar a todos das violações cometidas por
autoridades do país.
De acordo
com Jacob Stafford, o termo whistleblower
tem uma origem interessante:
O termo "soprando o apito" (whistleblower) surgiu
inicialmente no começo do século XX, e seu sentido era literal: significava o
cessar de uma atividade esportiva.
Na década de 1930, o sentido de "whistleblower"
havia evoluído para o de uma pessoa que revela informações, normalmente com
conotações negativas. Ser um "whistleblower" significava ser uma pessoa que
alertava as autoridades sobre atividades ilícitas. Era um "dedo-duro".
Contudo, desde os anos 1970, o termo começou a assumir
uma conotação universal positiva. Uma moderna definição de "whistleblower"
significa uma pessoa que "revela corrupção ou transgressões.
Quando o
juiz Sergio Moro revelou os
diálogos das escutas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a atual Chefe
de Estado, retirando o sigilo sobre as gravações, ele justificou sua medida dizendo
que conteúdo das conversas era muito grave, e mencionou a necessidade
de escrutínio público desse conteúdo.
E quem
pode discordar? Nas palavras do Ministro do STF, Gilmar Mendes, o conteúdo das
gravações indicava uma evidência, na forma de confissão, de atos ilícitos como abuso
de direito, fraude à lei, e desvio de finalidade/poder.
E tudo isso
feito pela pessoa que havia
voluntariamente jurado defender a Constituição em sua posse: a própria
Presidente da República.
Uma
definição geralmente aceita de whistleblower
no Direito Internacional, refletida a partir de algumas codificações
domésticas,[1]
é: "um
funcionário público que revela uma ilegalidade governamental na forma de
desperdício de dinheiro, abuso e corrupção."
A
definição parece ser adequada ao ato de Moro, o qual erigiu-se e denunciou a
maior autoridade do país — a Chefe de Estado — da grave prática de desvio de finalidade e de
poder, indo totalmente contra o estipulado na Constituição.
Mas o que
significa reconhecer que moro agiu como um whistleblower?
No direito
internacional geral (general
international law), o whistleblower
deve ser protegido
de qualquer ato discriminatório, ou seja, ser tratado ou punido de forma
que não considere a denúncia que realizou (o whistleblowing). Estapafúrdias, então, são as ameaças da presidente
sugerindo
indiretamente que Moro deveria ser preso.
Algumas
legislações proíbem explicitamente o uso de retaliações contra o whistleblower,[2]
bem como proteção contra medidas
administrativas, que no Brasil poderiam
vir do CNJ.
A doutrina
do whistleblower é tão emergente no direito internacional, que até mesmo dentro de empresas surge a figura, dada sua
importância na preservação da liberdade, propriedade e respeito às regras do
jogo.
Mas por
que esse teria sido um ato libertário
de whistleblower? Simples: porque a
liberdade ganhou com esse ato, e o estado perdeu. E não somente no sentido
moral de que "o leviatã está nu", mas também por razões práticas.
As
políticas corruptas de Dilma Rousseff resultaram nos últimos anos em grandes
perdas para a liberdade no Brasil. Desde quando o PT assumiu o governo, em
2003, nossa nota em liberdade econômica, conforme o índice de liberdade econômica
feito pela Heritage Foundation, caiu de um pico de 63.4, para os atuais
56.5 (queda de 11%), conforme pode ser denotado na imagem abaixo.
Além
disso, conforme mostra a linha cinza, desde 2007 somos menos livres do que a
média global. Tudo isso obra e graça do trágico legado da Nova
Matriz Econômica, dos escândalos
(e então perdas) da Petrobrás, e de todos os outros danos na economia
gerados pelo nosso "capitalismo
de estado" orquestrado pelo PT — arranjo esse que só prospera onde a corrupção
é forte e que afeta, como sempre, os mais pobres.
Até no
curto prazo sofremos por causa dessa situação criada. Os escândalos diários — os quais, como bem
disse um site de humor, fazem com que a série House of Cards pareça a Peppa Pig — têm levado a bolsa e o dólar a
oscilações selvagens, desestimulando qualquer investimento de mais longo prazo.
Como bem
apontou nosso Editor-Chefe, a previsibilidade e a confiança são um fator
importantíssimo para uma economia, razão pela qual os austríacos cunharam o
termo "Incerteza Gerada
pelo Regime".
Moro não é
um libertário, obviamente. Suas sentenças muitas vezes fogem do que um juiz
libertário (ainda que minarquista) decidiria.
Mas é
inegável que o ato de exposição do leviatã, no momento exato em que este se
preparava para nos morder de uma maneira sem precedentes, foi sim um ato
libertário de whistleblowing. Sua simbólica frase
de que "uma sociedade livre exige que governados saibam o que fazem os
governantes que agem protegidos pelas sombras" é digna de elogios.
Palmas
para ele.
[1]Lembrando
que, de acordo
com o art.38(1) do ICJ, atos e leis domésticas, quando repetidos de maneira
uniforme, formam uma fonte/definição no direito internacional costumeiro, como igualmente
notado no Continental Shelf Case.
[2]Retaliação
é proibida na lei norte-americana 5 U.S.C. 2302(b)(8).