Em setembro de 1932, Ludwig von Mises estava em Bad
Kissingen, Alemanha, em um encontro da 'Sociedade para Políticas Sociais' (Verein für
Sozialpolitik, uma importante sociedade formada por economistas de língua
alemã, e que existe até hoje), quando repentinamente perguntou a todos que ali
estavam reunidos: "Vocês já se deram conta de que estamos todos aqui
reunidos pela última vez? A ascensão de Hitler ao poder irá colocar um fim em
encontros desse tipo."
De início, os ouvintes de Mises se mostraram espantados
com sua declaração. Depois eles riram.
Mas Mises continuou: "Hitler estará no
poder em 12 meses".
Ludwig von Mises, um judeu em uma sociedade que
estava se tornando crescentemente antissemita, e um economista que entendia os
princípios da ação humana, já pressagiava o que estava por vir. Ele já
havia percebido que as políticas intervencionistas que vários governos europeus
estavam seguindo levariam todo o continente e seus habitantes ao desastre. Na
primeira metade da década de 1930, a influência do nazismo na Áustria crescia
sombriamente. Sendo um liberal da velha guarda e um judeu, Mises sabia que
seus dias estavam contados.
Mises anteviu o fim da liberdade na Europa
Central. Mas o mundo não ouviu seus alertas.
Ele temia que os nazistas tomassem o controle da
Áustria, e ele estava correto. Sendo um economista defensor do livre mercado —
conhecido pela esquerda como o mais implacável oponente do intervencionismo
econômico — e um judeu, ele não sobreviveria se continuasse na Áustria.
Os outros que estavam presentes ao encontro acharam
isso improvável. "Mas mesmo que isso ocorra", eles perguntaram,
"mesmo que Hitler de fato venha a assumir o poder, por
que nossa Sociedade não se encontraria de novo?"
Hitler, respondeu Mises, não toleraria encontros de
intelectuais que poderiam um dia se tornar seus oponentes.
Hitler subiu ao poder na Alemanha em março de 1933,
seis meses após o encontro da Sociedade em setembro.
Como Mises havia antecipado, a Sociedade só voltou a
se reunir depois do final de Segunda Guerra Mundial.
Sentindo que sua captura era apenas uma questão de
tempo, Mises aceitou um cargo em Genebra — no Institut de hautes études
internationales (Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais) — e
para lá se mudou em 1934, aceitando um dramático corte salarial.
Mas ele manteve seu antigo apartamento em Viena,
para onde voltava com frequência.
Em 13 de março de 1938, isto é, antes do início da
II Guerra Mundial, e no dia seguinte à chegada na Áustria para iniciar a
Anschluss (anexação da Áustria), o comandante da S.S., Himmler, invadiu o
apartamento de Mises em Viena para capturá-lo.
Dois dias antes, Himmler chegara a Viena com um
pequeno contingente armado, com o objetivo de capturar os adversários mais
importantes de Hitler e confiscar sua propriedade antes da anexação da Áustria.
No fatídico dia 13 de março, o exército alemão chega
à Viena e marcha triunfalmente pelo país. Um grupo destacado de Himmler foi
atrás de Mises. Ao chegar a seu apartamento, Mises não se encontrava. Sua noiva
Margit, que ainda morava em Viena, conseguiu enviar um telegrama para Ludwig,
que naquela data já havia voltado para Genebra: "Não precisa
vir".
Como os nazistas não tinham a informação de seu
noivado, ela e sua filha Gitta conseguiram obter a papelada necessária, bem
como as passagens de trem, deixaram a Áustria e viajaram para a Suíça.
No fim de março, a Gestapo confiscou 21 caixas de
bens de propriedade de Mises, e selou seu apartamento. No outono, a Gestapo
voltou e levou todo o resto. Pilharam tudo — os livros que Mises havia
colecionado por décadas, sua correspondência pessoal, pinturas, prataria,
documentos em geral, e até suas roupas. Mises nunca mais viu seus pertences.
Mises e Margit passaram seus primeiros anos juntos
na Suíça, desfrutando a vida intelectual de Genebra. Entretanto, quando os
alemães conquistaram a França e adentraram Paris, ambos decidiram que era hora
de deixar a Suíça e ir para os Estados Unidos. Eles fugiram de ônibus, junto
com outros refugiados, pelo sul da França. Foi uma viagem angustiante. O
motorista frequentemente era obrigado a alterar a trajetória para evitar dar de
cara com os soldados alemães. Devolvidos à pequena cidade francesa de Cerbère,
na fronteira com a Espanha, porque seus vistos estavam vencidos, Mises
conseguiu, pegando o trem das quatro da manhã para Toulouse, adquirir novos
vistos.
No dia seguinte, o ônibus cruzou com seus
passageiros a fronteira da Espanha. Os refugiados tomaram então um trem para
Barcelona, um avião para Lisboa, e dali finalmente, após uma espera de 13 dias,
um navio para os EUA.
Os Mises chegaram a Nova York em agosto de 1940. Aos
59 anos de idade, Ludwig teria de recomeçar toda a sua vida em uma nova terra,
escrevendo, palestrando e lecionando a uma nova platéia em um novo idioma.
No final da Segunda Guerra, o Exército Vermelho
encontrou os documentos de Mises e de outros inimigos dos nazistas em um trem
na Boêmia. Os russos os enviaram para um arquivo secreto em Moscou. Assim como
os nazistas, os soviéticos também sabiam quem era Mises. Suas obras roubadas
ficaram em Moscou e nunca foram descobertas por nenhum economista ocidental.
Até o início da década de 1990.
Foi somente em 1991, dezoito anos após a morte de
Mises, que seus documentos foram redescobertos pelo economista Richard
Ebeling e sua esposa. Hoje, são um precioso objeto de pesquisa sobre
Mises.
Sabendo agora de todo este pano de fundo, é com
grande orgulho que nossa editora LVM — Liberdade, Valores e Mercado
— publicará, até 2019, três volumes com estes documentos perdidos.
São eles:
Volume 1: "Problemas
Monetários e Econômicos, Antes, Durante e Após a Primeira Grande Guerra".
Volume 2: "Entre
as Guerras Mundiais: Desordem Monetária, Intervencionismo, Socialismo e a
Grande Depressão".
E Volume 3: "A Política Econômica da Reforma e a Reconstrução Internacional".
Todos compilados e editados pelo Professor Ebeling.
Nestes livros, conheceremos o Mises prático, que
discutia e orientava políticas públicas durante sua carreira de chefe da Câmera
de Comércio, um órgão não-governamental com altíssima influência nas políticas
públicas da Áustria. Foi ali, por exemplo, que Mises conseguiu, apenas com suas
palavras, impedir que o
socialismo fosse instalado na Áustria.