Vocês se lembram de quando a Uber chegou ao Brasil?
Nos primeiros meses, os grandes tubarões dos outros
meios de transporte pressionaram os governos por uma efetiva proibição.
Ou, ao menos, pela regulamentação do setor.
Muitas pessoas, inclusive liberais, fizeram coro a
esta exigência regulatória, acreditando que uma eventual regulamentação do
aplicativo seria encarada como uma autorização
para sua existência e operação — e que, portanto, seria positiva.
O resultado foi que, em muitas cidades, o aplicativo
é tão regulado que possui taxas, impostos e encargos excepcionais que encarecem
o serviço e prejudicam o consumidor a ponto de tornar sua prestação
desvantajosa.
Libertários sabem que o ideal seria que não houvesse
nenhuma regulamentação, e que a empresa pudesse ter a liberdade de decidir com
seus parceiros e consumidores os melhores métodos e tarifas, sempre correndo o
risco de perder seus clientes para uma boa concorrência.
Mas há alguns libertários, no entanto, que acreditam
que esse mesmo raciocínio não se aplica a um ambiente
global.
A recente polêmica do TPP
(Trans-Pacific Partnership) é um bom exemplo.
Para vários libertários, dentre os quais eu me
incluo, o TPP é o oposto de livre comércio. Trata-se de um calhamaço de mais de
mil páginas que especificam inúmeras regulamentações para os participantes. Há
capítulos específicos para nada menos que 22 assuntos, dentre eles leis
ambientais, patentes, compras governamentais, novas regulamentações para o
e-commerce, políticas específicas para o setor de têxteis, políticas
específicas para o setor de remédios, regras sobre a origem de produtos,
exigências de verificação e a imposição de leis trabalhistas (o Vietnã seria
obrigado a criar sindicatos).
Acordos de "livre comércio" como a TPP nada mais são
do que acordos que implantam um comércio regulado e dirigido pelos governos em
prol de grupos de interesse poderosos (grandes empresários ligados ao governo e
grandes sindicatos). Acordos comerciais apenas ampliam o poder regulatório dos
governos e sua capacidade de conceder mais privilégios.
Um genuíno acordo de livre comércio, caso dependesse
de aprovação do governo, precisaria apenas de uma ínfima legislação, declarando que:
Por
meio desta, o governo [insira o nome do gentílico] elimina todas as vigentes
barreiras, restrições e proibições à livre e irrestrita exportação e
importação, compra e venda, de todos os bens e serviços entre [nome do país] e
toda e qualquer nação do mundo. O
governo [insira o nome do gentílico] declara que todas as formas pacíficas e
não-fraudulentas de comércio e troca são questões exclusivas do foro privado de
cada indivíduo, e dizem respeito apenas aos cidadãos do [insira o nome do país]
e do resto do mundo envolvidos na transação.
Esta lei entra em vigor imediatamente.
Pois bem.
O governo Trump rejeitou
o TPP, ainda que por outros motivos. Muitos liberais e
libertários estão defendendo que o acordo, por ser um "acordo comercial", teria
ao menos um ponto positivo, sendo na verdade um impulso na direção do livre
mercado.
Tal raciocínio se assemelha àquele que defende a
regulação do Uber e de outros aplicativos de transporte individual privado como
símbolo de aceitação governamental e do mercado.
A globalização é a personificação do livre comércio,
o qual todos consideramos essencial para o mercado verdadeiramente capitalista.
O grande problema é que governos, empresários corporativistas e políticos
enxergaram na globalização e nas inovações de mercado a oportunidade perfeita
para beneficiarem suas próprias "panelinhas".
O mercado aberto cria riqueza, aproxima pessoas e
culturas distantes, incentivando um mundo mais próspero e seguro. O argumento
anarcocapitalista de que as guerras seriam reduzidas ao mínimo na ausência de
governos reside justamente na certeza de que o comércio e a movimentação de
riquezas livremente acordados podem ser mais vantajosos para diferentes pessoas do que o conflito da guerra em si. Sabendo disso, nada mais desejável a
governos e burocratas que, de um lado, sejam providenciadas regulações específicas
que aparentemente resguardem a boa operacionalização desta liberdade de
mercado, e, de outro, que essencialmente visem a manipular diversos aspectos
das negociações para favorecer seus políticos, empresários amigos e esquemas de
recompensa.
Ao fim e ao cabo, são inseridas tantas regras,
taxas, condições e arbitrariedades, que se evidencia não haver qualquer
preocupação com a preservação real da liberdade de quem mais importa — o
indivíduo, o consumidor final nesta cadeia econômica.
Se a regulamentação de um governo é capaz de
engessar uma economia, imagine a combinação da regulamentação de diversos
governos ao mesmo tempo? Isso não é liberalização, é centralização de poder.
Temos como exemplo o NAFTA — North American Free
Trade Agreement.
Sobre ele, Rothbard escreveu:
O
NAFTA é mais do que um acordo comercial dirigido pelas grandes corporações. Ele
é parte de uma longa campanha para integrar e cartelizar os governos com o
intuito de fomentar uma economia intervencionista. [...] As negociações do
NAFTA têm inovado ao centralizar o poder governamental para todo o continente,
diminuindo ainda mais a capacidade dos pagadores de impostos de oporem alguma
resistência às ações dos seus governantes.
Assim,
o canto da sereia que os defensores do NAFTA utilizam é a mesma melodia
sedutora que os eurocratas socialistas usaram para tentar fazer os europeus se
renderem ao estatismo gigantesco da Comunidade Européia: não seria maravilhoso
fazer com que a América do Norte fosse uma vasta e poderosa "unidade de
livre comércio" como a Europa?
A
realidade é bem diferente: intervenção socialista e planejamentos feitos por
uma Comissão supra-nacional do NAFTA ou por burocratas de Bruxelas que não
precisam prestar contas a ninguém.
O verdadeiro livre comércio é espontâneo; é feito
entre indivíduos de comum acordo, ainda que estes estejam em diferentes nações.
A partir do momento em que apoiamos que governos endossem,
por meio de sua coerção, a suposta existência de um livre comércio, estamos nos
rendendo à lógica estatista.
Embora a conclusão (livre mercado) seja um objetivo
claramente libertário, o raciocínio que busca legitimá-lo por meio de canetadas
do governo é intervencionista e, portanto, capaz de distorcer a economia e
comprometer o verdadeiro capitalismo.
Para continuar estudando o assunto:
* O que realmente está por trás do acordo de 'livre comércio' entre EUA e países do pacífico?
* Acordos de Livre
Comércio envolvem muito mais 'acordos' do que 'livre comércio
* "Commanding
Heights" (episódio 3)
* Trans-PacificPartnership Trade Pact: Yes, No, and
Maybe"
* O Mito do NAFTA
* Read Cato Trade's Comprehensive Analysis of the Trans-Pacific
Partnership
* Should free traders support the trans-Pacific
Partnership?
* We Need Actual Free Trade, Not the TPP